ROSTOS DO PÓS-GUTERRISMO: O homem do MES

26-05-2001
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XII Congresso do PS

ROSTOS DO PÓS-GUTERRISMO: O Homem do MES

Quarta-feira, 2 de Maio de 2001

Quando o PÚBLICO lhe perguntou onde estava no 25 de Novembro, Eduardo Ferro Rodrigues respondeu que estava na tropa. Omitiu pudicamente o resto, incómodo para a mornidão burguesa onde hoje o país se move: é que, por essa altura, era um dos principais dirigentes do MES, partido que na altura queria a revolução e que objectivamente perdeu o 25 de Novembro (mais do que o PCP que, à última hora, "traiu" ou passou-se para o grupo dos Nove para evitar o banho de sangue, consoante as perspectivas) e que, estando na tropa, deveria estar a preparar a resistência - ou a organizar a clandestinidade.

Ferro Rodrigues, segundo conta César Oliveira no seu livro "Os Anos Decisivos", não fazia parte da ala mais radical do MES - onde pontificava Augusto Mateus, que foi ministro da Economia no 1º Governo de António Guterres - mas também nunca defendeu nesses anos de brasa o chamado "Grupo do Flórida", nome que vem do nome do hotel onde costumavam almoçar um punhado de homens mais velhos e menos encantados, que por essa época tinham entre 30 e 35 anos, e que se chamavam Jorge Sampaio, João Cravinho, Miguel Galvão Teles, Nuno Brederode Santos e o próprio César Oliveira. Este grupo abandona o MES no 1º Congresso, desgostoso com o rumo demasiado radical que a organização tomava. Mas Ferro, bastante mais jovem que os outros, (em 1975 teria 22 ou 23 anos) fica lá até ao fim, até à implosão do movimento por motu próprio dos dirigentes, num almoço no antigo Mercado do Povo, em Belém.

Ferro Rodrigues adora ter sido do MES. Fez lá, de resto, amizades para a vida, como a de Eduardo Graça, que nomeou presidente do Inatel. Quando, recentemente, na sequência da queda da ponte de Entre-os-Rios, foi convidado para o cargo de ministro do Equipamento Social, cuja sigla é precisamente MES, divertia-se a dizer a toda a gente que a única coisa boa que lhe tinha acontecido é que "tinha voltado ao MES".

É Jorge Sampaio que o traz para o PS e é sob a liderança sampaísta do partido que Ferro Rodrigues sobe à direcção, sendo na época um dos dirigentes mais influentes junto do líder em conjunto com Lopes Cardoso e Marques da Costa (hoje assessor em Belém). Nessa altura, era António Guterres quem liderava o grupo parlamentar, preparando da trincheira de São Bento o grande dia em que pudesse substituir Jorge Sampaio à frente da direcção socialista: os seus amigos Edite Estrela, Arons de Carvalho e um tal Jorge Coelho algures em Macau não pensavam noutra coisa praticamente desde que Vítor Constâncio se tinha demitido, e Jorge Sampaio se antecipara a Guterres apresentando a candidatura a líder, numa sexta-feira, prevenindo que a reunião de bases preparada para o dia seguinte servisse a Guterres de plataforma de avanço.

Um ódio feroz escorreu nessa época pelas paredes socialistas: era a primeira vez que o grupo do sótão de Algés se dividia. Até aí, o conjunto de militantes que conspirara com Salgado Zenha contra Mário Soares estivera unido em torno de Vítor Constâncio, primeiro, e de Jorge Sampaio, já um bocado a contra-gosto. O candidato dos soaristas foi pelas duas vezes Jaime Gama. Mas em Outubro de 1991, com Guterres a entrar "em estado de choque" com a derrota nas legislativas do PS, o confronto entre os dois foi inevitável.

Ferro Rodrigues esteve, naturalmente, ao lado de Jorge Sampaio e foi um dos participantes entusiastas numas reuniões do grupo sampaísta organizadas por João Cravinho, visando incomodar o guterrismo e a não baixar a moral dos derrotados. Mas, convidado a integrar a nova direcção do grupo parlamentar, agora chefiada por Jaime Gama (o velho inimigo agora considerado um estratégico aliado) Ferro Rodrigues aceita e trabalha para a reconciliação da família socialista, com muito mais empenho do que Marques da Costa (que alguns acreditam nunca se ter reconciliado) ou mesmo João Cravinho, que resiste quase até às legislativas de 1995. Quando, ainda na oposição, Guterres o convida para a direcção do partido, Ferro Rodrigues aceita.

No grupo parlamentar, é o porta-voz para a Economia, um papel de acordo com a sua formação no antigo Instituto Superior de Economia. No Governo, Guterres chama-o para uma das pastas que mais brilho podiam trazer a quem a carregasse, aquela que iria distribuir o rendimento mínimo garantido. Mas Ferro Rodrigues nunca desilude: é um dos ministros mais populares e credíveis do Governo. Quando Guterres o convida para substituir Jorge Coelho, Ferro Rodrigues acabara de conseguir a aprovação da sua Lei de Bases da Segurança Social, em conjunto com o PCP.

O brilho da sua estrela aumentou de intensidade depois de Jorge Coelho ter dito que o então ministro do Trabalho seria um bom candidato à sucessão de António Guterres. Visivelmente agradado, o novo MES diz que depois se verá.

