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29-08-2001
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João Soares

O dr. Rosas prejudica gravemente a saúde

Há dias, o dr. Fernando Rosas confessou ter hesitado responder a um artigo que eu aqui tinha publicado, em defesa da minha honra e como crítica à mais recente manifestação da sua caluniosa "vanguardice" política. Pois eu não hesito em responder-lhe, mais uma vez. Há, sempre houve, entre nós, de facto, diferenças muito substanciais na forma de ver o mundo e na vontade que - reconheço-o sem nenhuma dificuldade, e essa já é também uma diferença entre nós - ambos temos de contribuir para o melhorar. Eu nunca quis dar lições aos outros, nem me senti nunca detentor de verdades absolutas ou de certezas estratégicas inquestionáveis ao serviço de inabaláveis linhas justas. Sempre procurei alicerçar o meu esforço, o meu trabalho, a minha dedicação aos valores da esquerda e os meus comprometimentos cívicos de sempre, na dúvida, no respeito pelas opiniões alheias e na abertura ao diálogo. Agora não aceito lições de quem calunia, de quem dá e deu sempre tantas provas de intolerância, não me conformo com a pesporrência de quem se pretende sempre o arauto da linha justa e sobretudo não deixo passar em claro mentiras e calúnias. Por isso, na circunstância, não me calo. Nesse artigo fazia eu a destrinça entre os dirigentes do Bloco de Esquerda, quase todos muito esquerda chique (como no velho slogan publicitário: nove em cada dez estrelas do Bloco usam Lux...), e o seu eleitorado, gente jovem, irreverente, com genuínas preocupações sociais, à qual eu lembrava resultados concretos do trabalho da coligação de esquerda, a que presido, no governo da cidade de Lisboa. E a quem também alertava para que qualquer voto pretensamente "utópico" e "esquerdista" será, objectiva e incontornavelmente, nas próximas eleições autárquicas, um voto oferecido de bandeja ao mais descabelado e perigoso populismo de direita do senhor dr. Santana e quejandos. O dr. Rosas, na sua resposta, apresenta três razões para não votar em mim. São, todas três, e cada uma de per si, histórias mal contadas. Quando dobrar o papelinho em quatro, à boca da urna, o dr. Rosas terá de contar a ele mesmo uma história melhor para se justificar pela ajuda que estará a dar ao dr. Santana e amigos. Eis os seus três pontos, pela ordem inversa em que ele os apresenta. Eu violo autocrática e impunemente o PDM. O dr. Rosas não podia ter escolhido pior os exemplos que apresenta, tanto mais que, como historiador, teria obrigação de prezar o rigor factual e a crítica das fontes. Refiro brevemente o acumulado de não verdades que constituem aquilo a que ele chama factos. Assim, os terrenos municipais na zona do Palácio da Ajuda não eram, nem nunca foram, municipais, como ele diz, mas sim do Estado (aliás, cedidos ao tempo em que o dr. Santana Lopes era secretário de Estado da Cultura...); de acordo com o PDM, naquele espaço deverão sempre coexistir zonas verdes e habitação; nada foi aprovado pela câmara que viole estas disposições. Nada foi aprovado, nem será enquanto eu presidir à câmara. Por seu lado, para o terreno que a Direcção-Geral do Património (organismo do Estado e não municipal) vendeu junto às Torres de Lisboa, diz o dr. Rosas que a CML aprovou um projecto de construção, violando o PDM. Falso: está um projecto em apreciação, depois de um anterior ter sido chumbado, e já tive ocasião de anunciar, com toda a clareza, que este não terá melhor sorte. Finalmente, sobre o projecto para Braço de Prata. É um facto que o PDM indica para aquela zona da cidade um uso exclusivamente industrial. Por isso, a CML tem em elaboração um plano para que ali se possa construir também uma componente residencial. Num projecto da autoria de Renzo Piano, um grande arquitecto contemporâneo que qualquer cidade não pode senão orgulhar-se de ter como projectista. Preferiria o dr. Rosas que ali, junto ao rio, numa área que tem vindo a ser recuperada e reanimada, fosse implantada exclusivamente indústria? Ou que continuassem ali a fabricar-se as armas que alimentaram a Guerra Colonial? Nada portanto tão longe da verdade como as pretensas violações de plano invocadas. No entanto, o dr. Rosas tinha à disposição um exemplo indisfarçável de violação de um plano, desses planos que ele endeusa e