EXPRESSO: Opinião

22-03-2002
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29/12/2001

OPINIÃO

PS As virtudes de Ferro

«É verdade que foi um dos pilares mais firmes das equipas de António Guterres desde o primeiro ao último dia. E se está correcta a leitura que o próprio Guterres fez das autárquicas - a de que os resultados foram um voto contra o Executivo e o partido que o apoia -, a candidatura de Ferro só pode ser penalizada pela sua participação nos governos dos últimos seis anos.» EDUARDO Ferro Rodrigues é um candidato para perder as próximas eleições legislativas? Como se escreveu aqui na última edição, ao fim de seis anos de Governo socialista, dificilmente os ganhos que possa recolher à esquerda darão para compensar as previsíveis perdas no centro político, onde as eleições costumam decidir-se. Mas daí a considerar-se que, com Ferro candidato, a vitória do PSD são favas contadas, vai uma grande distância. É certo que o mais do que previsível sucessor de Guterres não tem o carisma de um líder, nem um discurso galvanizador, nem, por agora, um programa político com meia dúzia de ideias fortes que sejam capazes de prender a atenção e de motivar os eleitores. Também é verdade que foi um dos pilares mais firmes das equipas de António Guterres desde o primeiro ao último dia. E se está correcta a leitura que o próprio Guterres fez das autárquicas - a de que os resultados foram um voto contra o Executivo e o partido que o apoia -, a candidatura de Ferro só pode ser penalizada pela sua participação nos governos dos últimos seis anos. Mas o candidato em si - um homem tranquilo e sério num meio em que estas qualidades assumem uma importância crescente - tem méritos que podem converter-se em trunfos eleitorais suficientemente fortes para ganhar ou, pelo menos, perder por pouco. Sobretudo se se considerar, como também foi opinião geral, que os resultados de há duas semanas reflectiram mais a vontade de punir António Guterres do que premiar Durão Barroso. Desde logo, Ferro Rodrigues tem colado a si o título de ministro da Solidariedade, uma designação feliz e inovadora para a pasta que ficou associada ao rendimento mínimo, aos aumentos diferenciados das pensões e, em geral, a uma intenção, melhor ou pior concretizada, de mais justiça social. O eleitorado que deu as últimas vitórias ao PS preza e valoriza bastante esta marca distintiva do guterrismo. E se muitos portugueses não sabem exactamente quem a levou à prática, bastará uma semana de campanha para ficarem a sabê-lo. A candidatura de Ferro tem, por outro lado, a virtude de poder contribuir para um debate de natureza ideológica - algo que a muitos já se afigura antiquado e sem sentido, mas de onde pode vir alguma clarificação política que torne o sistema partidário e a sua relação com a sociedade um pouco mais saudável. Sendo um homem com raízes na esquerda e que nunca as renegou, pode dar um contributo precioso para, através de propostas concretas de Governo, separar as águas entre os dois partidos que alternam no poder em Portugal e que, sobretudo desde que Guterres tomou conta do PS, os eleitores têm dificuldade em distinguir um do outro. Se o maior partido da esquerda retomar a sua posição e identidade, isso ajudará a apartar os irmãos siameses do bloco central responsáveis pelo pântano de que falava o primeiro-ministro na noite em que se demitiu. E dará aos socialistas a possibilidade de colherem o voto útil em toda a esquerda, desde um Bloco enfraquecido a um PCP em acelerado declínio, passando pela abstenção nessa área. O mais provável é isto não ser suficiente para transformar em vencedor um líder resultante da terceira escolha de um partido que carrega o fardo de uma governação desastrada e assim vai enfrentar eleições. Tudo dependerá, realmente, da opção do tal eleitorado do centro. E talvez a sua tentação mais forte ainda seja a de mergulhar na onda anti-rosa que emergiu destas autárquicas e mudar tudo o que há para mudar, dando a vitória ao PSD. Mas não se deve descartar outra hipótese: a de uma boa parte desses eleitores considerar que o PS já foi suficientemente castigado - ou talvez demais, com a saída de Guterres -, situação em que as virtudes de Ferro podem muito bem converter-se em votos. Não seria a primeira vez que o tradicional jogo de compensações em que os eleitores portugueses são mestres nos trazia alguma surpresa.

