EXPRESSO: Opinião

22-03-2002
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29/12/2001

OPINIÃO

PS precisa de falar verdade Fernando Pereira Marques*

«O PS precisa de falar verdade, de assumir os erros e de provar que aprendeu com eles. Tem de mostrar convincente vontade de mudança de políticas, de pessoas, de métodos e de práticas, para conseguir recuperar a credibilidade perdida. Caso contrário, o próximo secretário-geral será transitório e avizinha-se um (longo?) período de oposição.» É SABIDO que os portugueses têm a lágrima fácil. Comovem-nos os coitadinhos, somos exímios em orações fúnebres e qualquer morto se torna pessoa excelente. Não estranho, assim, que a demissão de António Guterres, das chefias do Governo e do PS, tenha sido recebida com um coro de elogios, realçando as qualidades e virtudes que tal decisão teria demonstrado. Ressalvem-se umas quantas vozes dissonantes, pela lucidez e a frontalidade, entre as quais a do meu amigo António Reis, que se fez ouvir na reunião da Comissão Política socialista. Também eu considero que esse súbito abandono evidencia, pelo menos, muita pusilanimidade e pouco sentido de Estado, acabando por, em si mesmo, sintetizar todas as fragilidades do «guterrismo». Se por essas democracias fora os chefes de governo e de partido entrassem em estado de choque e abandonassem o posto cada vez que perdem eleições locais seria um nunca mais acabar de demissões. Depois do «cavaquismo», impôs-se entre nós o sofisma de que sem uma maioria absoluta parlamentar não há condições para governar, o que reflecte uma peculiar cultura democrática. Governar em aliança, como é a regra na generalidade das democracias europeias, considera-se dramática excepção que impede a estabilidade e a governabilidade do país. Isto ajuda a explicar muito do que se passou com António Guterres na legislatura iniciada em 1999, e permite perceber porque Ferro Rodrigues, candidato a secretário-geral, realçou esta questão da maioria absoluta logo na primeira intervenção como tal. Claro que é legítimo, e faz parte das regras do jogo, um partido ambicionar obter do eleitorado uma expressão maioritária de confiança que permita concretizar o respectivo programa com coerência e consistência. Mas tal ambição não se pode tornar uma espécie de condição «sine qua non» que, não sendo satisfeita pelos eleitores, justifica o amuo de quem governa ou o desnorte tacticista. Com António Costa, Paulo Pedroso e mais uns poucos que integram o actual Executivo - para só falar deste -, Ferro Rodrigues destacou-se pelo talento e pelas capacidades demonstradas. A sua candidatura suscita-me, à partida, expectativas positivas. Mas penso que vai mal se persistir na via que, aparentemente, adoptou. Disputar as legislativas sem promover previamente um debate crítico interno e sem algumas rupturas necessárias, apostar na continuidade sem renovação, tanto do ponto de vista das estruturas dirigentes do partido como das políticas a propor aos portugueses, conduzirá certamente ao desastre. E a derrota não é uma inevitabilidade: nem os adversários são temíveis, nem a relação de forças em termos nacionais é dramática. O argumento da dificuldade em conciliar os prazos estatutários com os prazos constitucionais para a não convocação de um congresso extraordinário é pouco convincente. Convenho, todavia, que no estado em que está o PS, tornado uma federação de interesses e de grupos cimentada só pelo poder, esvaziado de ideias e sem identidade nem rumo, seria difícil, numa reunião magna realizada em tais circunstâncias, resolver todos os problemas acumulados: orgânicos, funcionais, programáticos, doutrinários. Mas ela poderia contribuir para, pelo menos, clarificar princípios e metas fundamentais a uma estratégia de recuperação e, sobretudo, para refazer equipas, romper com o sufocamento aparelhístico e para relegitimar os órgãos de direcção. Depois de tantas expectativas frustradas, nem os eleitores nem os militantes socialistas se deixarão convencer por umas quantas tretas, habilidades oratórias ou pozinhos de «marketing». Nada será mais fatal para quem venha a liderar agora o PS do que repousar num simulacro de unanimismo, em grande parte fruto do medo e do desespero de muitos que temem perder pequenas, médias ou grandes franjas de poder, ao nível do aparelho de Estado e até do partido. O PS precisa de falar verdade, de assumir os erros e de provar que aprendeu com eles. Tem de mostrar convincente vontade de mudança de políticas, de pessoas, de métodos e de práticas, para conseguir recuperar a credibilidade perdida. Caso contrário, o próximo secretário-geral será transitório e avizinha-se um (longo?) período de oposição. *Professor universitário

COMENTÁRIOS AO ARTIGO

2 comentários 1 a 2

29 de Dezembro de 2001 às 14:46

Diogo Sotto Mai ( op3706@mail.telepac.pt )

Guterres deixa obra e invalida os números de Cavaco desde o crescimento do Pib à redução do deemprego, passando pela dívida pública, hoje de 53,4%, com Cavaco de 68% e os défices; hoje de 2,2%; com Cavaco de 5,7 a 6,5% do pib.

