A acelerar desde 1931

18-06-2001
marcar artigo

A Acelerar Desde 1931

Segunda-feira, 18 de Junho de 2001

Dia 4 de Setembro de 1931, semanário "Democrático": em meia dúzia de parágrafos, o "broadsheet" de Vila do Conde elogiava de cima a baixo a Comissão Local de Iniciativa de Turismo, que na altura se desdobrava em esforços para colocar a localidade "entre as praias mais elegantes de Portugal". Da graça faziam parte um torneio de ténis no "magnífico" campo de jogos, um baile de gala em honra das colónias balneares no "soberbo" casino, uma "importante" festa náutica, e um "deslumbrante" festival nocturno "com iluminações surpreendentes" e fogos de artifício fornecidos pelos "distintos" pirotécnicos de Viana do Castelo e Agra.

Para o dia 27 estava, no entanto, reservado o melhor da festa. Um pequeno subtítulo faz uma curta referência às "valiosas e artísticas taças" e a um "prémio de subido valor" que estaria em jogo entre o meio automobilista, no mesmo dia em que os salões do Casino recebiam um interessante concurso de elegância "entre as senhoras da distinta colónia balnear".

Estava dado o arranque de uma prova que nunca chegou a ter segunda edição, mas que pode considerar-se a corrida precursora do actual modelo de Vila do Conde. A temporada de 1931 foi, aliás, fértil em circuitos: depois de Vila Real, Campo Grande, Covilhã e Boavista coube a honra a Vila do Conde, onde, mais tarde, o desporto automóvel viria a assentar arraiais. Estimulada pelo êxito obtido com o "Rallye" que organizara em 1929 - 2600 quilómetros de prova de estrada com vitória de Eduardo Porto -, Vila do Conde decidiu realizar uma prova de velocidade, baptizada "Circuito do Ave", por se desenvolver à beira do rio que banha a localidade.

Durante alguns números do "Democrático" não se falou doutra coisa. Nem mesmo o facto de o boticário Francisco Laranjeira, gerente da farmácia Ramos, de Azurara, ter estado "incomodado de saúde, com a gripe" conseguia arrancar o garboso acontecimento social da primeira página do semanário.

"Reina o maior entusiasmo entre os meios automobilistas. Consta-nos que a inscrição é bastante numerosa e que vai tornar mais interessante essas provas. O trajecto da corrida está a ser, desde há dias, convenientemente reparado, não se poupando a Câmara Municipal a despesas". A prova, cuja organização era secundada pela Câmara Municipal e pelo Automóvel Clube de Portugal (ACP), rasgaria o seguinte trajecto: Avenida Bento de Freitas, rua António Andrade, avenidas Eduardo José Coelho, Sacadura Cabral e Brasil. O perímetro de 1800 metros teria de ser coberto 80 vezes, de forma a totalizar 180 quilómetros - a prova teria de ser cumprida dentro de 150 minutos. E assim foi, apesar do esforço dos concorrentes que procuraram encurtá-lo para 50 voltas, reconhecendo que o estado da estrada não permitiria que o pleno fosse completado sem o manifesto prejuízo de todos os participantes e uma boa dose de desastres. Não se verificaram os acidentes que se receavam, mas, relata Vasco Callixto no livro "Primeiro Arranque", "a pista ficou descarnada e muita gente ficou com a boca seca, devido à poeira".

Foram 13 os pilotos que pagaram 50 escudos pela inscrição do automóvel numa prova única com partida em conjunto dos "melhores volantes". Quatro desistiram por avaria, para júbilo dos irmãos Sameiro, que conseguiram os dois mais altos lugares do pódio: o Alfa Romeo de Roberto cortou a meta em primeiro (2h04m42 a uma média de 72.209 Km/h), o Ford de Gaspar chegou pouco depois, num dos momentos altos da tarde. O outro, conta-se, foi arrebatador. O concurso de elegância, com júri feminino, premiou um Lancia e um Packard (categoria carros abertos) e um Cord e um Packard (carros fechados).