incensa. Existia para o alto do Parque, numa das zonas mais nobres da cidade, um plano de pormenor mandado executar, reforçando o PDM, para justificar ali serem despejadas muitas toneladas de betão. Quem hoje passasse no Marquês de Pombal, olharia para o cimo do Parque Eduardo VII e veria não o céu sobre um belo jardim, desenhado por Ribeiro Telles, mas uma zona densamente edificada. Para que ali pudesse ter nascido esse jardim, eu tive de impor a vontade da cidade ao que tinha sido aprovado, na forma "glorificada" por Rosas doutor, de um plano. Poderia então o dr. Rosas ter escrito o que agora escreveu: um desavergonhado diktat do lobby do imobiliário sobre a política e o planeamento de ordenamento da cidade. E estas suas palavras, poderia ainda tê-las escrito quando se capitulou face aos interesses e à vontade do eng. Belmiro, que levou à construção de uma monstruosa megacatedral do consumismo no meio da cidade. Às ordens do interesse especulador, o Colombo representa o maior erro urbanístico praticado em Lisboa nas últimas décadas. E pese embora repetir-me, mas quem não sente não é filho de boa gente, bem tenho pago essa denúncia e a atitude que ela representa de não subserviência do poder político face ao poder económico. O jornal que é propriedade desse grupo económico quase não terá tido, nestes últimos seis anos, uma edição em que me não atacasse política e, também, pessoalmente. A mim e à minha família. Aliás, é nesse mesmo jornal, tentáculo comunicacional do grupo económico do eng. Belmiro, que o dr. Rosas perora habitualmente, em coluna encimada por efígie embocando cachimbo. E isto não é grosseria, nem insinuação torpe, nem alusão personalizada: é um simples facto, e um facto muito simples. Segunda razão do dr. Rosas para não votar em mim: a completa capitulação da política camarária face aos interesses que sustentam a invasão da cidade pelo automóvel particular. Segundo a sua argumentação, o facto de a CML ter vindo a criar parques de estacionamento subterrâneo espalhados pela cidade é o motivo de todos os dias entrarem em Lisboa algumas centenas de milhares de automóveis. Acontece que a construção desses parques é recente: na sua maior parte, foram abertos na última meia dúzia de anos. Portanto, não há quem possa ter a memória tão curta que não se lembre de que, antes de eles terem sido construídos, a avalanche de carros que diariamente invadia a cidade era a mesma ou muito semelhante. O mais saboroso nesta argumentação é que o mano Portas que o dr. Rosas apoia foi, quando esteve avençado na CML, o responsável por uma dispendiosa campanha de publicidade sobre precisamente esses parques de estacionamento - quando eles não passavam de um projecto e faltava ainda o trabalhinho concreto de os realizar em obra; anúncios de jornal que o eng. Ferreira do Amaral me exibiu depois em debates televisivos, como, aliás, o eng. Macário os tinha exibido ao dr. Sampaio, perguntando-nos: onde é que eles estão? É que anunciá-los era fácil... tão fácil como agora vir o dr. Rosas criticar o eu ter conseguido fazer o que o seu companheiro do Bloco anunciava, fora de tempo e com grande barulheira! Criticar o estacionamento subterrâneo é, aliás, uma das novas coqueluches da esquerda caviar. Nós temos um trabalho realizado, no sentido de pôr o automóvel ao serviço das pessoas, e não o contrário. Desde logo, medidas reais e simbólicas mas de forte valor pedagógico, como ter acabado com a vergonha do Terreiro do Paço transformado em parque de estacionamento (afinal, era fácil... faltava era a coragem!), a Avenida da Liberdade sem carros ao domingo, ou Lisboa ser, de longe, a capital europeia com apostas mais ousadas no âmbito do Dia Europeu sem Carros. Mas temos, principalmente, realizações concretas: o ordenamento do estacionamento à superfície, a pedonalização de ruas, a criação de corredores bus e para circulação em bicicletas, o trabalho em parceria com os profissionais dos táxis. E, claro, os parques de estacionamento, que tanto afligem o dr. Rosas e que lhe permitem acusar-me de, nada mais, nada menos, estar ao serviço das petrolíferas, das cimenteiras, dos construtores civis (já agora, porque não do próprio Diabo?). Deixei para o fim a melhor das razões para o dr. Rosas não votar em mim: eu sou um típico cacique, com clientes e clientela, que arregimenta compadrios, que vive da mercearia