Mas, o importante no PS é a visão de esquerda que é preciso reduzir a pobreza; dar habitação ao povo das barracas, integrá-lo na sociedade portuguesa e fazer uma política de PLENO EMPREGO com juros inferiores em 10% aos praticados nos tempos de Cavaco. Assim, os salários mais baixos subiram, a construção social expandiu-se e a construção normal, permitindo a mais de 800 mil famílias habitar em casa condigna. O RMG é um paliativo individual, mas tem sentido em termos de capuitação familiar das famílias com 2 e mais filhos. O RMG permite à mãe libertar-se de um monótono emprego e cuidar dos filhos, não só por 4 anos como querem os bispos, mas por toda a vida, se assim o entender.

Com Guterres, 21% da população passou a frequentar escola, quando com Cavaco eram apenas 17%. Enfim, Guterres deixa obra que só será reconhecida muito depois, apesar de que é verdade que poderia ter feito muito mais. Mas, mais daquilo que nem o PSD nem Durão sabem sequer o que deveria ser e nunca o afirmaram.

29 de Dezembro de 2001 às 10:39

Alvim ( antonioalvim@netcabo.pt )

No PS agora fala-se em necessidade de mudanças. Mas esta necessidade de mudanças aparece não como uma necssidade de fundo (e aqui apenas Manuel Maria Carrilho tem autoridade para falar)mas como mais uma medida de cosmética eleitoral que continua a marca do Guterrismo.Quanto mais convição o Primeiro Ministro punha nas suas afirmações, quanto mais elas se afirmavam nos seus gestos mais sabíamos que não eram para levar a sério. O que falhou no PS foi a ausência de qualquer pensamento estrutural de fundo.O grande erro foi pensar que governar era apenas gerir.

E os pensamentos de fundo não aparecem de um dia para o outro. O PS precisa, para o bem do País,de tempo para que esse pensamento nasça, cresça e se consolide.

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PS precisa de falar verdade Fernando Pereira Marques*

