EXPRESSO: Opinião

28-02-2002
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A terceira escolha

Patinha Antão

«Poderá Guterres regenerar-se, passar a liderar de facto os ministros, sujeitar a dieta rigorosa os lóbis orçamentais que lautamente alimentou e assumir 'mea culpa' pela quebra do poder de compra que provocou? Será o guterrismo capaz de se negar a si próprio, rodando 180 graus? E haverá no seu código genético a vontade férrea necessária para liderar a retoma da economia (...) quando não demonstrou tê-la para emendar a má governação que fez na fase, mais fácil, da expansão económica?»

O ACTUAL Governo é a terceira escolha do eng. Guterres. A frase, embora seja uma verdade factual, sugere um significado pejorativo.

Todavia, sugerir não é afirmar, é, apenas, apontar um caminho de dúvidas, reversíveis ou confirmáveis, pela evidência «a posteriori».

Não seria intelectualmente honesto afirmá-lo, optando por variantes da frase, essas sim, verdadeiros veredictos, tais como «… é de terceira escolha» ou «… é uma escolha de terceira».

«A priori», não se pode negar, ao eng. Guterres, a possibilidade de se regenerar; nem aos novos ministros, «malgré» Guterres, a possibilidade de serem melhores ministros que os antecessores.

Por outro lado, não seria politicamente inteligente fazê-lo, porque o guterrismo é hábil a reparar estragos e a gerir expectativas.

Repare-se que a degradação da imagem, com que saíram os ministros substituídos na trapalhada da remodelação, baixou de tal forma as expectativas que, se este terceiro Governo vier a fazer qualquer coisa de acertado, mesmo que também seja gato, poderá passar por lebre.

A sugestão, e não a afirmação, é pois o que é apropriado. Exploremos o seu caminho de dúvidas.

Poderá Guterres regenerar-se, isto é, passar a liderar de facto os ministros, sujeitar a dieta rigorosa os lóbis orçamentais que lautamente alimentou e assumir «mea culpa» pela quebra do poder de compra salarial que provocou ?

Será o guterrismo capaz de se negar a si próprio, rodando 180 graus?

E haverá no seu código genético a vontade férrea necessária para liderar a retoma da economia - a «vexata questio» que dominará o próximo futuro - quando não demonstrou tê-la para emendar a má governação que fez na fase, mais fácil, da expansão económica?

As esperanças de regeneração no quadro da acção são, pois, diminutas. E não parecem melhores quanto à utilização do discurso para gerar novas ilusões.

Com efeito, o léxico de Guterres, de tão volúvel, está tão gasto que já nem os seus intérpretes mais imaginativos conseguem regenerá-lo.

Veja-se, por exemplo, a trapalhada semântica em que se deixou enredar a dra. Edite Estrela, ainda por cima filóloga, na sua entrevista a «O Diabo», em 28 de Agosto.

Disse ela - a propósito de Guterres ter anunciado, há um ano, na «rentrée» política, que iria encetar um novo ciclo - que, «à partida, um novo ciclo tem a duração de um mandato, mas as conjunturas sucedem-se de tal maneira que as expressões perdem o seu significado profundo e acabamos por ter mais que um ciclo».

Repare-se que nisto de prosélitos de Guterres, vamos também já na terceira escolha.

E que distância vai de António Barreto (que descobriu há três anos que Guterres não era o que prometia ser) a Manuel Carrilho (que só descobriu que tudo era lânguido e a Nova Maioria uma treta, quando saiu do Governo)!

E que distância, ainda maior vai deste a Eduardo Prado Coelho (cuja natureza não o preparou para a descoberta, mas para a lisonja)!

Mas sendo Guterres incapaz de se regenerar - e os actuais prosélitos incapazes de lhe recriar a retórica do discurso -, pode-se, ao menos, esperar que os novos ministros sejam melhores que os seus antecessores ?

Sim, se apenas os compararmos com os seus antecessores imediatos que se revelaram autênticos fracassos.

Assim, Correia de Campos não terá dificuldade em ser considerado melhor do que Manuela Arcanjo; Oliveira Martins do que Pina Moura; Júlio Pedrosa do que Santos Silva; e Santos Silva do que José Sasportes.

Obviamente, tal comparação é meramente ilusória.

A comparação que realmente interessa é entre o que eles possam fazer e o que o país precisa que eles façam.

Admitamos a melhor das hipóteses, isto é, que os seus talentos estão à altura desse imperativo.

Que possibilidades terão, porém, de os traduzir em acção, à míngua de apoio do primeiro-ministro, arrastados pelas lutas intestinas dos seus putativos sucessores e sob a pressão glutona do adiposo aparelho que os cerca ?

E pior do que isso, não estarão eles próprios do lado errado do novo desígnio de que o país precisa e que o guterrismo foi incapaz de formular ?

Minguar e melhorar o Estado, pelos princípios da subsidariedade e eficácia, e acreditar que cidadãos mais livres e melhor informados são capazes de criar uma melhor sociedade do que o Estado, mais livre, responsável, rica e justa, do que o Estado - eis a linha divisória.

Uma imagem vale por mil palavras.

Júlio Pedrosa, na TV, revelou que não percebeu que a publicação do «ranking» das escolas secundárias foi um momento fundador, e irreprimível deste novo desígnio; mostrou recear a dinâmica de exigência e responsabilidade que, doravante, pais e alunos vão exercer sobre as escolas; e menosprezou o pundonor dos professores e o seu amor à camisola.

