EXPRESSO: Vidas

27-07-2001
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PESSOAS Escritor Na cozinha com Galopim de Carvalho Galopim de Carvalho, o geólogo que apresentou os dinossauros aos portugueses, vai lançar um livro de cozinha

Texto de Isabel Oliveira

ANTÓNIO PEDRO FERREIRA O SEU IRMÃO mais velho, Francisco José, foi vedeta da canção. Arrebatou os corações lusos com «Olhos castanhos» e ainda hoje é lembrado com saudade. António Galopim de Carvalho, conhecido entre nós como o «cientista dos dinossauros», tem veia artística de igual calibre. Os seus livros de ficção, marcadamente autobiográficos, foram dignos dos elogios de Natália Correia e de Agostinho da Silva. O director do Museu Nacional de História Natural é ainda um notável cozinheiro e prepara-se para lançar Viagens à Senhora da Asneira, uma obra em que se cruzam histórias, tradições e receitas culinárias. O SEU IRMÃO mais velho, Francisco José, foi vedeta da canção. Arrebatou os corações lusos com «Olhos castanhos» e ainda hoje é lembrado com saudade. António Galopim de Carvalho, conhecido entre nós como o «cientista dos dinossauros», tem veia artística de igual calibre. Os seus livros de ficção, marcadamente autobiográficos, foram dignos dos elogios de Natália Correia e de Agostinho da Silva. O director do Museu Nacional de História Natural é ainda um notável cozinheiro e prepara-se para lançar, uma obra em que se cruzam histórias, tradições e receitas culinárias. A cozinha nunca teve segredos para este geólogo que no próximo Verão completará 70 anos. A mãe encarregou-o das compras diárias no mercado quando ainda frequentava a escola primária. «Lembro-me que levava uma nota de 20 escudos bem guardadinha no bolso. Era uma enorme responsabilidade: se trazia favas, não podia esquecer a rama do alho verde, os coentros, um pedaço de chouriço, a morcela e a farinheira. Se comprava ervilhas, tinha de levar também os ovos. Sabia de cor os ingredientes do cozido à alentejana, que é bem diferente do cozido à portuguesa. E também dava uma mão na cozinha», diz-nos Galopim de Carvalho. Natural de Évora, o «Marquinhos» (diminutivo de Marcos, o seu segundo nome próprio) dividia o tempo livre entre as artes da gastronomia, sob a batuta de sua mãe, e as da carpintaria, a cargo do senhor Roberto. Ainda hoje, a cozinha é para si o espaço mais importante da casa: «Posso gastar uma fortuna em panelas especiais ou utensílios sofisticados, mas sou incapaz de comprar uma camisa ou uma gravata cara». Galopim trouxe a Portugal a exposição dos dinossauros-robôs para sensibilizar a opinião pública para a causa de Carenque No livro de cozinha, actualmente em fase de revisão, propõe-se contar «as coisas que aprendi a fazer e as que fui transformando». Desengane-se, todavia, quem procurar indicação de quantidades ou de tempo de confecção - «cada um que aprenda por si». Galopim avança os truques que podem distinguir um prato banal de um manjar principesco. «Numa açorda de marisco, não deite fora as cascas dos camarões ou dos caranguejos. Esmague-as, passe-as por água, coe a água e acrescente-a ao caldo para duplicar o paladar. Ou então ponha as cascas a torrar no forno e reduza-as a pó para obter o mesmo efeito». A obra vive destas «dicas», que não têm lugar nos vulgares livros de receitas, e de muitas histórias à volta do acto de cozinhar e de comer. A açorda de marisco é precisamente uma das suas especialidades, a par do coelho estufado e das sopas de peixe. Entre as transformações mais bem sucedidas conta-se a da sopa de cação: «Uso a mesma farinha, os coentros e o vinagre, mas substituo o cação por uma boa posta de bacalhau. Fica muito melhor». Galopim gosta essencialmente da