COMENTÁRIOS AO ARTIGO

5 comentários 1 a 5

29 de Dezembro de 2001 às 23:00

ramos18 ( jrcontreiras@netcabo.pt )

Concordo com o articulista que revela uma profunda análise da situação da política portuguesa.

O comentário de DIOGO SOTTO MAI vem confirmar com números que a governação de Durão Barroso poderá ter enormes dificuldades. Aos eleitores portugueses NÃO INTERESSA SÓ MUDANÇA.

Guterres teve a coragem,a sensibilidade e a oportunidade política de se demitir. Esse seu gesto de grande dignidade e humildade democrátrica trouxe para os "castigadores do PS" uma satisfação que lhes era devida quando lhe deram o seu voto. Agora estarão mais interessados nos destinos do nosso país do que numa mesquinha vigança que só os prejudicaria.

29 de Dezembro de 2001 às 20:13

Diogo Sotto Mai ( op3706@mail.telepac.pt )

Guterres teve um único deslize. Foi prever um défice do SPA de 1,1% este ano quando as circunstâncias o obrigaram a rectificar duas vezes para cerca de 2,2% do Pib. Mas Cavaco registou uma média anual de 6,05% do pib de défice ao longo dos quase 10 anos que governou.

Quem tem a lata de criticar um défice de 2,2% quando registou défices quase 3 vezes superior ao longo do gigantesco período de 10 anos? Só o próprio Cavaco que sempre julgou que todos os portugueses são parvos.

29 de Dezembro de 2001 às 20:07

Diogo Sotto Mai ( op3706@mail.telepac.pt )

Os números do quinquénio de Guterres comparados com os do Cavaco de 1991 a 1995 mostram que o Governo de Guterres e Ferro Rodrigues nada tem para se envergonhar.

Veja, oh Madrinha, o défice público que passou de 68% c/ Cavaco para os 53,4% actuais. E o défice global das contas do Estado (SPA) derrapadas agora para 2,2% do Pib comparadas com as médias de 5,7% de Cavaco no 2º quinquénio.

Veja os juros para compra de casa, a inflação, o crescimento da procura interna, a redução do desemprego e o aumento da população escolar que passou de 17,5% da população para os actuais 21%. E o aumento do Pib que passou de 1,4% c/ Cavaco par 3,8% c/ Guterres.

Onde é que estão os números trágicos do Governo Guterres, excepto na propaganda partidária e mentirosa de Durão?

E onde estão as alternativas de Durão? E onde está a grantia de que o pib c/ Durão vai crescer no próximo quinquénio mais que os 3,8% de Guterres?

29 de Dezembro de 2001 às 17:31

pais de bananas

Oh, Madrinha seria bom é que apontasses as qualidades do Durão Barroso porque as do Ferro Rodrigues já nós conhecemos.

Pois,aqui reside o problema oh, Madrinha, é que não sabes onde localizar uma.

Pois, o problema não é só teu, é também de muito do restante do eleitorado do PSD.

29 de Dezembro de 2001 às 03:25

Ulisses ( 0229700401@netcabo.pt )

Alinho com a tese de que se impõe um debate ideológico. De facto, em minha opinião, o erro de Guterres foi não ter imprimido, à sua governação, um cunho marcadamente socialista-do socialismo democrático ou social-democracia, entenda-se-,aliás, a sua preocupação de consensos e equilíbrios radica, quanto a mim, nessa falha.

Não prevejo a victória de Ferro Rodrigues nas próximas eleições. Necessita de tempo para consolidar a imagem e passar a mensagem correcta que, espero conseguirá. A experiência indica que uma passagem pela oposição é, muitas vezes, salutar. Foi útil a Durão Barroso, mesmo sem ter conseguido transmitir uma mensagem concreta. Ao fim deste tempo todo, qual é o seu projecto para o País? Que está tudo mal? Até os seus ataques na área da Finanças, não são à base de políticas mas, antes, sob a óptica do "guarda-livros": saber se as contas estão certas...