política e da aparência. Ai! Esta do cacique, vinda do inventor e um dos maiores utilizadores do conceito do grande educador do proletariado, é verdadeiramente uma delícia, ó dr. Rosas! O dr. Rosas acusa-me de preservar interesses e réditos, garantir empregos, segurar influências e influentes, agarrar financiamentos, tudo em função da maior glória de Sua Excelência, sem se dar, no entanto, ao trabalho de apontar uma situação concreta! E isto vem de quem me acusa, a mim, de o ter coberto de grosserias, insinuações torpes, alusões personalizadas, etc.! Como resistir a lembrar o velho livro de estilo do Luta Popular? Na boca do dr. Rosas, o acto de caluniar enobrece-se e passa a ser discutir orientações de gestão municipal. Para me cingir a factos até ao fim, respondo aos que ele invoca para ilustrar aquilo a que chama a minha política de aparências. Parece que eu fingi ter resolvido o problema da droga no Casal Ventoso. Tente lá ser sério, dr. Rosas. Nunca afirmei pretender resolver o problema da toxicodependência. Eu afirmei que iria acabar com o Casal Ventoso. Aquele bairro era um símbolo de marginalidade e de hipocrisia, porque todos sabíamos o que lá dentro havia de miséria humana, mas muitos fingiam que não viam. Há décadas que era prometido que o Casal Ventoso ia abaixo. Nunca, até eu ser presidente da câmara, uma única barraca tinha sido demolida. Pois agora foi mesmo o Casal Ventoso abaixo. E foram também criados, pela primeira vez, por iniciativa municipal, centros de apoio e abrigo aos toxicodependentes. E foi também por pressão minha que finalmente arrancou o programa de metadona. Ainda é pouco? Será sempre pouco... mas foi a tal dupla Soares/Abreu que o fez. Antes: zero! Parece que se acabou com as barracas: não parece, dr. Rosas, foram mesmo abaixo os grandes bairros de barracas. Já está em demolição o último: a Curraleira. Não estamos a falar de algumas centenas de barracas. Até ao fim do ano, ficam por terra mais de duas dezenas de milhares! Sugiro ao dr. Rosas que vá explicar aos milhares de lisboetas que agora trocaram o pesadelo das tábuas, das placas de zinco e das ruas de lama onde viviam como teria ele feito melhor e mais depressa. Finalmente, não podendo desmentir a criação de tantos espaços de cultura (Casa Fernando Pessoa, Casa da América Latina, Bedeteca, Fórum Lisboa, Fonoteca, Videoteca, Arquivo Fotográfico, várias galerias...), vem o dr. Rosas afirmar que não tem verbas nem pessoal especializado para um funcionamento normal! Todos os que frequentam estes espaços e as actividades que eles desenvolvem (encontros internacionais de poesia, Salão Lisboa, ciclos de cinema, dezenas de exposições) sabem que falamos de espaços de cultura com grande vida e grande qualidade. Falará o dr. Rosas das dificuldades de espaço do Museu da República e da Resistência? O dr. Rosas pode ali proferir as suas conferências (que a CML disponibiliza no seu site, com a imagem e o som do dr. Rosas lui-même - mesmo com a tal falta de meios!) sobre esses tempos negros, durante os quais era tão difícil poder falar livremente... e às vezes mais difícil ainda ficar calado! Diz o dr. Rosas que eu ando sempre com a esquerda na boca: olhe, sotôr, é por ter o coração ao pé da boca! O que lhe digo é que a esquerda de que eu gosto, a que pertenço e sempre pertenci, é aberta e tolerante. É a esquerda que sabe que a política é feita por homens e mulheres, com as suas forças e as suas fraquezas, e não se aprende em manuais. A minha esquerda não gosta de perseguir, não é dogmática, nem sectária. Não tem a arrogância académica de pretender saber tudo. De facto, não é a sua esquerda, dr. Rosas, a de grande educador do proletariado que se pudesse mudava o mundo por decreto, plano de pormenor ou à força. Ando com a esquerda na boca? Antes com a esquerda que com o cachimbo! Confesso que sempre que via o seu cartaz de candidato a Presidente da nossa República pensava que ainda o iam acusar de emitir dioxinas! Mas parece que afinal o cachimbo estava apagado - era só décor, o seu papillon de académico, sem noeud... À cautela, sugiro que, quando o método rotativo de candidaturas do seu Bloco lhe oferecer de novo cartazes espalhados para a sua pequena glória alternativa, perto do cachimbo esteja escrito de forma bem visível: o bom senso avisa que o dr. Rosas prejudica gravemente a saúde... da esquerda!