Em Janeiro de 1951, já constavam "retoques" e "melhoramentos" no traçado, e no dia 29 de Setembro, a 20 anos da edição "Circuito do Ave", o semanário vilacondense "Renovação" transcrevia um excerto de "O Comércio do Porto" que dava conta da recuperação definitiva do traçado, impulsionada por Bento Amorim. O domingo amanheceu animador, apesar do "tempo sombrio, áspero e chuvoso" da noite anterior; o piso apresentava-se "rigorosamente cuidado"; dos 12 pilotos, "três faltaram por motivos justificados". Destacou-se Casimiro de Oliveira: "A média geral, bastante superior a 100 quilómetros horários, e a volta mais rápida, a 116, são a mais eloquente demonstração do seu valor e das possibilidades oferecidas pelo circuito".

Um saco fundo de plástico preto continua a proteger boa parte das memórias de um circuito que tem as bandeiradas contadas. Entre elásticos roídos e envelopes amarelados sobrevivem fotografias intemporais, instantes a preto e branco comentados entre sorrisos rasgados e suspiros melancólicos por meia dúzia de seccionistas do automobilismo do Estrela e Vigorosa Sport, clube da cidade do Porto que assumiu a organização do evento no início da década de 60. Aí, através do pesar dos olhares, percebe-se que, mais cedo ou mais tarde, a curva da Seca (do bacalhau) vai mesmo passar a ser uma elegante marina, a recta da meta - Avenida Brasil - transformada pelo arquitecto Siza Vieira no cosmopolita Parque Atlântico, com piscinas, um alameda para peões e bicicletas, e mil e um campos de jogos, e a mítica curva do Praia Azul esfumar-se com a demolição do restaurante que dá nome ao troço. Com ou sem programa Polis...

Nas vésperas do circuito da despedida tudo é recuperado: os acidentes, as glórias, as histórias. Jorge Castro, por exemplo, recorda aflito a sua relação aziaga com a curva do Praia Azul. Primeiro, foi o "aparatoso" desastre de António Ruão numa das inúmeras antepenúltimas voltas a que assistiu enquanto comissário de pista: "Arriscou travar mais tarde e, com um ligeiro toque, o seu Mini voou até se abraçar a um poste que ficava na zona onde hoje é a casa do ex-presidente da Câmara do Porto, Fernando Gomes". Anos mais tarde, na sua estreia a chefe do posto do Praia Azul, "o depósito do Porsche de Carlos Sá rebentou, Gabriel Barros reduziu e a faísca do ''rater'' incendiou a gasolina que se espalhava pela pista".

Entretanto, Rui Silva e Manuel Flórido reviravam os autênticos baralhos de recordações, apontando marcas, pilotos e até registos publicitários perdidos no tempo. Entre as nobres galas de entrega de troféus, espreitam os dramáticos despistes que tiraram a vida a Luís Fernandes - antes da curva da Seca, desfez o Fórmula num meco de granito e caiu no rio - e a Reis Tomás - foi colhido na recta da meta no meio de uma embrulhada, depois de um choque aparatoso. Os "anos" de Lima Lobo ao serviço da prova revelam mesmo as tragédias em duas rodas, variante abolida dadas as implicações de segurança. Lembra a queda fortuíta de um piloto que partiu a perna "por se ter agarrado demasiado à mota" e que acabaria por sofrer um ataque cardíaco a caminho do hospital.

Longe vão os tempos em que as entradas custavam 2$50 (peão) e 10$00 (bancada), em que os pilotos chegavam a parar para alertar os espectadores mais inconscientes, ou em que a comissão organizadora não se responsabilizava pelas "consequências do estacionamento nos passeios e assistência às provas em janelas baixas, nos possíveis acidentes". Para trás ficam ainda os descampados na costa reutilizados ao bom estilo "Woodstock" por centenas de campistas ou o folclore dos "aceleras". Que o diga Ni Amorim, que à sexta-feira já assistia às "primeiras capotadelas". No sábado, conta, "era a destruição total". Estreou-se aos 19 anos (idade mínima) e venceu em 1986. "Foi a primeira vitória da minha vida. Foi uma sensação estranha. Normalmente acompanhava a prova nas bancadas, mas estava dentro da arena, estava dentro do espectáculo", conta Ni Amorim, que também fez uma perninha nos ralis pirata em Famalicão e na Trofa quando não tinha carta de condução. "Usava carros alugados da Avis", confessa.