dimensão social da cozinha. Porque, sendo um bom garfo, não se dá ao trabalho de confeccionar um prato só para si: «Se estou sozinho, vou buscar pão e fiambre e fico-me por aí». No livro de cozinha, actualmente em fase de revisão, propõe-se contar. Desengane-se, todavia, quem procurar indicação de quantidades ou de tempo de confecção -. Galopim avança os truques que podem distinguir um prato banal de um manjar principesco.. A obra vive destas «dicas», que não têm lugar nos vulgares livros de receitas, e de muitas histórias à volta do acto de cozinhar e de comer. A açorda de marisco é precisamente uma das suas especialidades, a par do coelho estufado e das sopas de peixe. Entre as transformações mais bem sucedidas conta-se a da sopa de cação:. Galopim gosta essencialmente da dimensão social da cozinha. Porque, sendo um bom garfo, não se dá ao trabalho de confeccionar um prato só para si: ANTÓNIO PEDRO FERREIRA O nome de Galopim de Carvalho saltou para a ribalta quando a anunciada Cintura Regional Exterior de Lisboa (CREL) ameaçava destruir as pegadas de dinossauro descobertas em Carenque. O geólogo deu a cara pelo movimento de protecção da jazida pré-histórica e conseguiu convencer o Governo de Cavaco Silva a optar pela construção de um túnel que deixava as pegadas sãs e salvas. Estávamos em 1993. Galopim publicou um livro, A Batalha de Carenque, para mobilizar a sociedade civil para a causa dos dinossauros. E logo que assumiu funções como director do Museu Nacional de História Natural tratou de trazer a Portugal os dinossauros-robôs, naquela que foi uma das exposições mais procuradas da nossa história. Como nos explica, «esta exposição fazia parte da estratégia de criar uma onda de simpatia em torno dos dinossauros». Desse ponto de vista, foi muitíssimo bem sucedida. Com uma média de nove mil visitantes por dia, a vaga de fundo tomou forma e Ferreira do Amaral, na altura ministro do betão (leia-se Obras Públicas), viu-se forçado a lidar com grandes problemas de engenharia para salvar as pegadas dos simpáticos monstrinhos. Se esta batalha foi ganha em tempo recorde, a guerra parece estar para durar. É que a jazida está protegida por uma tela e por cerca de um metro de terra, mas ninguém mais voltou a falar no assunto. Ora, Galopim acha que «já é altura de aquilo passar a ser fruído pela população. É esta mensagem que eu quero passar ao Governo e não consigo». «Não há sensibilidade nem vontade política. Nem percebem que tinham aqui oportunidade para fazer um brilharete», desabafa o cientista, adiantando que «terei de voltar a ser desagradável como aconteceu da outra vez». Existe um projecto de arquitectura aceite pela Câmara de Sintra, «mas Edite Estrela alega que não tem dinheiro. Diz-me para convencer o ministro Sócrates. Não percebo porque não fala ela com ele: são amigos, estão no mesmo partido, nas mesmas jogadas políticas...». Galopim está desiludido com a governação rosa. «São só sorrisos e abraços. Começo a ficar cansado desta política do faz de conta». O nome de Galopim de Carvalho saltou para a ribalta quando a anunciada Cintura Regional Exterior de Lisboa (CREL) ameaçava destruir as pegadas de dinossauro descobertas em Carenque. O geólogo deu a cara pelo movimento de protecção da jazida pré-histórica e conseguiu convencer o Governo de Cavaco Silva a optar pela construção de um túnel que deixava as pegadas sãs e salvas. Estávamos em 1993. Galopim publicou um livro,, para mobilizar a sociedade civil para a causa dos dinossauros. E logo que assumiu funções como director do Museu Nacional de História Natural tratou de trazer a Portugal os dinossauros-robôs, naquela que foi uma das exposições mais procuradas da nossa