João Soares

O dr. Rosas prejudica gravemente a saúde

Há dias, o dr. Fernando Rosas confessou ter hesitado responder a um artigo que eu aqui tinha publicado, em defesa da minha honra e como crítica à mais recente manifestação da sua caluniosa "vanguardice" política. Pois eu não hesito em responder-lhe, mais uma vez. Há, sempre houve, entre nós, de facto, diferenças muito substanciais na forma de ver o mundo e na vontade que - reconheço-o sem nenhuma dificuldade, e essa já é também uma diferença entre nós - ambos temos de contribuir para o melhorar. Eu nunca quis dar lições aos outros, nem me senti nunca detentor de verdades absolutas ou de certezas estratégicas inquestionáveis ao serviço de inabaláveis linhas justas. Sempre procurei alicerçar o meu esforço, o meu trabalho, a minha dedicação aos valores da esquerda e os meus comprometimentos cívicos de sempre, na dúvida, no respeito pelas opiniões alheias e na abertura ao diálogo. Agora não aceito lições de quem calunia, de quem dá e deu sempre tantas provas de intolerância, não me conformo com a pesporrência de quem se pretende sempre o arauto da linha justa e sobretudo não deixo passar em claro mentiras e calúnias. Por isso, na circunstância, não me calo. Nesse artigo fazia eu a destrinça entre os dirigentes do Bloco de Esquerda, quase todos muito esquerda chique (como no velho slogan publicitário: nove em cada dez estrelas do Bloco usam Lux...), e o seu eleitorado, gente jovem, irreverente, com genuínas preocupações sociais, à qual eu lembrava resultados concretos do trabalho da coligação de esquerda, a que presido, no governo da cidade de Lisboa. E a quem também alertava para que qualquer voto pretensamente "utópico" e "esquerdista" será, objectiva e incontornavelmente, nas próximas eleições autárquicas, um voto oferecido de bandeja ao mais descabelado e perigoso populismo de direita do senhor dr. Santana e quejandos. O dr. Rosas, na sua resposta, apresenta três razões para não votar em mim. São, todas três, e cada uma de per si, histórias mal contadas. Quando dobrar o papelinho em quatro, à boca da urna, o dr. Rosas terá de contar a ele mesmo uma história melhor para se justificar pela ajuda que estará a dar ao dr. Santana e amigos. Eis os seus três pontos, pela ordem inversa em que ele os apresenta. Eu violo autocrática e impunemente o PDM. O dr. Rosas não podia ter escolhido pior os exemplos que apresenta, tanto mais que, como historiador, teria obrigação de prezar o rigor factual e a crítica das fontes. Refiro brevemente o acumulado de não verdades que constituem aquilo a que ele chama factos. Assim, os terrenos municipais na zona do Palácio da Ajuda não eram, nem nunca foram, municipais, como ele diz, mas sim do Estado (aliás, cedidos ao tempo em que o dr. Santana Lopes era secretário de Estado da Cultura...); de acordo com o PDM, naquele espaço deverão sempre coexistir zonas verdes e habitação; nada foi aprovado pela câmara que viole estas disposições. Nada foi aprovado, nem será enquanto eu presidir à câmara. Por seu lado, para o terreno que a Direcção-Geral do Património (organismo do Estado e não municipal) vendeu junto às Torres de Lisboa, diz o dr. Rosas que a CML aprovou um projecto de construção, violando o PDM. Falso: está um projecto em apreciação, depois de um anterior ter sido chumbado, e já tive ocasião de anunciar, com toda a clareza, que este não terá melhor sorte. Finalmente, sobre o projecto para Braço de Prata. É um facto que o PDM indica para aquela zona da cidade um uso exclusivamente industrial. Por isso, a CML tem em elaboração um plano para que ali se possa construir também uma componente residencial. Num projecto da autoria de Renzo Piano, um grande arquitecto contemporâneo que qualquer cidade não pode senão orgulhar-se de ter como projectista. Preferiria o dr. Rosas que ali, junto ao rio, numa área que tem vindo a ser recuperada e reanimada, fosse implantada exclusivamente indústria? Ou que continuassem ali a fabricar-se as armas que alimentaram a Guerra Colonial? Nada portanto tão longe da verdade como as pretensas violações de plano invocadas. No entanto, o dr. Rosas tinha à disposição um exemplo indisfarçável de violação de um plano, desses planos que ele endeusa e incensa. Existia para o alto do Parque, numa das zonas mais nobres da cidade, um plano de pormenor mandado