Marcelismos

02-11-2000
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Marcelismos

DO MARCELISMO AO FIM DO IMPÉRIO

Coord.: J.M. Brandão de Brito Ed. Notícias e Círculo Leitores, 1999, 304 págs., 3900$00, 19,45 euros É O PRIMEIRO de três volumes, sob o título genérico de «Revolução e Democracia», consagrados à mais significativa fase da história recente de Portugal, a da revolução do 25 de Abril, suas sequências e próximos antecedentes. A Do Marcelismo ao Fim do Império seguir-se-ão O País em Revolução e Os Caminhos da Democracia. Na sua origem esteve o historiador César Oliveira, entretanto falecido, que em 1997 lançou o projecto de elaboração de um primeiro balanço «já suficientemente distanciado das emoções então vividas, mas não tão longe que alguns dos seus actores não pudessem participar nele», como refere o coordenador da trilogia, J. M. Brandão de Brito.

Marcello Caetano

«História-crónica», ainda nas palavras de Brandão de Brito, não tem «a veleidade de escrever a verdade imutável e definitiva», mas a «grande pretensão» de repor algumas verdades. Acrescente-se que as intervenções dos diversos autores não se circunscrevem ao período revolucionário e que, frequentemente, se desenvolvem por âmbitos temporais bastante mais alargados. Assim, Do Marcelismo ao Fim do Império não se fica pela abordagem do período em que Marcello Caetano sucedeu a Salazar, de 1968 a 1974. Se Fernando Pereira Marques, no capítulo «Sete Noites, Sete Dias», se focaliza nos dias imediatos à revolução, quer Fernando Rosas («O Marcelismo ou a Falência da Política de Transição no Estado Novo»), quer Pezarat Correia («Descolonização»), remontam aos primórdios do regime salazarista. Adriano Moreira («Fronteiras: do Império à União Europeia») ainda vai mais longe no passado - mas trata-se, aqui, de uma intervenção de cunho mais académico, com a marca das escolas tradicionais do Direito e das relações internacionais. Já António José Telo («As Relações Internacionais da Transição»), depois de uma sucinta caracterização da situação nos últimos anos da ditadura, aborda o processo das grandes transformações da política de relações internacionais de Portugal do pós-25 de Abril até aos nossos dias. Não se creia, porém, que estas várias abordagens resultam num conjunto disperso e desencontrado. Pelo contrário, apesar das diferenças dos olhares, acabamos por nos encontrar perante um todo bastante coerente. Claro que tal não significa unanimismo, ou mesmo uma visão consensual dos últimos anos do salazarismo e das causas próximas da sua perda. Assim como (apesar do notável capítulo de Fernando Rosas) podemos continuar a interrogarmo-nos sobre se, de facto, chegou a existir algo a que se possa chamar «marcelismo», ou se não terá antes havido vários «marcelismos», consoante as várias fases do relacionamento de Marcello com Salazar ou segundo as expectativas que nele depositaram várias gerações de seguidores - sem esquecer as expectativas criadas junto das próprias oposições ao regime. Sobre esta questão, destacam-se dois capítulos: «Descolonização», de Pezarat Correia, e «O Marcelismo ou a Falência Política de Transição do Estado Novo», de Fernando Rosas. Para este último, o «marcelismo» foi mesmo um facto, a expressão real de um «triunfo tardio de uma corrente reformista dentro do Estado Novo, surgida no rescaldo da II Guerra Mundial», que chegaria ao poder em 1968. Em apoio da sua tese, F. Rosas traça o percurso de Marcello Caetano desde que este «começa a construir um discurso crítico claro e sistemático» e a demarcar-se discretamente de certas orientações do regime, até à chegada ao poder - mas, também, o fracasso da transição política do regime, a partir de dentro. Para tal, terá havido muitas razões, entre as quais Rosas destaca esta: «Em certo sentido, no sentido ideológico mais profundo, o salazarismo havia sido inexoravelmente eficaz: tolhera mortalmente o regime para se mudar a si próprio. E, com isso, com a mesma inexorabilidade, o condenara.» n JOSÉ GABRIEL VIEGAS

