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09-07-2001
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30 de Maio

Editorial: Camisa de onze varas

Com o voluntarismo que a caracteriza, Edite Estrela lançou a dúvida inoportuna: afinal, com quem pensa António Guterres aprovar o próximo Orçamento de Estado? É óbvio que o primeiro-ministro não sabe, pois está, como sempre esteve, disponível para um qualquer negócio que lhe seja vantajoso. E que, de preferência, seja de ocasião. por Raul Vaz E como a ocasião cria condições para a solução, Guterres achou por bem não satisfazer a dúvida de Edite. É evidente a questão divide o partido e o Governo. São conhecidas as posições de ministros como Ferro Rodrigues e Pina Moura - claramente apologistas de uma negociação à esquerda, preferencialmente com o PCP -, contrárias à abrangência manifestada por outros responsáveis - e expressa numa frase atribuída a José Sócrates por um membro do Secretariado socialista: «É muito bonito isso dos princípios, mas quando chega a hora de resolver os problemas quem está cá somos nós». Pois é. A frase poderia ser subscrita por outros membros do Governo, como Guilherme d'Oliveira Martins e, naturalmente, António Guterres. As divergências manifestadas segunda-feira, no Secretariado, não devem surpreender o observador comum. Vai ser assim, em crescendo, umas vezes com amplificação pública, outras através de ressonâncias estratégicas. O grau de intensidade dependerá da importância que pessoas como Edite Estrela julgam merecer. Do colectivo e, particularmente, de Guterres. A intervenção da 'guterrista' Edite teve, contudo, uma vantagem. Para quem, como ela, tivesse dúvidas - o que não significa, no caso da própria, que fiquem definitivamente dissipadas - há quem, no Governo, tenha capacidade e coragem para assumir riscos em matérias politicamente substantivas. Como o Orçamento do Estado, que Ferro Rodrigues definiu dever ser negociado à esquerda, envolvendo no processo o partido que aprovou a reforma fiscal. A opção, com custos que poderão levar à ruptura, faz sentido e tem consistência política - com consequências que têm de ser avaliadas em função das reformas que o país necessita. Não é a opção de António Guterres, ao deixar claro que pretende «manter em aberto todas as possibilidades». No fundo, a incontinência de Edite Estrela veio confirmar a disponibilidade do primeiro-ministro para repetir o episódio do último Orçamento. Com o mesmo actor convidado ou um outro que queira mostrar aos seus eleitores, e sobretudo a si próprio, que é importante. Guterres está safo, vai haver Orçamento. E só não é com Edite Estrela porque o seu voto não conta para o desempate. É uma pena não se ter falado de outras transferências na atribulada reunião do renovado Secretariado socialista. Lembram-se do empenho pessoal do primeiro-ministro na recuperação política do injustiçado ex-ministro do Desporto? Guterres e Coelho ergueram-no, limparam a mancha da fundação, fizeram de Armando Vara ponta-de-lança da estratégia autárquica. Vara acaba, pouco meses depois, por trocar a generosidade dos seus protectores por um lugar na administração do Benfica. A atitude do ex-ministro do Desporto é um exemplo da realidade - António Guterres safa-se, ao mesmo tempo que vai colocando o PS numa 'camisa de onze varas'. E já é tarde para arrepiar caminho. rvaz@economica.iol.pt

URL deste artigo: http://noticias.sapo.pt/artigos/CDFGIJ,cjfeeb.html

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Editorial: Camisa de onze varas

Com o voluntarismo que a caracteriza, Edite Estrela lançou a dúvida inoportuna: afinal, com quem pensa António Guterres aprovar o próximo Orçamento de Estado? É óbvio que o primeiro-ministro não sabe, pois está, como sempre esteve, disponível para um qualquer negócio que lhe seja vantajoso. E que, de preferência, seja de ocasião. por Raul Vaz E como a ocasião cria condições para a solução, Guterres achou por bem não satisfazer a dúvida de Edite. É evidente a questão divide o partido e o Governo. São conhecidas as posições de ministros como Ferro Rodrigues e Pina Moura - claramente apologistas de uma negociação à esquerda, preferencialmente com o PCP -, contrárias à abrangência manifestada por outros responsáveis - e expressa numa frase atribuída a José Sócrates por um membro do Secretariado socialista: «É muito bonito isso dos princípios, mas quando chega a hora de resolver os problemas quem está cá somos nós». Pois é. A frase poderia ser subscrita por outros membros do Governo, como Guilherme d'Oliveira Martins e, naturalmente, António Guterres. As divergências manifestadas segunda-feira, no Secretariado, não devem surpreender o observador comum. Vai ser assim, em crescendo, umas vezes com amplificação pública, outras através de ressonâncias estratégicas. O grau de intensidade dependerá da importância que pessoas como Edite Estrela julgam merecer. Do colectivo e, particularmente, de Guterres. A intervenção da 'guterrista' Edite teve, contudo, uma vantagem. Para quem, como ela, tivesse dúvidas - o que não significa, no caso da própria, que fiquem definitivamente dissipadas - há quem, no Governo, tenha capacidade e coragem para assumir riscos em matérias politicamente substantivas. Como o Orçamento do Estado, que Ferro Rodrigues definiu dever ser negociado à esquerda, envolvendo no processo o partido que aprovou a reforma fiscal. A opção, com custos que poderão levar à ruptura, faz sentido e tem consistência política - com consequências que têm de ser avaliadas em função das reformas que o país necessita. Não é a opção de António Guterres, ao deixar claro que pretende «manter em aberto todas as possibilidades». No fundo, a incontinência de Edite Estrela veio confirmar a disponibilidade do primeiro-ministro para repetir o episódio do último Orçamento. Com o mesmo actor convidado ou um outro que queira mostrar aos seus eleitores, e sobretudo a si próprio, que é importante. Guterres está safo, vai haver Orçamento. E só não é com Edite Estrela porque o seu voto não conta para o desempate. É uma pena não se ter falado de outras transferências na atribulada reunião do renovado Secretariado socialista. Lembram-se do empenho pessoal do primeiro-ministro na recuperação política do injustiçado ex-ministro do Desporto? Guterres e Coelho ergueram-no, limparam a mancha da fundação, fizeram de Armando Vara ponta-de-lança da estratégia autárquica. Vara acaba, pouco meses depois, por trocar a generosidade dos seus protectores por um lugar na administração do Benfica. A atitude do ex-ministro do Desporto é um exemplo da realidade - António Guterres safa-se, ao mesmo tempo que vai colocando o PS numa 'camisa de onze varas'. E já é tarde para arrepiar caminho. rvaz@economica.iol.pt

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