EXPRESSO: Opinião

28-02-2002
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PS

As virtudes de Ferro

«É verdade que foi um dos pilares mais firmes das equipas de António Guterres desde o primeiro ao último dia. E se está correcta a leitura que o próprio Guterres fez das autárquicas - a de que os resultados foram um voto contra o Executivo e o partido que o apoia -, a candidatura de Ferro só pode ser penalizada pela sua participação nos governos dos últimos seis anos.»

EDUARDO Ferro Rodrigues é um candidato para perder as próximas eleições legislativas? Como se escreveu aqui na última edição, ao fim de seis anos de Governo socialista, dificilmente os ganhos que possa recolher à esquerda darão para compensar as previsíveis perdas no centro político, onde as eleições costumam decidir-se. Mas daí a considerar-se que, com Ferro candidato, a vitória do PSD são favas contadas, vai uma grande distância.

É certo que o mais do que previsível sucessor de Guterres não tem o carisma de um líder, nem um discurso galvanizador, nem, por agora, um programa político com meia dúzia de ideias fortes que sejam capazes de prender a atenção e de motivar os eleitores. Também é verdade que foi um dos pilares mais firmes das equipas de António Guterres desde o primeiro ao último dia. E se está correcta a leitura que o próprio Guterres fez das autárquicas - a de que os resultados foram um voto contra o Executivo e o partido que o apoia -, a candidatura de Ferro só pode ser penalizada pela sua participação nos governos dos últimos seis anos.

Mas o candidato em si - um homem tranquilo e sério num meio em que estas qualidades assumem uma importância crescente - tem méritos que podem converter-se em trunfos eleitorais suficientemente fortes para ganhar ou, pelo menos, perder por pouco. Sobretudo se se considerar, como também foi opinião geral, que os resultados de há duas semanas reflectiram mais a vontade de punir António Guterres do que premiar Durão Barroso.

Desde logo, Ferro Rodrigues tem colado a si o título de ministro da Solidariedade, uma designação feliz e inovadora para a pasta que ficou associada ao rendimento mínimo, aos aumentos diferenciados das pensões e, em geral, a uma intenção, melhor ou pior concretizada, de mais justiça social. O eleitorado que deu as últimas vitórias ao PS preza e valoriza bastante esta marca distintiva do guterrismo. E se muitos portugueses não sabem exactamente quem a levou à prática, bastará uma semana de campanha para ficarem a sabê-lo.

A candidatura de Ferro tem, por outro lado, a virtude de poder contribuir para um debate de natureza ideológica - algo que a muitos já se afigura antiquado e sem sentido, mas de onde pode vir alguma clarificação política que torne o sistema partidário e a sua relação com a sociedade um pouco mais saudável. Sendo um homem com raízes na esquerda e que nunca as renegou, pode dar um contributo precioso para, através de propostas concretas de Governo, separar as águas entre os dois partidos que alternam no poder em Portugal e que, sobretudo desde que Guterres tomou conta do PS, os eleitores têm dificuldade em distinguir um do outro. Se o maior partido da esquerda retomar a sua posição e identidade, isso ajudará a apartar os irmãos siameses do bloco central responsáveis pelo pântano de que falava o primeiro-ministro na noite em que se demitiu. E dará aos socialistas a possibilidade de colherem o voto útil em toda a esquerda, desde um Bloco enfraquecido a um PCP em acelerado declínio, passando pela abstenção nessa área.

O mais provável é isto não ser suficiente para transformar em vencedor um líder resultante da terceira escolha de um partido que carrega o fardo de uma governação desastrada e assim vai enfrentar eleições. Tudo dependerá, realmente, da opção do tal eleitorado do centro. E talvez a sua tentação mais forte ainda seja a de mergulhar na onda anti-rosa que emergiu destas autárquicas e mudar tudo o que há para mudar, dando a vitória ao PSD. Mas não se deve descartar outra hipótese: a de uma boa parte desses eleitores considerar que o PS já foi suficientemente castigado - ou talvez demais, com a saída de Guterres -, situação em que as virtudes de Ferro podem muito bem converter-se em votos. Não seria a primeira vez que o tradicional jogo de compensações em que os eleitores portugueses são mestres nos trazia alguma surpresa.