história. Como nos explica,. Desse ponto de vista, foi muitíssimo bem sucedida. Com uma média de nove mil visitantes por dia, a vaga de fundo tomou forma e Ferreira do Amaral, na altura ministro do betão (leia-se Obras Públicas), viu-se forçado a lidar com grandes problemas de engenharia para salvar as pegadas dos simpáticos monstrinhos. Se esta batalha foi ganha em tempo recorde, a guerra parece estar para durar. É que a jazida está protegida por uma tela e por cerca de um metro de terra, mas ninguém mais voltou a falar no assunto. Ora, Galopim acha que, desabafa o cientista, adiantando que. Existe um projecto de arquitectura aceite pela Câmara de Sintra,. Galopim está desiludido com a governação rosa. Foi o livro «Anarquistas, graças a Deus», de Zélia Gattai, que o incentivou à escrita da trilogia de memórias Curiosamente, o maior defensor dos dinossauros não se especializou em Paleontologia por uma unha negra. António Galopim de Carvalho foi mau aluno no liceu e começou por seguir Biologia para fazer a vontade ao pai. Mas o curso não o interessava muito. «Andei um ano a apanhar bonés e depois fui à minha vida». Fez a tropa, deixou-se ficar mais uns tempos pelo Exército na condição de voluntário e aos 27 anos, quando já podia decidir sobre o rumo da sua vida, inscreveu-se em Geologia. Aos 30 estava licenciado, tendo sido logo convidado para assistente. «E aqui estou (na Faculdade de Ciências) desde 1961». Há 40 anos. Rumou para Paris com a intenção de fazer o doutoramento a partir de um estudo sobre os briozoários (animais recifais que viveram na região de Lisboa há 20 milhões de anos), mas depressa se apercebeu de que o tema «não tinha lá muita saída». Trocou então a Paleontologia pela Sedimentologia e a Geomorfologia, dedicando-se a historiar a evolução das montanhas pelos sedimentos que se acumulam nas suas bases a partir das transformações que se operam ao longo de milhões de anos. «Era um trabalho de reconstituição digno de um Sherlock Holmes», conta com entusiasmo. Convidado por Orlando Ribeiro, deu aulas de Geografia na Faculdade de Letras durante 15 anos. Curiosamente, o maior defensor dos dinossauros não se especializou em Paleontologia por uma unha negra. António Galopim de Carvalho foi mau aluno no liceu e começou por seguir Biologia para fazer a vontade ao pai. Mas o curso não o interessava muito.. Fez a tropa, deixou-se ficar mais uns tempos pelo Exército na condição de voluntário e aos 27 anos, quando já podia decidir sobre o rumo da sua vida, inscreveu-se em Geologia. Aos 30 estava licenciado, tendo sido logo convidado para assistente.(na Faculdade de Ciências). Há 40 anos. Rumou para Paris com a intenção de fazer o doutoramento a partir de um estudo sobre os briozoários (animais recifais que viveram na região de Lisboa há 20 milhões de anos), mas depressa se apercebeu de que o tema. Trocou então a Paleontologia pela Sedimentologia e a Geomorfologia, dedicando-se a historiar a evolução das montanhas pelos sedimentos que se acumulam nas suas bases a partir das transformações que se operam ao longo de milhões de anos., conta com entusiasmo. Convidado por Orlando Ribeiro, deu aulas de Geografia na Faculdade de Letras durante 15 anos. Já publicou mais de 300 títulos, entre livros dedicados ao ensino e artigos científicos em revistas nacionais e estrangeiras. Mas foi há sete anos que descobriu o prazer de escrever coisas suas. «Foi o 'Anarquistas, graças a Deus', da Zélia Gattai - um livro giríssimo sobre as suas histórias de menina em São Paulo -, que me incentivou à escrita. Eu também tenho histórias muito engraçadas para contar, pensei para comigo». Em O Cheiro da Madeira, Galopim descreve a sua infância no