Pedro Matos Chaves, que também passou pelo topo do pódio, repesca o momento em que a carrinha da padaria da Azurara traçava uns peões e aquela vez em que viu capotar um Fiat 600 de onde sairam o condutor, a mulher, a sogra e um bebé de um ano. "Era um fim-de-semana de corridas. Os pilotos do autódromo do Estoril sabiam o nome dos espectadores, em Vila do Conde o público é que sabia o nome dos pilotos".

De facto, duas coisas saltavam à vista de quem se iniciava em Vila do Conde: o retorno publicitário e um traçado que não admitia erros. Que o diga Carlos Gaspar, que ainda hoje detém o recorde do circuito arrancado ao volante de um Lola T292 em 1973, ainda antes de implementadas as providenciais "chicanes": "O carro era afinado de uma ponta a outra como um carrinho de relógio". "Aquilo era circo. E nós eramos gladiadores", sublinha "Nicha" Cabral, outro dos inconformados com a extinção do último traçado citadino: "Vivemos num meio míope. Senão, o que dizer de Monte Carlo, Detroit ou Macau?" Política à parte, Fernando Sobral, presidente da Associação de Desporto Automóvel de Vila do Conde, deixa claro que o circuito é o "cartaz turístico da cidade".

Para outros, é um autêntico filme de acção. Carlos Meira, por exemplo, nada fica a dever a Jean Reno. Acomodado ao volante do "safety-car", o sósia do actor francês teria certamente peripécias suficientes para um argumento de Luc Besson. Numa conversa aos solavancos, o piloto do BMW M3 apresenta-se como "os olhos do director de prova". Mas é bem mais do que isso. Trata-se de uma espécie de cavaleiro andante do circuito: intrépido e temerário. Uma verdadeira fonte de bizarrias. Esteve bem no meio do "cogumelo atómico" provocado pela explosão do Porsche de Carlos Sá: saltou o anel de fogo e, no rescaldo, um bombeiro despejou-lhe na cara um extintor. "Pensava que eu era o piloto", conta ao lado do inseparável médico de prova, o doutor Francisco Lobo, que, com as pressas chegou a usar, a par, o estetoscópio e o capacete... Melhor, só mesmo aquela ocasião em que foram chamados a socorrer "uma espectadora com graves hemorragias". No dia seguinte, o Jornal de Notícias noticiava: "Menina foi mulher pela primeira vez".

A Acelerar Desde 1931

Segunda-feira, 18 de Junho de 2001

Dia 4 de Setembro de 1931, semanário "Democrático": em meia dúzia de parágrafos, o "broadsheet" de Vila do Conde elogiava de cima a baixo a Comissão Local de Iniciativa de Turismo, que na altura se desdobrava em esforços para colocar a localidade "entre as praias mais elegantes de Portugal". Da graça faziam parte um torneio de ténis no "magnífico" campo de jogos, um baile de gala em honra das colónias balneares no "soberbo" casino, uma "importante" festa náutica, e um "deslumbrante" festival nocturno "com iluminações surpreendentes" e fogos de artifício fornecidos pelos "distintos" pirotécnicos de Viana do Castelo e Agra.

Para o dia 27 estava, no entanto, reservado o melhor da festa. Um pequeno subtítulo faz uma curta referência às "valiosas e artísticas taças" e a um "prémio de subido valor" que estaria em jogo entre o meio automobilista, no mesmo dia em que os salões do Casino recebiam um interessante concurso de elegância "entre as senhoras da distinta colónia balnear".

Estava dado o arranque de uma prova que nunca chegou a ter segunda edição, mas que pode considerar-se a corrida precursora do actual modelo de Vila do Conde. A temporada de 1931 foi, aliás, fértil em circuitos: depois de Vila Real, Campo Grande, Covilhã e Boavista coube a honra a Vila do Conde, onde, mais tarde, o desporto automóvel viria a assentar arraiais. Estimulada pelo êxito obtido com o "Rallye" que organizara em 1929 - 2600 quilómetros de prova de estrada com vitória de Eduardo Porto -, Vila do Conde decidiu realizar uma prova de velocidade, baptizada "Circuito do Ave", por se desenvolver à beira do rio que banha a localidade.

Durante alguns números do "Democrático" não se falou doutra coisa. Nem mesmo o facto de o boticário Francisco Laranjeira, gerente da farmácia Ramos, de Azurara, ter estado "incomodado de saúde, com a gripe" conseguia arrancar o garboso acontecimento social da primeira página do semanário.