PS

As virtudes de Ferro

«É verdade que foi um dos pilares mais firmes das equipas de António Guterres desde o primeiro ao último dia. E se está correcta a leitura que o próprio Guterres fez das autárquicas - a de que os resultados foram um voto contra o Executivo e o partido que o apoia -, a candidatura de Ferro só pode ser penalizada pela sua participação nos governos dos últimos seis anos.»

EDUARDO Ferro Rodrigues é um candidato para perder as próximas eleições legislativas? Como se escreveu aqui na última edição, ao fim de seis anos de Governo socialista, dificilmente os ganhos que possa recolher à esquerda darão para compensar as previsíveis perdas no centro político, onde as eleições costumam decidir-se. Mas daí a considerar-se que, com Ferro candidato, a vitória do PSD são favas contadas, vai uma grande distância.

É certo que o mais do que previsível sucessor de Guterres não tem o carisma de um líder, nem um discurso galvanizador, nem, por agora, um programa político com meia dúzia de ideias fortes que sejam capazes de prender a atenção e de motivar os eleitores. Também é verdade que foi um dos pilares mais firmes das equipas de António Guterres desde o primeiro ao último dia. E se está correcta a leitura que o próprio Guterres fez das autárquicas - a de que os resultados foram um voto contra o Executivo e o partido que o apoia -, a candidatura de Ferro só pode ser penalizada pela sua participação nos governos dos últimos seis anos.

Mas o candidato em si - um homem tranquilo e sério num meio em que estas qualidades assumem uma importância crescente - tem méritos que podem converter-se em trunfos eleitorais suficientemente fortes para ganhar ou, pelo menos, perder por pouco. Sobretudo se se considerar, como também foi opinião geral, que os resultados de há duas semanas reflectiram mais a vontade de punir António Guterres do que premiar Durão Barroso.

Desde logo, Ferro Rodrigues tem colado a si o título de ministro da Solidariedade, uma designação feliz e inovadora para a pasta que ficou associada ao rendimento mínimo, aos aumentos diferenciados das pensões e, em geral, a uma intenção, melhor ou pior concretizada, de mais justiça social. O eleitorado que deu as últimas vitórias ao PS preza e valoriza bastante esta marca distintiva do guterrismo. E se muitos portugueses não sabem exactamente quem a levou à prática, bastará uma semana de campanha para ficarem a sabê-lo.

A candidatura de Ferro tem, por outro lado, a virtude de poder contribuir para um debate de natureza ideológica - algo que a muitos já se afigura antiquado e sem sentido, mas de onde pode vir alguma clarificação política que torne o sistema partidário e a sua relação com a sociedade um pouco mais saudável. Sendo um homem com raízes na esquerda e que nunca as renegou, pode dar um contributo precioso para, através de propostas concretas de Governo, separar as águas entre os dois partidos que alternam no poder em Portugal e que, sobretudo desde que Guterres tomou conta do PS, os eleitores têm dificuldade em distinguir um do outro. Se o maior partido da esquerda retomar a sua posição e identidade, isso ajudará a apartar os irmãos siameses do bloco central responsáveis pelo pântano de que falava o primeiro-ministro na noite em que se demitiu. E dará aos socialistas a possibilidade de colherem o voto útil em toda a esquerda, desde um Bloco enfraquecido a um PCP em acelerado declínio, passando pela abstenção nessa área.

O mais provável é isto não ser suficiente para transformar em vencedor um líder resultante da terceira escolha de um partido que carrega o fardo de uma governação desastrada e assim vai enfrentar eleições. Tudo dependerá, realmente, da opção do tal eleitorado do centro. E talvez a sua tentação mais forte ainda seja a de mergulhar na onda anti-rosa que emergiu destas autárquicas e mudar tudo o que há para mudar, dando a vitória ao PSD. Mas não se deve descartar outra hipótese: a de uma boa parte desses eleitores considerar que o PS já foi suficientemente castigado - ou talvez demais, com a saída de Guterres -, situação em que as virtudes de Ferro podem muito bem converter-se em votos. Não seria a primeira vez que o tradicional jogo de compensações em que os eleitores portugueses são mestres nos trazia alguma surpresa.

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