EXPRESSO: Cartaz

23-03-2002
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Juventude e Descobrimentos Três ensaios sobre a utilização do passado marítimo junto dos jovens, do liberalismo ao salazarismo OS DESCOBRIMENTOS NO IMAGINÁRIO JUVENIL de Maria Cândida Proença, Luís Vidigal, Fernando Costa (Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 222 págs., 3780$00, 18,85 euros) José Gabriel Viegas

Liberais, republicanos, salazaristas: ao longo de aproximadamente cem anos, de meados de novecentos até à década de cinquenta do século XX, todos recorreram a visões heróicas do passado dos portugueses, sobretudo do passado marítimo, em apoio da formação dos seus novos corpos ideológicos. Um dos alvos principais dessa preocupação foram as crianças e os jovens, através dos programas escolares, da literatura infanto-juvenil e das associações e organizações de juventude. Liberais, republicanos, salazaristas: ao longo de aproximadamente cem anos, de meados de novecentos até à década de cinquenta do século XX, todos recorreram a visões heróicas do passado dos portugueses, sobretudo do passado marítimo, em apoio da formação dos seus novos corpos ideológicos. Um dos alvos principais dessa preocupação foram as crianças e os jovens, através dos programas escolares, da literatura infanto-juvenil e das associações e organizações de juventude. É disso que trata Os Descobrimentos no Imaginário Juvenil (1850-1950), um conjunto de três interessantes estudos de Maria Cândido Proença («A Escola e os Descobrimentos»), Luís Vidigal («A Expansão contada às Crianças») e Fernando Costa («As Associações e Organizações de Juventude»), editado no ano passado pela Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses. De modo geral, os autores salientam que a continuidade, tanto do discurso escolar durante Monarquia liberal, República e Estado Novo, como das ideias centrais veiculadas pela literatura infantil e juvenil, é bem mais aparente do que real. Tal como escreve Maria Cândida Proença, de uma visão que «admitia uma memória plural e multifacetada, transmitida nas escolas do constitucionalismo monárquico e da República, evoluiu-se para uma orientação unívoca e autoritária, formadora de uma consciência nacional que aliava ao exclusivismo ideológico o radicalismo nacionalista e patriótico, característica do sistema escolar do Estado Novo». Cartaz alusivo ao 28 de Maio ligando as Descobertas à Legião e Mocidade Portuguesa O mesmo sucede com a literatura «infanto-juvenil». Autores do princípio do século XX, como Ana de Castro Osório ou, mesmo, Maria Archer, defendendo embora a expansão colonial e apesar da sua visão «darwinista» das «etapas de civilização», têm uma visão laicizada e distanciada sobre as diversidades culturais. O mesmo deixará mais tarde de suceder, com autores como Olavo d'Eça Leal ou António Figueirinhas. Como salienta Luís Vidigal, «com o Estado Novo o laicismo perde espaço de afirmação, a tolerância e respeito pelo 'bom selvagem' perdem-se gradualmente e serão vulgarizados pelas imagens que associam 'primitivo' a brutalidade, violência, falta de respeito». O mesmo sucede com a literatura «infanto-juvenil». Autores do princípio do século XX, como Ana de Castro Osório ou, mesmo, Maria Archer, defendendo embora a expansão colonial e apesar da sua visão «darwinista» das «etapas de civilização», têm uma visão laicizada e distanciada sobre as diversidades culturais. O mesmo deixará mais tarde de suceder, com autores como Olavo d'Eça Leal ou António Figueirinhas. Como salienta Luís Vidigal, «com o Estado Novo o laicismo perde espaço de afirmação, a tolerância e respeito pelo 'bom selvagem' perdem-se gradualmente e serão vulgarizados pelas imagens que associam 'primitivo' a brutalidade, violência, falta de respeito». O terceiro ensaio, «As Associações e Organizações de Juventude», de Fernando Costa, analisa a apropriação de várias figuras modelares (num âmbito mais vasto que o dos Descobrimentos), na criação das bases teóricas da «formação integral da juventude», tal como a concebeu o seu principal ideólogo, Marcelo Caetano. Ultrapassando largamente o âmbito da mitificação dos Descobrimentos junto dos jovens, é, na sua brevidade, um excelente estudo sobre um dos vectores mais importantes da formação do corpo ideológico do salazarismo. 5