executar, reforçando o PDM, para justificar ali serem despejadas muitas toneladas de betão. Quem hoje passasse no Marquês de Pombal, olharia para o cimo do Parque Eduardo VII e veria não o céu sobre um belo jardim, desenhado por Ribeiro Telles, mas uma zona densamente edificada. Para que ali pudesse ter nascido esse jardim, eu tive de impor a vontade da cidade ao que tinha sido aprovado, na forma "glorificada" por Rosas doutor, de um plano. Poderia então o dr. Rosas ter escrito o que agora escreveu: um desavergonhado diktat do lobby do imobiliário sobre a política e o planeamento de ordenamento da cidade. E estas suas palavras, poderia ainda tê-las escrito quando se capitulou face aos interesses e à vontade do eng. Belmiro, que levou à construção de uma monstruosa megacatedral do consumismo no meio da cidade. Às ordens do interesse especulador, o Colombo representa o maior erro urbanístico praticado em Lisboa nas últimas décadas. E pese embora repetir-me, mas quem não sente não é filho de boa gente, bem tenho pago essa denúncia e a atitude que ela representa de não subserviência do poder político face ao poder económico. O jornal que é propriedade desse grupo económico quase não terá tido, nestes últimos seis anos, uma edição em que me não atacasse política e, também, pessoalmente. A mim e à minha família. Aliás, é nesse mesmo jornal, tentáculo comunicacional do grupo económico do eng. Belmiro, que o dr. Rosas perora habitualmente, em coluna encimada por efígie embocando cachimbo. E isto não é grosseria, nem insinuação torpe, nem alusão personalizada: é um simples facto, e um facto muito simples. Segunda razão do dr. Rosas para não votar em mim: a completa capitulação da política camarária face aos interesses que sustentam a invasão da cidade pelo automóvel particular. Segundo a sua argumentação, o facto de a CML ter vindo a criar parques de estacionamento subterrâneo espalhados pela cidade é o motivo de todos os dias entrarem em Lisboa algumas centenas de milhares de automóveis. Acontece que a construção desses parques é recente: na sua maior parte, foram abertos na última meia dúzia de anos. Portanto, não há quem possa ter a memória tão curta que não se lembre de que, antes de eles terem sido construídos, a avalanche de carros que diariamente invadia a cidade era a mesma ou muito semelhante. O mais saboroso nesta argumentação é que o mano Portas que o dr. Rosas apoia foi, quando esteve avençado na CML, o responsável por uma dispendiosa campanha de publicidade sobre precisamente esses parques de estacionamento - quando eles não passavam de um projecto e faltava ainda o trabalhinho concreto de os realizar em obra; anúncios de jornal que o eng. Ferreira do Amaral me exibiu depois em debates televisivos, como, aliás, o eng. Macário os tinha exibido ao dr. Sampaio, perguntando-nos: onde é que eles estão? É que anunciá-los era fácil... tão fácil como agora vir o dr. Rosas criticar o eu ter conseguido fazer o que o seu companheiro do Bloco anunciava, fora de tempo e com grande barulheira! Criticar o estacionamento subterrâneo é, aliás, uma das novas coqueluches da esquerda caviar. Nós temos um trabalho realizado, no sentido de pôr o automóvel ao serviço das pessoas, e não o contrário. Desde logo, medidas reais e simbólicas mas de forte valor pedagógico, como ter acabado com a vergonha do Terreiro do Paço transformado em parque de estacionamento (afinal, era fácil... faltava era a coragem!), a Avenida da Liberdade sem carros ao domingo, ou Lisboa ser, de longe, a capital europeia com apostas mais ousadas no âmbito do Dia Europeu sem Carros. Mas temos, principalmente, realizações concretas: o ordenamento do estacionamento à superfície, a pedonalização de ruas, a criação de corredores bus e para circulação em bicicletas, o trabalho em parceria com os profissionais dos táxis. E, claro, os parques de estacionamento, que tanto afligem o dr. Rosas e que lhe permitem acusar-me de, nada mais, nada menos, estar ao serviço das petrolíferas, das cimenteiras, dos construtores civis (já agora, porque não do próprio Diabo?). Deixei para o fim a melhor das razões para o dr. Rosas não votar em mim: eu sou um típico cacique, com clientes e clientela, que arregimenta compadrios, que vive da mercearia política e da aparência. Ai! Esta do cacique, vinda do inventor e um dos