"Reina o maior entusiasmo entre os meios automobilistas. Consta-nos que a inscrição é bastante numerosa e que vai tornar mais interessante essas provas. O trajecto da corrida está a ser, desde há dias, convenientemente reparado, não se poupando a Câmara Municipal a despesas". A prova, cuja organização era secundada pela Câmara Municipal e pelo Automóvel Clube de Portugal (ACP), rasgaria o seguinte trajecto: Avenida Bento de Freitas, rua António Andrade, avenidas Eduardo José Coelho, Sacadura Cabral e Brasil. O perímetro de 1800 metros teria de ser coberto 80 vezes, de forma a totalizar 180 quilómetros - a prova teria de ser cumprida dentro de 150 minutos. E assim foi, apesar do esforço dos concorrentes que procuraram encurtá-lo para 50 voltas, reconhecendo que o estado da estrada não permitiria que o pleno fosse completado sem o manifesto prejuízo de todos os participantes e uma boa dose de desastres. Não se verificaram os acidentes que se receavam, mas, relata Vasco Callixto no livro "Primeiro Arranque", "a pista ficou descarnada e muita gente ficou com a boca seca, devido à poeira".

Foram 13 os pilotos que pagaram 50 escudos pela inscrição do automóvel numa prova única com partida em conjunto dos "melhores volantes". Quatro desistiram por avaria, para júbilo dos irmãos Sameiro, que conseguiram os dois mais altos lugares do pódio: o Alfa Romeo de Roberto cortou a meta em primeiro (2h04m42 a uma média de 72.209 Km/h), o Ford de Gaspar chegou pouco depois, num dos momentos altos da tarde. O outro, conta-se, foi arrebatador. O concurso de elegância, com júri feminino, premiou um Lancia e um Packard (categoria carros abertos) e um Cord e um Packard (carros fechados).

Em Janeiro de 1951, já constavam "retoques" e "melhoramentos" no traçado, e no dia 29 de Setembro, a 20 anos da edição "Circuito do Ave", o semanário vilacondense "Renovação" transcrevia um excerto de "O Comércio do Porto" que dava conta da recuperação definitiva do traçado, impulsionada por Bento Amorim. O domingo amanheceu animador, apesar do "tempo sombrio, áspero e chuvoso" da noite anterior; o piso apresentava-se "rigorosamente cuidado"; dos 12 pilotos, "três faltaram por motivos justificados". Destacou-se Casimiro de Oliveira: "A média geral, bastante superior a 100 quilómetros horários, e a volta mais rápida, a 116, são a mais eloquente demonstração do seu valor e das possibilidades oferecidas pelo circuito".

Um saco fundo de plástico preto continua a proteger boa parte das memórias de um circuito que tem as bandeiradas contadas. Entre elásticos roídos e envelopes amarelados sobrevivem fotografias intemporais, instantes a preto e branco comentados entre sorrisos rasgados e suspiros melancólicos por meia dúzia de seccionistas do automobilismo do Estrela e Vigorosa Sport, clube da cidade do Porto que assumiu a organização do evento no início da década de 60. Aí, através do pesar dos olhares, percebe-se que, mais cedo ou mais tarde, a curva da Seca (do bacalhau) vai mesmo passar a ser uma elegante marina, a recta da meta - Avenida Brasil - transformada pelo arquitecto Siza Vieira no cosmopolita Parque Atlântico, com piscinas, um alameda para peões e bicicletas, e mil e um campos de jogos, e a mítica curva do Praia Azul esfumar-se com a demolição do restaurante que dá nome ao troço. Com ou sem programa Polis...

Nas vésperas do circuito da despedida tudo é recuperado: os acidentes, as glórias, as histórias. Jorge Castro, por exemplo, recorda aflito a sua relação aziaga com a curva do Praia Azul. Primeiro, foi o "aparatoso" desastre de António Ruão numa das inúmeras antepenúltimas voltas a que assistiu enquanto comissário de pista: "Arriscou travar mais tarde e, com um ligeiro toque, o seu Mini voou até se abraçar a um poste que ficava na zona onde hoje é a casa do ex-presidente da Câmara do Porto, Fernando Gomes". Anos mais tarde, na sua estreia a chefe do posto do Praia Azul, "o depósito do Porsche de Carlos Sá rebentou, Gabriel Barros reduziu e a faísca do ''rater'' incendiou a gasolina que se espalhava pela pista".