Cordiais cumprimentos. Feliz 2002

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PS As virtudes de Ferro

«É verdade que foi um dos pilares mais firmes das equipas de António Guterres desde o primeiro ao último dia. E se está correcta a leitura que o próprio Guterres fez das autárquicas - a de que os resultados foram um voto contra o Executivo e o partido que o apoia -, a candidatura de Ferro só pode ser penalizada pela sua participação nos governos dos últimos seis anos.» EDUARDO Ferro Rodrigues é um candidato para perder as próximas eleições legislativas? Como se escreveu aqui na última edição, ao fim de seis anos de Governo socialista, dificilmente os ganhos que possa recolher à esquerda darão para compensar as previsíveis perdas no centro político, onde as eleições costumam decidir-se. Mas daí a considerar-se que, com Ferro candidato, a vitória do PSD são favas contadas, vai uma grande distância. É certo que o mais do que previsível sucessor de Guterres não tem o carisma de um líder, nem um discurso galvanizador, nem, por agora, um programa político com meia dúzia de ideias fortes que sejam capazes de prender a atenção e de motivar os eleitores. Também é verdade que foi um dos pilares mais firmes das equipas de António Guterres desde o primeiro ao último dia. E se está correcta a leitura que o próprio Guterres fez das autárquicas - a de que os resultados foram um voto contra o Executivo e o partido que o apoia -, a candidatura de Ferro só pode ser penalizada pela sua participação nos governos dos últimos seis anos. Mas o candidato em si - um homem tranquilo e sério num meio em que estas qualidades assumem uma importância crescente - tem méritos que podem converter-se em trunfos eleitorais suficientemente fortes para ganhar ou, pelo menos, perder por pouco. Sobretudo se se considerar, como também foi opinião geral, que os resultados de há duas semanas reflectiram mais a vontade de punir António Guterres do que premiar Durão Barroso. Desde logo, Ferro Rodrigues tem colado a si o título de ministro da Solidariedade, uma designação feliz e inovadora para a pasta que ficou associada ao rendimento mínimo, aos aumentos diferenciados das pensões e, em geral, a uma intenção, melhor ou pior concretizada, de mais justiça social. O eleitorado que deu as últimas vitórias ao PS preza e valoriza bastante esta marca distintiva do guterrismo. E se muitos portugueses não sabem exactamente quem a levou à prática, bastará uma semana de campanha para ficarem a sabê-lo. A candidatura de Ferro tem, por outro lado, a virtude de poder contribuir para um debate de natureza ideológica - algo que a muitos já se afigura antiquado e sem sentido, mas de onde pode vir alguma clarificação política que torne o sistema partidário e a sua relação com a sociedade um pouco mais saudável. Sendo um homem com raízes na esquerda e que nunca as renegou, pode dar um contributo precioso para, através de propostas concretas de Governo, separar as águas entre os dois partidos que alternam no poder em Portugal e que, sobretudo desde que Guterres tomou conta do PS, os eleitores têm dificuldade em distinguir um do outro. Se o maior partido da esquerda retomar a sua posição e identidade, isso ajudará a apartar os irmãos siameses do bloco central responsáveis pelo pântano de que falava o primeiro-ministro na noite em que se demitiu. E dará aos socialistas a possibilidade de colherem o voto útil em toda a esquerda, desde um Bloco enfraquecido a um PCP em acelerado declínio, passando pela abstenção nessa área. O mais provável é isto não ser suficiente para transformar em vencedor um líder resultante da terceira escolha de um partido que carrega o fardo de uma governação desastrada e assim vai enfrentar eleições. Tudo dependerá, realmente, da opção do tal eleitorado do centro. E talvez a sua tentação mais forte ainda seja a de mergulhar na onda anti-rosa que emergiu destas autárquicas e mudar tudo o que há para mudar, dando a vitória ao PSD. Mas não se deve descartar outra hipótese: a de uma boa parte desses eleitores considerar que o PS já foi suficientemente castigado - ou talvez demais, com a saída de Guterres -, situação em que as virtudes de Ferro podem muito bem converter-se em votos. Não seria a primeira vez que o tradicional jogo de compensações em que os eleitores portugueses são mestres nos trazia alguma surpresa.