Alentejo rural, a experiência como ajudante de carpinteiro, o ambiente dos pastores e ceifeiros, as casas de Évora, o acto singular de dar de comer aos leões do circo. O facto de ser um estreante em matéria de ficção dificultou-lhe a tarefa de arranjar uma editora que publicasse o livro. A câmara de Évora deu-lhe uma mãozinha e patrocinou a primeira edição de O Cheiro da Madeira. Vendeu muito mais do que esperava, o que obrigou a uma segunda edição. Seguiu-se-lhe O Preço da Borrega, que questionava o direito de certos latifundiários à fruição das donzelas pobres, uma tradição que remonta aos tempos medievais mas que ainda vigorava nos anos 50. Os Homens não Tapam as Orelhas, sobre a vida militar, completa esta trilogia de memórias. A propósito deste último livro, com prefácio de Pezarat Correia, o autor conta que «ainda na semana passada o Ramalho Eanes me escreveu a dizer que tinha gostado, apesar de ser um escrito antimilitarista». Natália Correia disse-lhe um dia que a sua escrita «era pura antropologia ficcional» e que o admirava por isso. Mas foi do professor Agostinho da Silva que recebeu o elogio mais encorajador. Em carta datada de 23 de Janeiro de 1990, o filósofo escreveu: «Dos escritores portugueses actuais que conheço, os dois primeiros são o Saramago e o Galopim de Carvalho, o primeiro felizmente editado e amplamente lançado, o segundo inédito e ignorado, o que é lamentável e absurdo». Acrescentava: «Uma escrita sem artifício algum, uma sensibilidade de memória que nos traz vivos todos os acontecimentos que houve em sua vida e, acima de tudo, a sua compreensão do que é a vida, tudo isto faz de Galopim de Carvalho um escritor de primeira categoria». O geólogo cora de satisfação. Permanece um homem simples, que prefere a candura rural ao ambiente mundano e hipócrita dos salões da capital.

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PESSOAS Escritor Na cozinha com Galopim de Carvalho Galopim de Carvalho, o geólogo que apresentou os dinossauros aos portugueses, vai lançar um livro de cozinha

Texto de Isabel Oliveira

ANTÓNIO PEDRO FERREIRA O SEU IRMÃO mais velho, Francisco José, foi vedeta da canção. Arrebatou os corações lusos com «Olhos castanhos» e ainda hoje é lembrado com saudade. António Galopim de Carvalho, conhecido entre nós como o «cientista dos dinossauros», tem veia artística de igual calibre. Os seus livros de ficção, marcadamente autobiográficos, foram dignos dos elogios de Natália Correia e de Agostinho da Silva. O director do Museu Nacional de História Natural é ainda um notável cozinheiro e prepara-se para lançar Viagens à Senhora da Asneira, uma obra em que se cruzam histórias, tradições e receitas culinárias. O SEU IRMÃO mais velho, Francisco José, foi vedeta da canção. Arrebatou os corações lusos com «Olhos castanhos» e ainda hoje é lembrado com saudade. António Galopim de Carvalho, conhecido entre nós como o «cientista dos dinossauros», tem veia artística de igual calibre. Os seus livros de ficção, marcadamente autobiográficos, foram dignos dos elogios de Natália Correia e de Agostinho da Silva. O director do Museu Nacional de História Natural é ainda um notável cozinheiro e prepara-se para lançar, uma obra em que se cruzam histórias, tradições e receitas culinárias. A cozinha nunca teve segredos para este geólogo que no próximo Verão completará 70 anos. A mãe encarregou-o das compras diárias no mercado quando ainda frequentava a escola primária. «Lembro-me que levava uma nota de 20 escudos bem guardadinha no bolso. Era uma enorme responsabilidade: se trazia favas, não podia esquecer a rama do alho verde, os coentros, um pedaço de chouriço, a morcela e a farinheira. Se comprava