Ana Sá Lopes

XII Congresso do PS

ROSTOS DO PÓS-GUTERRISMO: O Homem do MES

Quarta-feira, 2 de Maio de 2001

Quando o PÚBLICO lhe perguntou onde estava no 25 de Novembro, Eduardo Ferro Rodrigues respondeu que estava na tropa. Omitiu pudicamente o resto, incómodo para a mornidão burguesa onde hoje o país se move: é que, por essa altura, era um dos principais dirigentes do MES, partido que na altura queria a revolução e que objectivamente perdeu o 25 de Novembro (mais do que o PCP que, à última hora, "traiu" ou passou-se para o grupo dos Nove para evitar o banho de sangue, consoante as perspectivas) e que, estando na tropa, deveria estar a preparar a resistência - ou a organizar a clandestinidade.

Ferro Rodrigues, segundo conta César Oliveira no seu livro "Os Anos Decisivos", não fazia parte da ala mais radical do MES - onde pontificava Augusto Mateus, que foi ministro da Economia no 1º Governo de António Guterres - mas também nunca defendeu nesses anos de brasa o chamado "Grupo do Flórida", nome que vem do nome do hotel onde costumavam almoçar um punhado de homens mais velhos e menos encantados, que por essa época tinham entre 30 e 35 anos, e que se chamavam Jorge Sampaio, João Cravinho, Miguel Galvão Teles, Nuno Brederode Santos e o próprio César Oliveira. Este grupo abandona o MES no 1º Congresso, desgostoso com o rumo demasiado radical que a organização tomava. Mas Ferro, bastante mais jovem que os outros, (em 1975 teria 22 ou 23 anos) fica lá até ao fim, até à implosão do movimento por motu próprio dos dirigentes, num almoço no antigo Mercado do Povo, em Belém.

Ferro Rodrigues adora ter sido do MES. Fez lá, de resto, amizades para a vida, como a de Eduardo Graça, que nomeou presidente do Inatel. Quando, recentemente, na sequência da queda da ponte de Entre-os-Rios, foi convidado para o cargo de ministro do Equipamento Social, cuja sigla é precisamente MES, divertia-se a dizer a toda a gente que a única coisa boa que lhe tinha acontecido é que "tinha voltado ao MES".

É Jorge Sampaio que o traz para o PS e é sob a liderança sampaísta do partido que Ferro Rodrigues sobe à direcção, sendo na época um dos dirigentes mais influentes junto do líder em conjunto com Lopes Cardoso e Marques da Costa (hoje assessor em Belém). Nessa altura, era António Guterres quem liderava o grupo parlamentar, preparando da trincheira de São Bento o grande dia em que pudesse substituir Jorge Sampaio à frente da direcção socialista: os seus amigos Edite Estrela, Arons de Carvalho e um tal Jorge Coelho algures em Macau não pensavam noutra coisa praticamente desde que Vítor Constâncio se tinha demitido, e Jorge Sampaio se antecipara a Guterres apresentando a candidatura a líder, numa sexta-feira, prevenindo que a reunião de bases preparada para o dia seguinte servisse a Guterres de plataforma de avanço.

Um ódio feroz escorreu nessa época pelas paredes socialistas: era a primeira vez que o grupo do sótão de Algés se dividia. Até aí, o conjunto de militantes que conspirara com Salgado Zenha contra Mário Soares estivera unido em torno de Vítor Constâncio, primeiro, e de Jorge Sampaio, já um bocado a contra-gosto. O candidato dos soaristas foi pelas duas vezes Jaime Gama. Mas em Outubro de 1991, com Guterres a entrar "em estado de choque" com a derrota nas legislativas do PS, o confronto entre os dois foi inevitável.

Ferro Rodrigues esteve, naturalmente, ao lado de Jorge Sampaio e foi um dos participantes entusiastas numas reuniões do grupo sampaísta organizadas por João Cravinho, visando incomodar o guterrismo e a não baixar a moral dos derrotados. Mas, convidado a integrar a nova direcção do grupo parlamentar, agora chefiada por Jaime Gama (o velho inimigo agora considerado um estratégico aliado) Ferro Rodrigues aceita e trabalha para a reconciliação da família socialista, com muito mais empenho do que Marques da Costa (que alguns acreditam nunca se ter reconciliado) ou mesmo João Cravinho, que resiste quase até às legislativas de 1995. Quando, ainda na oposição, Guterres o convida para a direcção do partido, Ferro Rodrigues aceita.

No grupo parlamentar, é o porta-voz para a Economia, um papel de acordo com a sua formação no antigo Instituto Superior de Economia. No Governo, Guterres chama-o para uma das pastas que mais brilho podiam trazer a quem a carregasse, aquela que iria distribuir o rendimento mínimo garantido. Mas Ferro Rodrigues nunca desilude: é um dos ministros mais populares e credíveis do Governo. Quando Guterres o convida para substituir Jorge Coelho, Ferro Rodrigues acabara de conseguir a aprovação da sua Lei de Bases da Segurança Social, em conjunto com o PCP.

O brilho da sua estrela aumentou de intensidade depois de Jorge Coelho ter dito que o então ministro do Trabalho seria um bom candidato à sucessão de António Guterres. Visivelmente agradado, o novo MES diz que depois se verá.

Ana Sá Lopes

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