Publico.pt

04-05-2001
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1975 foi um ano de muitas aprendizagens. Nos meses de Março até Novembro, o chamado Verão quente, viveu-se um período de inesquecível força, a que ninguém escapou e que deixou na sociedade portuguesa marcas que perduram. Os espectadores da História sentiram por uma vez os seus destinos ao alcance das suas mãos, a confiança e a capacidade de mudar de facto as formas de vida a que décadas de ditadura os votaram. Mudou então a face dos bairros populares pela iniciativa dos seus habitantes, o nível de vida dos mais desfavorecidos melhorou até patamares desconhecidos por gerações e gerações, a democracia chegou, a pulso, às empresas, às escolas e mesmo aos quartéis ,deram-se passos definitivos no estabelecimento de serviços públicos essenciais num país onde Estado-providência era um conceito mais que abstracto. A oligarquia da ditadura, já incapaz de derrubar pela força a nova sociedade que se erguia, tremeu. Uma parte até fugiu - assegurando-se um bilhete de ida e volta. Os protagonistas - palavra de significado hoje tão duvidoso - eram agora centenas de milhar de pessoas, que se entregaram a discutir, na rua e em milhares de instâncias colectivas, a acção transformadora, o quotidiano da mudança e os horizontes tão aparentemente próximos da justiça. A partir do 25 de Novembro - poucos o pressentiram como tal - registou-se o início do "regresso à normalidade" e é sem dúvida por essa razão que é hoje tão grande a insistência em celebrá-lo como a "vitória da democracia". É interessante que o primeiro sinal de tal triunfo tivesse sido a proibição da circulação de jornais, cujos índices de procura eram então incomensuravelmente maiores que os actuais - outro sinal da intensidade da vida colectiva no período revolucionário. Como tantos, eu fazia da militância política o essencial da minha existência. Enquanto director do jornal "Luta Popular" passei essa noite em branco, correndo para evitar a saída das provas de impressão desactualizadas pelos acontecimentos e providenciando a edição - clandestina - de um novo jornal. O Verão acabava logo em Novembro, nesse ano de 1975. Fernando Rosas

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1975 foi um ano de muitas aprendizagens. Nos meses de Março até Novembro, o chamado Verão quente, viveu-se um período de inesquecível força, a que ninguém escapou e que deixou na sociedade portuguesa marcas que perduram. Os espectadores da História sentiram por uma vez os seus destinos ao alcance das suas mãos, a confiança e a capacidade de mudar de facto as formas de vida a que décadas de ditadura os votaram. Mudou então a face dos bairros populares pela iniciativa dos seus habitantes, o nível de vida dos mais desfavorecidos melhorou até patamares desconhecidos por gerações e gerações, a democracia chegou, a pulso, às empresas, às escolas e mesmo aos quartéis ,deram-se passos definitivos no estabelecimento de serviços públicos essenciais num país onde Estado-providência era um conceito mais que abstracto. A oligarquia da ditadura, já incapaz de derrubar pela força a nova sociedade que se erguia, tremeu. Uma parte até fugiu - assegurando-se um bilhete de ida e volta. Os protagonistas - palavra de significado hoje tão duvidoso - eram agora centenas de milhar de pessoas, que se entregaram a discutir, na rua e em milhares de instâncias colectivas, a acção transformadora, o quotidiano da mudança e os horizontes tão aparentemente próximos da justiça. A partir do 25 de Novembro - poucos o pressentiram como tal - registou-se o início do "regresso à normalidade" e é sem dúvida por essa razão que é hoje tão grande a insistência em celebrá-lo como a "vitória da democracia". É interessante que o primeiro sinal de tal triunfo tivesse sido a proibição da circulação de jornais, cujos índices de procura eram então incomensuravelmente maiores que os actuais - outro sinal da intensidade da vida colectiva no período revolucionário. Como tantos, eu fazia da militância política o essencial da minha existência. Enquanto director do jornal "Luta Popular" passei essa noite em branco, correndo para evitar a saída das provas de impressão desactualizadas pelos acontecimentos e providenciando a edição - clandestina - de um novo jornal. O Verão acabava logo em Novembro, nesse ano de 1975. Fernando Rosas

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