ervilhas, tinha de levar também os ovos. Sabia de cor os ingredientes do cozido à alentejana, que é bem diferente do cozido à portuguesa. E também dava uma mão na cozinha», diz-nos Galopim de Carvalho. Natural de Évora, o «Marquinhos» (diminutivo de Marcos, o seu segundo nome próprio) dividia o tempo livre entre as artes da gastronomia, sob a batuta de sua mãe, e as da carpintaria, a cargo do senhor Roberto. Ainda hoje, a cozinha é para si o espaço mais importante da casa: «Posso gastar uma fortuna em panelas especiais ou utensílios sofisticados, mas sou incapaz de comprar uma camisa ou uma gravata cara». Galopim trouxe a Portugal a exposição dos dinossauros-robôs para sensibilizar a opinião pública para a causa de Carenque No livro de cozinha, actualmente em fase de revisão, propõe-se contar «as coisas que aprendi a fazer e as que fui transformando». Desengane-se, todavia, quem procurar indicação de quantidades ou de tempo de confecção - «cada um que aprenda por si». Galopim avança os truques que podem distinguir um prato banal de um manjar principesco. «Numa açorda de marisco, não deite fora as cascas dos camarões ou dos caranguejos. Esmague-as, passe-as por água, coe a água e acrescente-a ao caldo para duplicar o paladar. Ou então ponha as cascas a torrar no forno e reduza-as a pó para obter o mesmo efeito». A obra vive destas «dicas», que não têm lugar nos vulgares livros de receitas, e de muitas histórias à volta do acto de cozinhar e de comer. A açorda de marisco é precisamente uma das suas especialidades, a par do coelho estufado e das sopas de peixe. Entre as transformações mais bem sucedidas conta-se a da sopa de cação: «Uso a mesma farinha, os coentros e o vinagre, mas substituo o cação por uma boa posta de bacalhau. Fica muito melhor». Galopim gosta essencialmente da dimensão social da cozinha. Porque, sendo um bom garfo, não se dá ao trabalho de confeccionar um prato só para si: «Se estou sozinho, vou buscar pão e fiambre e fico-me por aí». No livro de cozinha, actualmente em fase de revisão, propõe-se contar. Desengane-se, todavia, quem procurar indicação de quantidades ou de tempo de confecção -. Galopim avança os truques que podem distinguir um prato banal de um manjar principesco.. A obra vive destas «dicas», que não têm lugar nos vulgares livros de receitas, e de muitas histórias à volta do acto de cozinhar e de comer. A açorda de marisco é precisamente uma das suas especialidades, a par do coelho estufado e das sopas de peixe. Entre as transformações mais bem sucedidas conta-se a da sopa de cação:. Galopim gosta essencialmente da dimensão social da cozinha. Porque, sendo um bom garfo, não se dá ao trabalho de confeccionar um prato só para si: ANTÓNIO PEDRO FERREIRA O nome de Galopim de Carvalho saltou para a ribalta quando a anunciada Cintura Regional Exterior de Lisboa (CREL) ameaçava destruir as pegadas de dinossauro descobertas em Carenque. O geólogo deu a cara pelo movimento de protecção da jazida pré-histórica e conseguiu convencer o Governo de Cavaco Silva a optar pela construção de um túnel que deixava as pegadas sãs e salvas. Estávamos em 1993. Galopim publicou um livro, A Batalha de Carenque, para mobilizar a sociedade civil para a causa dos dinossauros. E logo que assumiu funções como director do Museu Nacional de História Natural tratou de trazer a Portugal os dinossauros-robôs, naquela que foi uma das exposições mais procuradas da nossa história. Como nos explica, «esta exposição fazia parte da estratégia de criar uma onda de simpatia em torno dos dinossauros». Desse ponto de vista, foi muitíssimo bem sucedida. Com uma média de nove mil visitantes por dia, a vaga de fundo tomou forma e Ferreira