O não debate

12-03-2001
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COMENTÁRIO

O Não Debate

Por TERESA DE SOUSA

Sábado, 6 de Janeiro de 2001

Razão tinham os participantes quando, no final, resolveram congratular-se sobretudo pela forma civilizada com que decorreu o debate na RTP. De facto, pouco mais havia para elogiar. Ao fim da hora e meia que durou o único confronto directo entre os cinco candidatos que vão figurar no boletim de voto das eleições presidenciais, sobrava apenas a frustração de ver um país que se pretende igualmente civilizado não ter mais nada para apresentar numa campanha eleitoral do que as boas maneiras dos protagonistas, que tiveram o bom gosto de não se atropelarem uns aos outros nem se agredirem demasiado.

Mas vamos aos factos.

Rodeado de candidatos cuja credibilidade presidencial é muito limitada, o que leva Jorge Sampaio a manter-se permanentemente na defensiva? É esta, talvez, a questão que pode levantar maiores perplexidades.

Se Jorge Sampaio pretendia dar uma lição de humildade democrática, tentando colocar-se ao nível dos seus adversários ou, pelo menos, do tipo de discurso que lhes interessava fazer, o resultado obtido não foi certamente o melhor. Oscilou permanentemente entre a pose da vítima e a pose da condescendência. Justificou-se quando não precisava de o fazer. Mas, sobretudo, esteve sempre na defensiva, querendo mostrar-se, ao mesmo tempo, um moderador sereno e um "interventor" eficaz; um homem do seu tempo e, ao mesmo tempo, incapaz de resistir aos apelos "da esquerda" à sua esquerda; independente do Governo mas sem ser capaz de resumir em duas ou três ideias uma crítica, mesmo que construtiva, ao executivo.

Sampaio tem apenas uma desculpa. O debate em que participou não foi em bom rigor entre candidatos presidenciais.

Três dos políticos presentes, por mais respeitáveis que sejam, estão na campanha e estavam no debate para marcar presença e aproveitar um tempo de antena que pode ser útil para outros combates.

Foi penoso ver como António Abreu, a "vítima" escolhida desta vez pelo PCP para desempenhar o ingrato papel de candidato virtual durante algum tempo, titubeava entre o passado e o presente, à procura de uma ideia forte que ficasse exactamente a meio, de uma mensagem clara que nunca lhe surgiu. Só um partido que não vai sujeitar-se ao escrutínio se pode dar ao luxo de apresentar um candidato com tão manifesta falta de vocação para marcar presença numa campanha eleitoral.

Era outro o desempenho que se poderia esperar de duas candidaturas assumidamente "marginais", a de Garcia Pereira e a de Fernando Rosas. Sendo radicais e descomprometidas, ser-lhes-ia mais fácil gerar ideias mais audaciosas, dizer algumas verdades incómodas ou denúncias urgentes. Bastava para isso que fossem radicais em relação ao seu tempo. Não é o caso. O seu discurso tem décadas de repetição. As denúncias são as mesmas de há 20 anos, referem-se a um país e a um mundo que já não existem.

Fernando Rosas quebrou uma ou outra vez este triste "remake", colocando na mesa temas importantes e actuais, rapidamente abafados pelas próprias circunstâncias do debate. Denunciou as vistas curtas dos legisladores em matéria de políticas de imigração. Demarcou-se da discussão patética sobre se o Presidente pode intervir mais ou menos para "pôr o governo nos eixos" (Ferreira do Amaral, que não tem visivelmente jeito para estas coisas, continua a falar para uma gigantesca sala de aulas da terceira classe), explicando que a eleição presidencial não é uma questão jurídica é uma questão política.

Resta o único candidato que deveria ser o verdadeiro opositor do actual Presidente da República. Se excluirmos as suas declarações sobre a questão do Kosovo e das chefias militares, onde prevaleceu o bom senso, a forma como tentou explicar aos portugueses como exerceria o mandato presidencial não poderia ter sido mais infeliz. Quem é que disse ao engenheiro Ferreira do Amaral que, na actual conjuntura, era de boa táctica insinuar que demitiria o governo caso fosse eleito? Quem é que o aconselhou a dizer que "metia o governo nos eixos"? Quem é que lhe disse que ganharia votos acusando Sampaio de não ter obrigado o governo a governar bem na saúde, na educação, na segurança interna, na justiça? Que ideia é que tem para Portugal? Ou melhor, que ideia é que tem de Portugal?

Nada disto serve, no entanto, para justificar Jorge Sampaio.

O Presidente desperdiçou todas as oportunidades para falar com clareza do que pode interessar ao país e que está infelizmente ausente do paupérrimo debate político nacional. Não foi capaz de articular um discurso convicto sobre a Europa, um tema em que tem convicções sólidas e um discurso claro. Não foi capaz de transmitir meia dúzia de ideias fortes sobre a urgente moralização da vida pública, sobre a responsabilização dos seus protagonistas, sobre a necessidade de elevar os padrões de exigência do país em todos os sectores.

Se a saúde de uma democracia se medisse pela cordialidade e a civilidade de um debate, a portuguesa não inspiraria cuidados de maior. Mas como se mede pelo confronto e pela qualidade das ideias, a conclusão só pode ser a de que a doença é grave.