maiores utilizadores do conceito do grande educador do proletariado, é verdadeiramente uma delícia, ó dr. Rosas! O dr. Rosas acusa-me de preservar interesses e réditos, garantir empregos, segurar influências e influentes, agarrar financiamentos, tudo em função da maior glória de Sua Excelência, sem se dar, no entanto, ao trabalho de apontar uma situação concreta! E isto vem de quem me acusa, a mim, de o ter coberto de grosserias, insinuações torpes, alusões personalizadas, etc.! Como resistir a lembrar o velho livro de estilo do Luta Popular? Na boca do dr. Rosas, o acto de caluniar enobrece-se e passa a ser discutir orientações de gestão municipal. Para me cingir a factos até ao fim, respondo aos que ele invoca para ilustrar aquilo a que chama a minha política de aparências. Parece que eu fingi ter resolvido o problema da droga no Casal Ventoso. Tente lá ser sério, dr. Rosas. Nunca afirmei pretender resolver o problema da toxicodependência. Eu afirmei que iria acabar com o Casal Ventoso. Aquele bairro era um símbolo de marginalidade e de hipocrisia, porque todos sabíamos o que lá dentro havia de miséria humana, mas muitos fingiam que não viam. Há décadas que era prometido que o Casal Ventoso ia abaixo. Nunca, até eu ser presidente da câmara, uma única barraca tinha sido demolida. Pois agora foi mesmo o Casal Ventoso abaixo. E foram também criados, pela primeira vez, por iniciativa municipal, centros de apoio e abrigo aos toxicodependentes. E foi também por pressão minha que finalmente arrancou o programa de metadona. Ainda é pouco? Será sempre pouco... mas foi a tal dupla Soares/Abreu que o fez. Antes: zero! Parece que se acabou com as barracas: não parece, dr. Rosas, foram mesmo abaixo os grandes bairros de barracas. Já está em demolição o último: a Curraleira. Não estamos a falar de algumas centenas de barracas. Até ao fim do ano, ficam por terra mais de duas dezenas de milhares! Sugiro ao dr. Rosas que vá explicar aos milhares de lisboetas que agora trocaram o pesadelo das tábuas, das placas de zinco e das ruas de lama onde viviam como teria ele feito melhor e mais depressa. Finalmente, não podendo desmentir a criação de tantos espaços de cultura (Casa Fernando Pessoa, Casa da América Latina, Bedeteca, Fórum Lisboa, Fonoteca, Videoteca, Arquivo Fotográfico, várias galerias...), vem o dr. Rosas afirmar que não tem verbas nem pessoal especializado para um funcionamento normal! Todos os que frequentam estes espaços e as actividades que eles desenvolvem (encontros internacionais de poesia, Salão Lisboa, ciclos de cinema, dezenas de exposições) sabem que falamos de espaços de cultura com grande vida e grande qualidade. Falará o dr. Rosas das dificuldades de espaço do Museu da República e da Resistência? O dr. Rosas pode ali proferir as suas conferências (que a CML disponibiliza no seu site, com a imagem e o som do dr. Rosas lui-même - mesmo com a tal falta de meios!) sobre esses tempos negros, durante os quais era tão difícil poder falar livremente... e às vezes mais difícil ainda ficar calado! Diz o dr. Rosas que eu ando sempre com a esquerda na boca: olhe, sotôr, é por ter o coração ao pé da boca! O que lhe digo é que a esquerda de que eu gosto, a que pertenço e sempre pertenci, é aberta e tolerante. É a esquerda que sabe que a política é feita por homens e mulheres, com as suas forças e as suas fraquezas, e não se aprende em manuais. A minha esquerda não gosta de perseguir, não é dogmática, nem sectária. Não tem a arrogância académica de pretender saber tudo. De facto, não é a sua esquerda, dr. Rosas, a de grande educador do proletariado que se pudesse mudava o mundo por decreto, plano de pormenor ou à força. Ando com a esquerda na boca? Antes com a esquerda que com o cachimbo! Confesso que sempre que via o seu cartaz de candidato a Presidente da nossa República pensava que ainda o iam acusar de emitir dioxinas! Mas parece que afinal o cachimbo estava apagado - era só décor, o seu papillon de académico, sem noeud... À cautela, sugiro que, quando o método rotativo de candidaturas do seu Bloco lhe oferecer de novo cartazes espalhados para a sua pequena glória alternativa, perto do cachimbo esteja escrito de forma bem visível: o bom senso avisa que o dr. Rosas prejudica gravemente a saúde... da esquerda!

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