do Amaral, na altura ministro do betão (leia-se Obras Públicas), viu-se forçado a lidar com grandes problemas de engenharia para salvar as pegadas dos simpáticos monstrinhos. Se esta batalha foi ganha em tempo recorde, a guerra parece estar para durar. É que a jazida está protegida por uma tela e por cerca de um metro de terra, mas ninguém mais voltou a falar no assunto. Ora, Galopim acha que «já é altura de aquilo passar a ser fruído pela população. É esta mensagem que eu quero passar ao Governo e não consigo». «Não há sensibilidade nem vontade política. Nem percebem que tinham aqui oportunidade para fazer um brilharete», desabafa o cientista, adiantando que «terei de voltar a ser desagradável como aconteceu da outra vez». Existe um projecto de arquitectura aceite pela Câmara de Sintra, «mas Edite Estrela alega que não tem dinheiro. Diz-me para convencer o ministro Sócrates. Não percebo porque não fala ela com ele: são amigos, estão no mesmo partido, nas mesmas jogadas políticas...». Galopim está desiludido com a governação rosa. «São só sorrisos e abraços. Começo a ficar cansado desta política do faz de conta». O nome de Galopim de Carvalho saltou para a ribalta quando a anunciada Cintura Regional Exterior de Lisboa (CREL) ameaçava destruir as pegadas de dinossauro descobertas em Carenque. O geólogo deu a cara pelo movimento de protecção da jazida pré-histórica e conseguiu convencer o Governo de Cavaco Silva a optar pela construção de um túnel que deixava as pegadas sãs e salvas. Estávamos em 1993. Galopim publicou um livro,, para mobilizar a sociedade civil para a causa dos dinossauros. E logo que assumiu funções como director do Museu Nacional de História Natural tratou de trazer a Portugal os dinossauros-robôs, naquela que foi uma das exposições mais procuradas da nossa história. Como nos explica,. Desse ponto de vista, foi muitíssimo bem sucedida. Com uma média de nove mil visitantes por dia, a vaga de fundo tomou forma e Ferreira do Amaral, na altura ministro do betão (leia-se Obras Públicas), viu-se forçado a lidar com grandes problemas de engenharia para salvar as pegadas dos simpáticos monstrinhos. Se esta batalha foi ganha em tempo recorde, a guerra parece estar para durar. É que a jazida está protegida por uma tela e por cerca de um metro de terra, mas ninguém mais voltou a falar no assunto. Ora, Galopim acha que, desabafa o cientista, adiantando que. Existe um projecto de arquitectura aceite pela Câmara de Sintra,. Galopim está desiludido com a governação rosa. Foi o livro «Anarquistas, graças a Deus», de Zélia Gattai, que o incentivou à escrita da trilogia de memórias Curiosamente, o maior defensor dos dinossauros não se especializou em Paleontologia por uma unha negra. António Galopim de Carvalho foi mau aluno no liceu e começou por seguir Biologia para fazer a vontade ao pai. Mas o curso não o interessava muito. «Andei um ano a apanhar bonés e depois fui à minha vida». Fez a tropa, deixou-se ficar mais uns tempos pelo Exército na condição de voluntário e aos 27 anos, quando já podia decidir sobre o rumo da sua vida, inscreveu-se em Geologia. Aos 30 estava licenciado, tendo sido logo convidado para assistente. «E aqui estou (na Faculdade de Ciências) desde 1961». Há 40 anos. Rumou para Paris com a intenção de fazer o doutoramento a partir de um estudo sobre os briozoários (animais recifais que viveram na região de Lisboa há 20 milhões de anos), mas depressa se apercebeu de que o tema «não tinha lá muita saída». Trocou então a Paleontologia pela Sedimentologia e a Geomorfologia, dedicando-se a historiar a evolução das montanhas pelos sedimentos que se acumulam nas suas bases a partir das transformações que se