COMENTÁRIOS AO ARTIGO

5 comentários 1 a 5

29 de Dezembro de 2001 às 23:00

ramos18 ( jrcontreiras@netcabo.pt )

Concordo com o articulista que revela uma profunda análise da situação da política portuguesa.

O comentário de DIOGO SOTTO MAI vem confirmar com números que a governação de Durão Barroso poderá ter enormes dificuldades. Aos eleitores portugueses NÃO INTERESSA SÓ MUDANÇA.

Guterres teve a coragem,a sensibilidade e a oportunidade política de se demitir. Esse seu gesto de grande dignidade e humildade democrátrica trouxe para os "castigadores do PS" uma satisfação que lhes era devida quando lhe deram o seu voto. Agora estarão mais interessados nos destinos do nosso país do que numa mesquinha vigança que só os prejudicaria.

29 de Dezembro de 2001 às 20:13

Diogo Sotto Mai ( op3706@mail.telepac.pt )

Guterres teve um único deslize. Foi prever um défice do SPA de 1,1% este ano quando as circunstâncias o obrigaram a rectificar duas vezes para cerca de 2,2% do Pib. Mas Cavaco registou uma média anual de 6,05% do pib de défice ao longo dos quase 10 anos que governou.

Quem tem a lata de criticar um défice de 2,2% quando registou défices quase 3 vezes superior ao longo do gigantesco período de 10 anos? Só o próprio Cavaco que sempre julgou que todos os portugueses são parvos.

29 de Dezembro de 2001 às 20:07

Diogo Sotto Mai ( op3706@mail.telepac.pt )

Os números do quinquénio de Guterres comparados com os do Cavaco de 1991 a 1995 mostram que o Governo de Guterres e Ferro Rodrigues nada tem para se envergonhar.

Veja, oh Madrinha, o défice público que passou de 68% c/ Cavaco para os 53,4% actuais. E o défice global das contas do Estado (SPA) derrapadas agora para 2,2% do Pib comparadas com as médias de 5,7% de Cavaco no 2º quinquénio.

Veja os juros para compra de casa, a inflação, o crescimento da procura interna, a redução do desemprego e o aumento da população escolar que passou de 17,5% da população para os actuais 21%. E o aumento do Pib que passou de 1,4% c/ Cavaco par 3,8% c/ Guterres.

Onde é que estão os números trágicos do Governo Guterres, excepto na propaganda partidária e mentirosa de Durão?

E onde estão as alternativas de Durão? E onde está a grantia de que o pib c/ Durão vai crescer no próximo quinquénio mais que os 3,8% de Guterres?

29 de Dezembro de 2001 às 17:31

pais de bananas

Oh, Madrinha seria bom é que apontasses as qualidades do Durão Barroso porque as do Ferro Rodrigues já nós conhecemos.

Pois,aqui reside o problema oh, Madrinha, é que não sabes onde localizar uma.

Pois, o problema não é só teu, é também de muito do restante do eleitorado do PSD.

29 de Dezembro de 2001 às 03:25

Ulisses ( 0229700401@netcabo.pt )

Alinho com a tese de que se impõe um debate ideológico. De facto, em minha opinião, o erro de Guterres foi não ter imprimido, à sua governação, um cunho marcadamente socialista-do socialismo democrático ou social-democracia, entenda-se-,aliás, a sua preocupação de consensos e equilíbrios radica, quanto a mim, nessa falha.

Não prevejo a victória de Ferro Rodrigues nas próximas eleições. Necessita de tempo para consolidar a imagem e passar a mensagem correcta que, espero conseguirá. A experiência indica que uma passagem pela oposição é, muitas vezes, salutar. Foi útil a Durão Barroso, mesmo sem ter conseguido transmitir uma mensagem concreta. Ao fim deste tempo todo, qual é o seu projecto para o País? Que está tudo mal? Até os seus ataques na área da Finanças, não são à base de políticas mas, antes, sob a óptica do "guarda-livros": saber se as contas estão certas...

Cordiais cumprimentos. Feliz 2002

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