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Juventude e Descobrimentos Três ensaios sobre a utilização do passado marítimo junto dos jovens, do liberalismo ao salazarismo OS DESCOBRIMENTOS NO IMAGINÁRIO JUVENIL de Maria Cândida Proença, Luís Vidigal, Fernando Costa (Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 222 págs., 3780$00, 18,85 euros) José Gabriel Viegas

Liberais, republicanos, salazaristas: ao longo de aproximadamente cem anos, de meados de novecentos até à década de cinquenta do século XX, todos recorreram a visões heróicas do passado dos portugueses, sobretudo do passado marítimo, em apoio da formação dos seus novos corpos ideológicos. Um dos alvos principais dessa preocupação foram as crianças e os jovens, através dos programas escolares, da literatura infanto-juvenil e das associações e organizações de juventude. Liberais, republicanos, salazaristas: ao longo de aproximadamente cem anos, de meados de novecentos até à década de cinquenta do século XX, todos recorreram a visões heróicas do passado dos portugueses, sobretudo do passado marítimo, em apoio da formação dos seus novos corpos ideológicos. Um dos alvos principais dessa preocupação foram as crianças e os jovens, através dos programas escolares, da literatura infanto-juvenil e das associações e organizações de juventude. É disso que trata Os Descobrimentos no Imaginário Juvenil (1850-1950), um conjunto de três interessantes estudos de Maria Cândido Proença («A Escola e os Descobrimentos»), Luís Vidigal («A Expansão contada às Crianças») e Fernando Costa («As Associações e Organizações de Juventude»), editado no ano passado pela Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses. De modo geral, os autores salientam que a continuidade, tanto do discurso escolar durante Monarquia liberal, República e Estado Novo, como das ideias centrais veiculadas pela literatura infantil e juvenil, é bem mais aparente do que real. Tal como escreve Maria Cândida Proença, de uma visão que «admitia uma memória plural e multifacetada, transmitida nas escolas do constitucionalismo monárquico e da República, evoluiu-se para uma orientação unívoca e autoritária, formadora de uma consciência nacional que aliava ao exclusivismo ideológico o radicalismo nacionalista e patriótico, característica do sistema escolar do Estado Novo». Cartaz alusivo ao 28 de Maio ligando as Descobertas à Legião e Mocidade Portuguesa O mesmo sucede com a literatura «infanto-juvenil». Autores do princípio do século XX, como Ana de Castro Osório ou, mesmo, Maria Archer, defendendo embora a expansão colonial e apesar da sua visão «darwinista» das «etapas de civilização», têm uma visão laicizada e distanciada sobre as diversidades culturais. O mesmo deixará mais tarde de suceder, com autores como Olavo d'Eça Leal ou António Figueirinhas. Como salienta Luís Vidigal, «com o Estado Novo o laicismo perde espaço de afirmação, a tolerância e respeito pelo 'bom selvagem' perdem-se gradualmente e serão vulgarizados pelas imagens que associam 'primitivo' a brutalidade, violência, falta de respeito». O mesmo sucede com a literatura «infanto-juvenil». Autores do princípio do século XX, como Ana de Castro Osório ou, mesmo, Maria Archer, defendendo embora a expansão colonial e apesar da sua visão «darwinista» das «etapas de civilização», têm uma visão laicizada e distanciada sobre as diversidades culturais. O mesmo deixará mais tarde de suceder, com autores como Olavo d'Eça Leal ou António Figueirinhas. Como salienta Luís Vidigal, «com o Estado Novo o laicismo perde espaço de afirmação, a tolerância e respeito pelo 'bom selvagem' perdem-se gradualmente e serão vulgarizados pelas imagens que associam 'primitivo' a brutalidade, violência, falta de respeito». O terceiro ensaio, «As Associações e Organizações de Juventude», de Fernando Costa, analisa a apropriação de várias figuras modelares (num âmbito mais vasto que o dos Descobrimentos), na criação das bases teóricas da «formação integral da juventude», tal como a concebeu o seu principal ideólogo, Marcelo Caetano. Ultrapassando largamente o âmbito da mitificação dos Descobrimentos junto dos jovens, é, na sua brevidade, um excelente estudo sobre um dos vectores mais importantes da formação do corpo ideológico do salazarismo. 5

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