operam ao longo de milhões de anos. «Era um trabalho de reconstituição digno de um Sherlock Holmes», conta com entusiasmo. Convidado por Orlando Ribeiro, deu aulas de Geografia na Faculdade de Letras durante 15 anos. Curiosamente, o maior defensor dos dinossauros não se especializou em Paleontologia por uma unha negra. António Galopim de Carvalho foi mau aluno no liceu e começou por seguir Biologia para fazer a vontade ao pai. Mas o curso não o interessava muito.. Fez a tropa, deixou-se ficar mais uns tempos pelo Exército na condição de voluntário e aos 27 anos, quando já podia decidir sobre o rumo da sua vida, inscreveu-se em Geologia. Aos 30 estava licenciado, tendo sido logo convidado para assistente.(na Faculdade de Ciências). Há 40 anos. Rumou para Paris com a intenção de fazer o doutoramento a partir de um estudo sobre os briozoários (animais recifais que viveram na região de Lisboa há 20 milhões de anos), mas depressa se apercebeu de que o tema. Trocou então a Paleontologia pela Sedimentologia e a Geomorfologia, dedicando-se a historiar a evolução das montanhas pelos sedimentos que se acumulam nas suas bases a partir das transformações que se operam ao longo de milhões de anos., conta com entusiasmo. Convidado por Orlando Ribeiro, deu aulas de Geografia na Faculdade de Letras durante 15 anos. Já publicou mais de 300 títulos, entre livros dedicados ao ensino e artigos científicos em revistas nacionais e estrangeiras. Mas foi há sete anos que descobriu o prazer de escrever coisas suas. «Foi o 'Anarquistas, graças a Deus', da Zélia Gattai - um livro giríssimo sobre as suas histórias de menina em São Paulo -, que me incentivou à escrita. Eu também tenho histórias muito engraçadas para contar, pensei para comigo». Em O Cheiro da Madeira, Galopim descreve a sua infância no Alentejo rural, a experiência como ajudante de carpinteiro, o ambiente dos pastores e ceifeiros, as casas de Évora, o acto singular de dar de comer aos leões do circo. O facto de ser um estreante em matéria de ficção dificultou-lhe a tarefa de arranjar uma editora que publicasse o livro. A câmara de Évora deu-lhe uma mãozinha e patrocinou a primeira edição de O Cheiro da Madeira. Vendeu muito mais do que esperava, o que obrigou a uma segunda edição. Seguiu-se-lhe O Preço da Borrega, que questionava o direito de certos latifundiários à fruição das donzelas pobres, uma tradição que remonta aos tempos medievais mas que ainda vigorava nos anos 50. Os Homens não Tapam as Orelhas, sobre a vida militar, completa esta trilogia de memórias. A propósito deste último livro, com prefácio de Pezarat Correia, o autor conta que «ainda na semana passada o Ramalho Eanes me escreveu a dizer que tinha gostado, apesar de ser um escrito antimilitarista». Natália Correia disse-lhe um dia que a sua escrita «era pura antropologia ficcional» e que o admirava por isso. Mas foi do professor Agostinho da Silva que recebeu o elogio mais encorajador. Em carta datada de 23 de Janeiro de 1990, o filósofo escreveu: «Dos escritores portugueses actuais que conheço, os dois primeiros são o Saramago e o Galopim de Carvalho, o primeiro felizmente editado e amplamente lançado, o segundo inédito e ignorado, o que é lamentável e absurdo». Acrescentava: «Uma escrita sem artifício algum, uma sensibilidade de memória que nos traz vivos todos os acontecimentos que houve em sua vida e, acima de tudo, a sua compreensão do que é a vida, tudo isto faz de Galopim de Carvalho um escritor de primeira categoria». O geólogo cora de satisfação. Permanece um homem simples, que prefere a candura rural ao ambiente mundano e hipócrita dos salões da capital.

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