«O PS precisa de falar verdade, de assumir os erros e de provar que aprendeu com eles. Tem de mostrar convincente vontade de mudança de políticas, de pessoas, de métodos e de práticas, para conseguir recuperar a credibilidade perdida. Caso contrário, o próximo secretário-geral será transitório e avizinha-se um (longo?) período de oposição.» É SABIDO que os portugueses têm a lágrima fácil. Comovem-nos os coitadinhos, somos exímios em orações fúnebres e qualquer morto se torna pessoa excelente. Não estranho, assim, que a demissão de António Guterres, das chefias do Governo e do PS, tenha sido recebida com um coro de elogios, realçando as qualidades e virtudes que tal decisão teria demonstrado. Ressalvem-se umas quantas vozes dissonantes, pela lucidez e a frontalidade, entre as quais a do meu amigo António Reis, que se fez ouvir na reunião da Comissão Política socialista. Também eu considero que esse súbito abandono evidencia, pelo menos, muita pusilanimidade e pouco sentido de Estado, acabando por, em si mesmo, sintetizar todas as fragilidades do «guterrismo». Se por essas democracias fora os chefes de governo e de partido entrassem em estado de choque e abandonassem o posto cada vez que perdem eleições locais seria um nunca mais acabar de demissões. Depois do «cavaquismo», impôs-se entre nós o sofisma de que sem uma maioria absoluta parlamentar não há condições para governar, o que reflecte uma peculiar cultura democrática. Governar em aliança, como é a regra na generalidade das democracias europeias, considera-se dramática excepção que impede a estabilidade e a governabilidade do país. Isto ajuda a explicar muito do que se passou com António Guterres na legislatura iniciada em 1999, e permite perceber porque Ferro Rodrigues, candidato a secretário-geral, realçou esta questão da maioria absoluta logo na primeira intervenção como tal. Claro que é legítimo, e faz parte das regras do jogo, um partido ambicionar obter do eleitorado uma expressão maioritária de confiança que permita concretizar o respectivo programa com coerência e consistência. Mas tal ambição não se pode tornar uma espécie de condição «sine qua non» que, não sendo satisfeita pelos eleitores, justifica o amuo de quem governa ou o desnorte tacticista. Com António Costa, Paulo Pedroso e mais uns poucos que integram o actual Executivo - para só falar deste -, Ferro Rodrigues destacou-se pelo talento e pelas capacidades demonstradas. A sua candidatura suscita-me, à partida, expectativas positivas. Mas penso que vai mal se persistir na via que, aparentemente, adoptou. Disputar as legislativas sem promover previamente um debate crítico interno e sem algumas rupturas necessárias, apostar na continuidade sem renovação, tanto do ponto de vista das estruturas dirigentes do partido como das políticas a propor aos portugueses, conduzirá certamente ao desastre. E a derrota não é uma inevitabilidade: nem os adversários são temíveis, nem a relação de forças em termos nacionais é dramática. O argumento da dificuldade em conciliar os prazos estatutários com os prazos constitucionais para a não convocação de um congresso extraordinário é pouco convincente. Convenho, todavia, que no estado em que está o PS, tornado uma federação de interesses e de grupos cimentada só pelo poder, esvaziado de ideias e sem identidade nem rumo, seria difícil, numa reunião magna realizada em tais circunstâncias, resolver todos os problemas acumulados: orgânicos, funcionais, programáticos, doutrinários. Mas ela poderia contribuir para, pelo menos, clarificar princípios e metas fundamentais a uma estratégia de recuperação e, sobretudo, para refazer equipas, romper com o sufocamento aparelhístico e para relegitimar os órgãos de direcção. Depois de tantas expectativas frustradas, nem os eleitores nem os militantes socialistas se deixarão convencer por umas quantas tretas, habilidades oratórias ou pozinhos de «marketing». Nada será mais fatal para quem venha a liderar agora o PS do que repousar num simulacro de unanimismo, em grande parte fruto do medo e do desespero de muitos que temem perder pequenas, médias ou grandes franjas de poder, ao nível do aparelho de Estado e até do partido. O PS precisa de falar verdade, de assumir os erros e de provar que aprendeu com eles. Tem de mostrar convincente vontade de mudança de políticas, de pessoas, de métodos e de práticas, para conseguir recuperar a credibilidade perdida. Caso contrário, o próximo secretário-geral será transitório e avizinha-se um (longo?) período de oposição. *Professor universitário

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2 comentários 1 a 2

29 de Dezembro de 2001 às 14:46

Diogo Sotto Mai ( op3706@mail.telepac.pt )

Guterres deixa obra e invalida os números de Cavaco desde o crescimento do Pib à redução do deemprego, passando pela dívida pública, hoje de 53,4%, com Cavaco de 68% e os défices; hoje de 2,2%; com Cavaco de 5,7 a 6,5% do pib.

Mas, o importante no PS é a visão de esquerda que é preciso reduzir a pobreza; dar habitação ao povo das barracas, integrá-lo na sociedade portuguesa e fazer uma política de PLENO EMPREGO com juros inferiores em 10% aos praticados nos tempos de Cavaco. Assim, os salários mais baixos subiram, a construção social expandiu-se e a construção normal, permitindo a mais de 800 mil famílias habitar em casa condigna. O RMG é um paliativo individual, mas tem sentido em termos de capuitação familiar das famílias com 2 e mais filhos. O RMG permite à mãe libertar-se de um monótono emprego e cuidar dos filhos, não só por 4 anos como querem os bispos, mas por toda a vida, se assim o entender.

Com Guterres, 21% da população passou a frequentar escola, quando com Cavaco eram apenas 17%. Enfim, Guterres deixa obra que só será reconhecida muito depois, apesar de que é verdade que poderia ter feito muito mais. Mas, mais daquilo que nem o PSD nem Durão sabem sequer o que deveria ser e nunca o afirmaram.

29 de Dezembro de 2001 às 10:39

Alvim ( antonioalvim@netcabo.pt )

No PS agora fala-se em necessidade de mudanças. Mas esta necessidade de mudanças aparece não como uma necssidade de fundo (e aqui apenas Manuel Maria Carrilho tem autoridade para falar)mas como mais uma medida de cosmética eleitoral que continua a marca do Guterrismo.Quanto mais convição o Primeiro Ministro punha nas suas afirmações, quanto mais elas se afirmavam nos seus gestos mais sabíamos que não eram para levar a sério. O que falhou no PS foi a ausência de qualquer pensamento estrutural de fundo.O grande erro foi pensar que governar era apenas gerir.

E os pensamentos de fundo não aparecem de um dia para o outro. O PS precisa, para o bem do País,de tempo para que esse pensamento nasça, cresça e se consolide.

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