O polvo, a aranha e a lula

12-03-2001
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O Polvo, a Aranha e a Lula

Por EDUARDO PRADO COELHO

Quinta-feira, 7 de Dezembro de 2000

Ninguém o conhecia, e não vinha daí nenhum mal ao mundo. Mas um dia Feliciano Barreiras Duarte, escolhido certamente pelas suas capacidades discursivas para porta-voz de Ferreira do Amaral (que é melhor a fazer obras do que a falar de política), resolveu dar sinal ao país de que existia e teve uma frase que marca uma campanha eleitoral: descobriu que Jorge Sampaio era "a cabeça do polvo socialista". Alguns, mais duros de ouvido, terão pensado que ele falava no "povo socialista", retomando uma velha fórmula que seria "o povo de esquerda" (e que sugere vagamente que "povo de esquerda" seria uma espécie de tautologia, na medida em que o povo é a esquerda, e que "o povo de direita" seria uma contradição nos termos, isto é, uma oximoro). Mas não era o "povo", palavra que certamente queimaria os lábios de Feliciano, mas, sim, o polvo.

Dias depois esclareceu-nos que havia falado em polvo, sim, mas poderia ter falado em aranha ou lula. Pretendeu deste modo convencer-nos que as metáforas são inocentes, e que neste caso o essencial era que o animal em questão se multiplicasse em braços ou filamentos. Mas a verdade é que não se pode ignorar as conotações, isto é, aquele halo de alusões partilhadas por uma cultura com que as palavras se envolvem para se nos proporem na sua dimensão mais emocional. Diga-se o que se disser, o polvo não tem uma boa imagem mediática.

Como aliás explicou excelentemente Clara Ferreira Alves nas páginas do "Expresso", o polvo está associado à Mafia, e houve mesmo uma inesquecível série de séries televisivas italianas que utilizaram esta imagem para retratar as formas de violência e corrupção que dominam a Sicília. Promovido a cabeça, Jorge Sampaio emerge claramente como "o Padrinho" - uma espécie de génio do Mal capaz de defender o clã à custa dos crimes mais hediondos. Pense-se o que se pensar de Jorge Sampaio, a imagem não lhe assenta bem.

Resta a lula, o que no Brasil até poderia ser simpático, mas em Portugal não tem nem grandeza nem perigo: é uma imagem mixuruca, levemente efeminada pela sucessão dos "L" a ensanduicharem um "U" mais do que aflito.

E por fim a aranha, que ganhou nobreza cultural recente através do filme que Bertolucci foi buscar a Borges: "A estratégia da aranha". Aqui a inteligência predomina sobre a força (há fios e não tentáculos) e insinua-se que os comportamentos supostamente livres dos adversários seriam secretamente manipulados. O pior é que toda a gente reconhece que os disparates dos nossos políticos se fizeram em plena liberdade e consciência - e que o máximo de que se poderia acusar Jorge Sampaio seria de alguma permissividade em relação a eles.

Donde, continuando no reino zoológico, só podemos dizer que Barreiras Duarte teve uma metáfora manifestamente jerica. Em compensação, duas semanas de inesquecível glória. Aproveite-as bem.

O Polvo, a Aranha e a Lula

Por EDUARDO PRADO COELHO

Quinta-feira, 7 de Dezembro de 2000

Ninguém o conhecia, e não vinha daí nenhum mal ao mundo. Mas um dia Feliciano Barreiras Duarte, escolhido certamente pelas suas capacidades discursivas para porta-voz de Ferreira do Amaral (que é melhor a fazer obras do que a falar de política), resolveu dar sinal ao país de que existia e teve uma frase que marca uma campanha eleitoral: descobriu que Jorge Sampaio era "a cabeça do polvo socialista". Alguns, mais duros de ouvido, terão pensado que ele falava no "povo socialista", retomando uma velha fórmula que seria "o povo de esquerda" (e que sugere vagamente que "povo de esquerda" seria uma espécie de tautologia, na medida em que o povo é a esquerda, e que "o povo de direita" seria uma contradição nos termos, isto é, uma oximoro). Mas não era o "povo", palavra que certamente queimaria os lábios de Feliciano, mas, sim, o polvo.

Dias depois esclareceu-nos que havia falado em polvo, sim, mas poderia ter falado em aranha ou lula. Pretendeu deste modo convencer-nos que as metáforas são inocentes, e que neste caso o essencial era que o animal em questão se multiplicasse em braços ou filamentos. Mas a verdade é que não se pode ignorar as conotações, isto é, aquele halo de alusões partilhadas por uma cultura com que as palavras se envolvem para se nos proporem na sua dimensão mais emocional. Diga-se o que se disser, o polvo não tem uma boa imagem mediática.

Como aliás explicou excelentemente Clara Ferreira Alves nas páginas do "Expresso", o polvo está associado à Mafia, e houve mesmo uma inesquecível série de séries televisivas italianas que utilizaram esta imagem para retratar as formas de violência e corrupção que dominam a Sicília. Promovido a cabeça, Jorge Sampaio emerge claramente como "o Padrinho" - uma espécie de génio do Mal capaz de defender o clã à custa dos crimes mais hediondos. Pense-se o que se pensar de Jorge Sampaio, a imagem não lhe assenta bem.

Resta a lula, o que no Brasil até poderia ser simpático, mas em Portugal não tem nem grandeza nem perigo: é uma imagem mixuruca, levemente efeminada pela sucessão dos "L" a ensanduicharem um "U" mais do que aflito.

E por fim a aranha, que ganhou nobreza cultural recente através do filme que Bertolucci foi buscar a Borges: "A estratégia da aranha". Aqui a inteligência predomina sobre a força (há fios e não tentáculos) e insinua-se que os comportamentos supostamente livres dos adversários seriam secretamente manipulados. O pior é que toda a gente reconhece que os disparates dos nossos políticos se fizeram em plena liberdade e consciência - e que o máximo de que se poderia acusar Jorge Sampaio seria de alguma permissividade em relação a eles.

Donde, continuando no reino zoológico, só podemos dizer que Barreiras Duarte teve uma metáfora manifestamente jerica. Em compensação, duas semanas de inesquecível glória. Aproveite-as bem.

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