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DO MARCELISMO AO FIM DO IMPÉRIO

Coord.: J.M. Brandão de Brito Ed. Notícias e Círculo Leitores, 1999, 304 págs., 3900$00, 19,45 euros É O PRIMEIRO de três volumes, sob o título genérico de «Revolução e Democracia», consagrados à mais significativa fase da história recente de Portugal, a da revolução do 25 de Abril, suas sequências e próximos antecedentes. A Do Marcelismo ao Fim do Império seguir-se-ão O País em Revolução e Os Caminhos da Democracia. Na sua origem esteve o historiador César Oliveira, entretanto falecido, que em 1997 lançou o projecto de elaboração de um primeiro balanço «já suficientemente distanciado das emoções então vividas, mas não tão longe que alguns dos seus actores não pudessem participar nele», como refere o coordenador da trilogia, J. M. Brandão de Brito.

Marcello Caetano

«História-crónica», ainda nas palavras de Brandão de Brito, não tem «a veleidade de escrever a verdade imutável e definitiva», mas a «grande pretensão» de repor algumas verdades. Acrescente-se que as intervenções dos diversos autores não se circunscrevem ao período revolucionário e que, frequentemente, se desenvolvem por âmbitos temporais bastante mais alargados. Assim, Do Marcelismo ao Fim do Império não se fica pela abordagem do período em que Marcello Caetano sucedeu a Salazar, de 1968 a 1974. Se Fernando Pereira Marques, no capítulo «Sete Noites, Sete Dias», se focaliza nos dias imediatos à revolução, quer Fernando Rosas («O Marcelismo ou a Falência da Política de Transição no Estado Novo»), quer Pezarat Correia («Descolonização»), remontam aos primórdios do regime salazarista. Adriano Moreira («Fronteiras: do Império à União Europeia») ainda vai mais longe no passado - mas trata-se, aqui, de uma intervenção de cunho mais académico, com a marca das escolas tradicionais do Direito e das relações internacionais. Já António José Telo («As Relações Internacionais da Transição»), depois de uma sucinta caracterização da situação nos últimos anos da ditadura, aborda o processo das grandes transformações da política de relações internacionais de Portugal do pós-25 de Abril até aos nossos dias. Não se creia, porém, que estas várias abordagens resultam num conjunto disperso e desencontrado. Pelo contrário, apesar das diferenças dos olhares, acabamos por nos encontrar perante um todo bastante coerente. Claro que tal não significa unanimismo, ou mesmo uma visão consensual dos últimos anos do salazarismo e das causas próximas da sua perda. Assim como (apesar do notável capítulo de Fernando Rosas) podemos continuar a interrogarmo-nos sobre se, de facto, chegou a existir algo a que se possa chamar «marcelismo», ou se não terá antes havido vários «marcelismos», consoante as várias fases do relacionamento de Marcello com Salazar ou segundo as expectativas que nele depositaram várias gerações de seguidores - sem esquecer as expectativas criadas junto das próprias oposições ao regime. Sobre esta questão, destacam-se dois capítulos: «Descolonização», de Pezarat Correia, e «O Marcelismo ou a Falência Política de Transição do Estado Novo», de Fernando Rosas. Para este último, o «marcelismo» foi mesmo um facto, a expressão real de um «triunfo tardio de uma corrente reformista dentro do Estado Novo, surgida no rescaldo da II Guerra Mundial», que chegaria ao poder em 1968. Em apoio da sua tese, F. Rosas traça o percurso de Marcello Caetano desde que este «começa a construir um discurso crítico claro e sistemático» e a demarcar-se discretamente de certas orientações do regime, até à chegada ao poder - mas, também, o fracasso da transição política do regime, a partir de dentro. Para tal, terá havido muitas razões, entre as quais Rosas destaca esta: «Em certo sentido, no sentido ideológico mais profundo, o salazarismo havia sido inexoravelmente eficaz: tolhera mortalmente o regime para se mudar a si próprio. E, com isso, com a mesma inexorabilidade, o condenara.» n JOSÉ GABRIEL VIEGAS

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