COMENTÁRIO

O Não Debate

Por TERESA DE SOUSA

Sábado, 6 de Janeiro de 2001

Razão tinham os participantes quando, no final, resolveram congratular-se sobretudo pela forma civilizada com que decorreu o debate na RTP. De facto, pouco mais havia para elogiar. Ao fim da hora e meia que durou o único confronto directo entre os cinco candidatos que vão figurar no boletim de voto das eleições presidenciais, sobrava apenas a frustração de ver um país que se pretende igualmente civilizado não ter mais nada para apresentar numa campanha eleitoral do que as boas maneiras dos protagonistas, que tiveram o bom gosto de não se atropelarem uns aos outros nem se agredirem demasiado.

Mas vamos aos factos.

Rodeado de candidatos cuja credibilidade presidencial é muito limitada, o que leva Jorge Sampaio a manter-se permanentemente na defensiva? É esta, talvez, a questão que pode levantar maiores perplexidades.

Se Jorge Sampaio pretendia dar uma lição de humildade democrática, tentando colocar-se ao nível dos seus adversários ou, pelo menos, do tipo de discurso que lhes interessava fazer, o resultado obtido não foi certamente o melhor. Oscilou permanentemente entre a pose da vítima e a pose da condescendência. Justificou-se quando não precisava de o fazer. Mas, sobretudo, esteve sempre na defensiva, querendo mostrar-se, ao mesmo tempo, um moderador sereno e um "interventor" eficaz; um homem do seu tempo e, ao mesmo tempo, incapaz de resistir aos apelos "da esquerda" à sua esquerda; independente do Governo mas sem ser capaz de resumir em duas ou três ideias uma crítica, mesmo que construtiva, ao executivo.

Sampaio tem apenas uma desculpa. O debate em que participou não foi em bom rigor entre candidatos presidenciais.

Três dos políticos presentes, por mais respeitáveis que sejam, estão na campanha e estavam no debate para marcar presença e aproveitar um tempo de antena que pode ser útil para outros combates.

Foi penoso ver como António Abreu, a "vítima" escolhida desta vez pelo PCP para desempenhar o ingrato papel de candidato virtual durante algum tempo, titubeava entre o passado e o presente, à procura de uma ideia forte que ficasse exactamente a meio, de uma mensagem clara que nunca lhe surgiu. Só um partido que não vai sujeitar-se ao escrutínio se pode dar ao luxo de apresentar um candidato com tão manifesta falta de vocação para marcar presença numa campanha eleitoral.

Era outro o desempenho que se poderia esperar de duas candidaturas assumidamente "marginais", a de Garcia Pereira e a de Fernando Rosas. Sendo radicais e descomprometidas, ser-lhes-ia mais fácil gerar ideias mais audaciosas, dizer algumas verdades incómodas ou denúncias urgentes. Bastava para isso que fossem radicais em relação ao seu tempo. Não é o caso. O seu discurso tem décadas de repetição. As denúncias são as mesmas de há 20 anos, referem-se a um país e a um mundo que já não existem.

Fernando Rosas quebrou uma ou outra vez este triste "remake", colocando na mesa temas importantes e actuais, rapidamente abafados pelas próprias circunstâncias do debate. Denunciou as vistas curtas dos legisladores em matéria de políticas de imigração. Demarcou-se da discussão patética sobre se o Presidente pode intervir mais ou menos para "pôr o governo nos eixos" (Ferreira do Amaral, que não tem visivelmente jeito para estas coisas, continua a falar para uma gigantesca sala de aulas da terceira classe), explicando que a eleição presidencial não é uma questão jurídica é uma questão política.

Resta o único candidato que deveria ser o verdadeiro opositor do actual Presidente da República. Se excluirmos as suas declarações sobre a questão do Kosovo e das chefias militares, onde prevaleceu o bom senso, a forma como tentou explicar aos portugueses como exerceria o mandato presidencial não poderia ter sido mais infeliz. Quem é que disse ao engenheiro Ferreira do Amaral que, na actual conjuntura, era de boa táctica insinuar que demitiria o governo caso fosse eleito? Quem é que o aconselhou a dizer que "metia o governo nos eixos"? Quem é que lhe disse que ganharia votos acusando Sampaio de não ter obrigado o governo a governar bem na saúde, na educação, na segurança interna, na justiça? Que ideia é que tem para Portugal? Ou melhor, que ideia é que tem de Portugal?

Nada disto serve, no entanto, para justificar Jorge Sampaio.

O Presidente desperdiçou todas as oportunidades para falar com clareza do que pode interessar ao país e que está infelizmente ausente do paupérrimo debate político nacional. Não foi capaz de articular um discurso convicto sobre a Europa, um tema em que tem convicções sólidas e um discurso claro. Não foi capaz de transmitir meia dúzia de ideias fortes sobre a urgente moralização da vida pública, sobre a responsabilização dos seus protagonistas, sobre a necessidade de elevar os padrões de exigência do país em todos os sectores.

Se a saúde de uma democracia se medisse pela cordialidade e a civilidade de um debate, a portuguesa não inspiraria cuidados de maior. Mas como se mede pelo confronto e pela qualidade das ideias, a conclusão só pode ser a de que a doença é grave.

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