Uma campanha triste

11-03-2001
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EDITORIAL

Uma Campanha Triste

Por JOSÉ MANUEL FERNANDES

Sexta-feira, 12 de Janeiro de 2001

Talvez quem ande metido nas caravanas, entre abraços, beijos e bandeiras, tenha a ilusão de que se viveu uma campanha eleitoral. O cidadão comum não tem. E o cidadão atento entediou-se.

Na verdade nunca, desde o 25 de Abril, assistimos a uma campanha eleitoral tão desinteressante. Já noutras ocasiões se sabia com antecedência quem seria o vencedor, mas nunca a pobreza do debate chegou ao ponto a que agora chegou.

Jorge Sampaio candidatou-se à reeleição sem nada de verdadeiramente substancial para dizer aos portugueses. Mesmo o livro que editou - "Quero dizer-vos" - é demasiado vácuo e enfadonho para entusiasmar quem quer seja. Com a eleição segura, preferiu não correr riscos e, por isso, nunca separou águas. Só não evitou por completo os temas quentes porque o urânio empobrecido caiu com fragor na campanha.

Ferreira do Amaral veio ocupar o lugar que deveria ter sido ocupado por outras figuras maiores do seu espaço político. Aceitou ser imolado e não se sabe se tem sequer noção de que está a ser imolado. A sua campanha foi feita pela negativa - a começar no slogan dos "não socialistas" - e percebeu-se que teria gostado mais de falar dos assuntos da governação do que das intendências de Belém.

Tal como Ferreira do Amaral, mas numa escala mais micro, os outros candidatos vieram cumprir missões partidárias. A campanha de António Abreu foi triste e desinspirada e a reviravolta final, com a decisão de ida às urnas, visa apenas impedir o crescimento do Bloco de Esquerda à custa do eleitorado tradicional do PCP. Fernando Rosas andou a pregar que faz parte de outra esquerda, nova, e raramente saiu desta ladainha. Na verdade nunca se percebeu como, tendo feito parte da comissão política de Jorge Sampaio, está agora contra ele. É que, no fundo, não está.

Garcia Pereira acabou assim por surgir como o candidato mais genuíno desta campanha - não por defender a plataforma paleolítica do seu MRPP, mas por assumir um conjunto de causas populares de forma entusiástica e directa. Telegénico, capaz de mostrar convicções que parecem vir do fundo da sua alma, Garcia Pereira assumiu o papel do revoltado com as injustiças da sociedade. Um papel em que é difícil batê-lo.

Tudo isto junto não faz uma campanha eleitoral interessante. Discutir os poderes do Presidente, saber se devia ter criticado mais ou menos o Governo, também não. O que poderia ter tornado o debate interessante era conhecer as visões que os dois principais candidatos têm sobre os problemas do país, com clareza. Não se pedia que apresentassem um programa de Governo, mas que nos falassem das coisas difíceis - das coisas difíceis que é necessário fazer para que o país não se afaste mais da Europa, para inverter o pessimismo que se instalou.

Os tempos não parecem ser os mais propícios para, durante uma campanha eleitoral, um candidato advogar as reformas que têm custos políticos. Aquelas a que exigem sacrifícios, trabalho, esforço e tocam em interesses instalados. Os tempos pertencem antes aos dos candidatos sorridentes que não querem ficar mal com ninguém. A separação de águas é feita por via das críticas pessoais ou das fidelidades partidárias. Ou pela dimensão da simpatia pessoal, agora potenciada pela transformação de candidatos em animadores de palco, em comícios intimistas realizados ao estilo dos talk-show televisivos.

Ora quando tudo isto se passa durante a eleição do mais alto magistrado da Nação, peço desculpa por insistir: o esvaziamento da função presidencial, tornado mais evidente durante o mandato de Jorge Sampaio, esvazia também o interesse das eleições presidenciais. É que se não estamos a discutir o país e os rumos que este deve tomar - porque não é o Presidente que está ao leme, como Sampaio lembrou repetidamente -, então o que resta para discutir? Mais: valerá a pena tanto empenho, tanta campanha, tanta tensão artificial para eleger o mestre de cerimónias da República? É que já nem de "magistratura de influência" se ouve falar...