Entretanto, Rui Silva e Manuel Flórido reviravam os autênticos baralhos de recordações, apontando marcas, pilotos e até registos publicitários perdidos no tempo. Entre as nobres galas de entrega de troféus, espreitam os dramáticos despistes que tiraram a vida a Luís Fernandes - antes da curva da Seca, desfez o Fórmula num meco de granito e caiu no rio - e a Reis Tomás - foi colhido na recta da meta no meio de uma embrulhada, depois de um choque aparatoso. Os "anos" de Lima Lobo ao serviço da prova revelam mesmo as tragédias em duas rodas, variante abolida dadas as implicações de segurança. Lembra a queda fortuíta de um piloto que partiu a perna "por se ter agarrado demasiado à mota" e que acabaria por sofrer um ataque cardíaco a caminho do hospital.

Longe vão os tempos em que as entradas custavam 2$50 (peão) e 10$00 (bancada), em que os pilotos chegavam a parar para alertar os espectadores mais inconscientes, ou em que a comissão organizadora não se responsabilizava pelas "consequências do estacionamento nos passeios e assistência às provas em janelas baixas, nos possíveis acidentes". Para trás ficam ainda os descampados na costa reutilizados ao bom estilo "Woodstock" por centenas de campistas ou o folclore dos "aceleras". Que o diga Ni Amorim, que à sexta-feira já assistia às "primeiras capotadelas". No sábado, conta, "era a destruição total". Estreou-se aos 19 anos (idade mínima) e venceu em 1986. "Foi a primeira vitória da minha vida. Foi uma sensação estranha. Normalmente acompanhava a prova nas bancadas, mas estava dentro da arena, estava dentro do espectáculo", conta Ni Amorim, que também fez uma perninha nos ralis pirata em Famalicão e na Trofa quando não tinha carta de condução. "Usava carros alugados da Avis", confessa.

Pedro Matos Chaves, que também passou pelo topo do pódio, repesca o momento em que a carrinha da padaria da Azurara traçava uns peões e aquela vez em que viu capotar um Fiat 600 de onde sairam o condutor, a mulher, a sogra e um bebé de um ano. "Era um fim-de-semana de corridas. Os pilotos do autódromo do Estoril sabiam o nome dos espectadores, em Vila do Conde o público é que sabia o nome dos pilotos".

De facto, duas coisas saltavam à vista de quem se iniciava em Vila do Conde: o retorno publicitário e um traçado que não admitia erros. Que o diga Carlos Gaspar, que ainda hoje detém o recorde do circuito arrancado ao volante de um Lola T292 em 1973, ainda antes de implementadas as providenciais "chicanes": "O carro era afinado de uma ponta a outra como um carrinho de relógio". "Aquilo era circo. E nós eramos gladiadores", sublinha "Nicha" Cabral, outro dos inconformados com a extinção do último traçado citadino: "Vivemos num meio míope. Senão, o que dizer de Monte Carlo, Detroit ou Macau?" Política à parte, Fernando Sobral, presidente da Associação de Desporto Automóvel de Vila do Conde, deixa claro que o circuito é o "cartaz turístico da cidade".

Para outros, é um autêntico filme de acção. Carlos Meira, por exemplo, nada fica a dever a Jean Reno. Acomodado ao volante do "safety-car", o sósia do actor francês teria certamente peripécias suficientes para um argumento de Luc Besson. Numa conversa aos solavancos, o piloto do BMW M3 apresenta-se como "os olhos do director de prova". Mas é bem mais do que isso. Trata-se de uma espécie de cavaleiro andante do circuito: intrépido e temerário. Uma verdadeira fonte de bizarrias. Esteve bem no meio do "cogumelo atómico" provocado pela explosão do Porsche de Carlos Sá: saltou o anel de fogo e, no rescaldo, um bombeiro despejou-lhe na cara um extintor. "Pensava que eu era o piloto", conta ao lado do inseparável médico de prova, o doutor Francisco Lobo, que, com as pressas chegou a usar, a par, o estetoscópio e o capacete... Melhor, só mesmo aquela ocasião em que foram chamados a socorrer "uma espectadora com graves hemorragias". No dia seguinte, o Jornal de Notícias noticiava: "Menina foi mulher pela primeira vez".

marcar artigo