Bem se vê que não precisamos da terceira escolha de um Governo velho, mas da primeira escolha de um Governo novo.

mpantao@psd.parlamento.pt

A terceira escolha

Patinha Antão

«Poderá Guterres regenerar-se, passar a liderar de facto os ministros, sujeitar a dieta rigorosa os lóbis orçamentais que lautamente alimentou e assumir 'mea culpa' pela quebra do poder de compra que provocou? Será o guterrismo capaz de se negar a si próprio, rodando 180 graus? E haverá no seu código genético a vontade férrea necessária para liderar a retoma da economia (...) quando não demonstrou tê-la para emendar a má governação que fez na fase, mais fácil, da expansão económica?»

O ACTUAL Governo é a terceira escolha do eng. Guterres. A frase, embora seja uma verdade factual, sugere um significado pejorativo.

Todavia, sugerir não é afirmar, é, apenas, apontar um caminho de dúvidas, reversíveis ou confirmáveis, pela evidência «a posteriori».

Não seria intelectualmente honesto afirmá-lo, optando por variantes da frase, essas sim, verdadeiros veredictos, tais como «… é de terceira escolha» ou «… é uma escolha de terceira».

«A priori», não se pode negar, ao eng. Guterres, a possibilidade de se regenerar; nem aos novos ministros, «malgré» Guterres, a possibilidade de serem melhores ministros que os antecessores.

Por outro lado, não seria politicamente inteligente fazê-lo, porque o guterrismo é hábil a reparar estragos e a gerir expectativas.

Repare-se que a degradação da imagem, com que saíram os ministros substituídos na trapalhada da remodelação, baixou de tal forma as expectativas que, se este terceiro Governo vier a fazer qualquer coisa de acertado, mesmo que também seja gato, poderá passar por lebre.

A sugestão, e não a afirmação, é pois o que é apropriado. Exploremos o seu caminho de dúvidas.

Poderá Guterres regenerar-se, isto é, passar a liderar de facto os ministros, sujeitar a dieta rigorosa os lóbis orçamentais que lautamente alimentou e assumir «mea culpa» pela quebra do poder de compra salarial que provocou ?

Será o guterrismo capaz de se negar a si próprio, rodando 180 graus?

E haverá no seu código genético a vontade férrea necessária para liderar a retoma da economia - a «vexata questio» que dominará o próximo futuro - quando não demonstrou tê-la para emendar a má governação que fez na fase, mais fácil, da expansão económica?

As esperanças de regeneração no quadro da acção são, pois, diminutas. E não parecem melhores quanto à utilização do discurso para gerar novas ilusões.

Com efeito, o léxico de Guterres, de tão volúvel, está tão gasto que já nem os seus intérpretes mais imaginativos conseguem regenerá-lo.

Veja-se, por exemplo, a trapalhada semântica em que se deixou enredar a dra. Edite Estrela, ainda por cima filóloga, na sua entrevista a «O Diabo», em 28 de Agosto.

Disse ela - a propósito de Guterres ter anunciado, há um ano, na «rentrée» política, que iria encetar um novo ciclo - que, «à partida, um novo ciclo tem a duração de um mandato, mas as conjunturas sucedem-se de tal maneira que as expressões perdem o seu significado profundo e acabamos por ter mais que um ciclo».

Repare-se que nisto de prosélitos de Guterres, vamos também já na terceira escolha.

E que distância vai de António Barreto (que descobriu há três anos que Guterres não era o que prometia ser) a Manuel Carrilho (que só descobriu que tudo era lânguido e a Nova Maioria uma treta, quando saiu do Governo)!

E que distância, ainda maior vai deste a Eduardo Prado Coelho (cuja natureza não o preparou para a descoberta, mas para a lisonja)!

Mas sendo Guterres incapaz de se regenerar - e os actuais prosélitos incapazes de lhe recriar a retórica do discurso -, pode-se, ao menos, esperar que os novos ministros sejam melhores que os seus antecessores ?

Sim, se apenas os compararmos com os seus antecessores imediatos que se revelaram autênticos fracassos.

Assim, Correia de Campos não terá dificuldade em ser considerado melhor do que Manuela Arcanjo; Oliveira Martins do que Pina Moura; Júlio Pedrosa do que Santos Silva; e Santos Silva do que José Sasportes.

Obviamente, tal comparação é meramente ilusória.

A comparação que realmente interessa é entre o que eles possam fazer e o que o país precisa que eles façam.

Admitamos a melhor das hipóteses, isto é, que os seus talentos estão à altura desse imperativo.

Que possibilidades terão, porém, de os traduzir em acção, à míngua de apoio do primeiro-ministro, arrastados pelas lutas intestinas dos seus putativos sucessores e sob a pressão glutona do adiposo aparelho que os cerca ?

E pior do que isso, não estarão eles próprios do lado errado do novo desígnio de que o país precisa e que o guterrismo foi incapaz de formular ?

Minguar e melhorar o Estado, pelos princípios da subsidariedade e eficácia, e acreditar que cidadãos mais livres e melhor informados são capazes de criar uma melhor sociedade do que o Estado, mais livre, responsável, rica e justa, do que o Estado - eis a linha divisória.

Uma imagem vale por mil palavras.

Júlio Pedrosa, na TV, revelou que não percebeu que a publicação do «ranking» das escolas secundárias foi um momento fundador, e irreprimível deste novo desígnio; mostrou recear a dinâmica de exigência e responsabilidade que, doravante, pais e alunos vão exercer sobre as escolas; e menosprezou o pundonor dos professores e o seu amor à camisola.

Bem se vê que não precisamos da terceira escolha de um Governo velho, mas da primeira escolha de um Governo novo.

mpantao@psd.parlamento.pt

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