EDITORIAL

Uma Campanha Triste

Por JOSÉ MANUEL FERNANDES

Sexta-feira, 12 de Janeiro de 2001

Talvez quem ande metido nas caravanas, entre abraços, beijos e bandeiras, tenha a ilusão de que se viveu uma campanha eleitoral. O cidadão comum não tem. E o cidadão atento entediou-se.

Na verdade nunca, desde o 25 de Abril, assistimos a uma campanha eleitoral tão desinteressante. Já noutras ocasiões se sabia com antecedência quem seria o vencedor, mas nunca a pobreza do debate chegou ao ponto a que agora chegou.

Jorge Sampaio candidatou-se à reeleição sem nada de verdadeiramente substancial para dizer aos portugueses. Mesmo o livro que editou - "Quero dizer-vos" - é demasiado vácuo e enfadonho para entusiasmar quem quer seja. Com a eleição segura, preferiu não correr riscos e, por isso, nunca separou águas. Só não evitou por completo os temas quentes porque o urânio empobrecido caiu com fragor na campanha.

Ferreira do Amaral veio ocupar o lugar que deveria ter sido ocupado por outras figuras maiores do seu espaço político. Aceitou ser imolado e não se sabe se tem sequer noção de que está a ser imolado. A sua campanha foi feita pela negativa - a começar no slogan dos "não socialistas" - e percebeu-se que teria gostado mais de falar dos assuntos da governação do que das intendências de Belém.

Tal como Ferreira do Amaral, mas numa escala mais micro, os outros candidatos vieram cumprir missões partidárias. A campanha de António Abreu foi triste e desinspirada e a reviravolta final, com a decisão de ida às urnas, visa apenas impedir o crescimento do Bloco de Esquerda à custa do eleitorado tradicional do PCP. Fernando Rosas andou a pregar que faz parte de outra esquerda, nova, e raramente saiu desta ladainha. Na verdade nunca se percebeu como, tendo feito parte da comissão política de Jorge Sampaio, está agora contra ele. É que, no fundo, não está.

Garcia Pereira acabou assim por surgir como o candidato mais genuíno desta campanha - não por defender a plataforma paleolítica do seu MRPP, mas por assumir um conjunto de causas populares de forma entusiástica e directa. Telegénico, capaz de mostrar convicções que parecem vir do fundo da sua alma, Garcia Pereira assumiu o papel do revoltado com as injustiças da sociedade. Um papel em que é difícil batê-lo.

Tudo isto junto não faz uma campanha eleitoral interessante. Discutir os poderes do Presidente, saber se devia ter criticado mais ou menos o Governo, também não. O que poderia ter tornado o debate interessante era conhecer as visões que os dois principais candidatos têm sobre os problemas do país, com clareza. Não se pedia que apresentassem um programa de Governo, mas que nos falassem das coisas difíceis - das coisas difíceis que é necessário fazer para que o país não se afaste mais da Europa, para inverter o pessimismo que se instalou.

Os tempos não parecem ser os mais propícios para, durante uma campanha eleitoral, um candidato advogar as reformas que têm custos políticos. Aquelas a que exigem sacrifícios, trabalho, esforço e tocam em interesses instalados. Os tempos pertencem antes aos dos candidatos sorridentes que não querem ficar mal com ninguém. A separação de águas é feita por via das críticas pessoais ou das fidelidades partidárias. Ou pela dimensão da simpatia pessoal, agora potenciada pela transformação de candidatos em animadores de palco, em comícios intimistas realizados ao estilo dos talk-show televisivos.

Ora quando tudo isto se passa durante a eleição do mais alto magistrado da Nação, peço desculpa por insistir: o esvaziamento da função presidencial, tornado mais evidente durante o mandato de Jorge Sampaio, esvazia também o interesse das eleições presidenciais. É que se não estamos a discutir o país e os rumos que este deve tomar - porque não é o Presidente que está ao leme, como Sampaio lembrou repetidamente -, então o que resta para discutir? Mais: valerá a pena tanto empenho, tanta campanha, tanta tensão artificial para eleger o mestre de cerimónias da República? É que já nem de "magistratura de influência" se ouve falar...

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