EXPRESSO: Vidas

25-02-2002
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PESSOAS Pioneira Traje de engenheira Foi a primeira mulher no Técnico e a segunda engenheira portuguesa

Texto de Ana Serzedelo

JORGE SIMÃO A engenheira actualmente Numa época em que as mulheres estão em maioria em quase todas as universidades torna-se difícil imaginar alguma onde os homens têm apenas uma colega. Se para os jovens de hoje esse cenário é de quase ficção científica, Maria Amélia Almeida Fernandes é a prova de que o ensino superior já foi quase exclusivamente masculino. Em 1931 tornou-se a primeira aluna do Instituto Superior Técnico e os professores e contínuos achavam que a tinham de proteger. Depois de ultrapassar os entraves que se lhe colocaram - alguns docentes chegaram mesmo a alertá-la para «não perder a mocidade» - Maria Amélia licenciou-se em 1937. Agora, aos 90 anos, conta com simplicidade o seu percurso: entre a universidade, as obras e a família. Numa época em que as mulheres estão em maioria em quase todas as universidades torna-se difícil imaginar alguma onde os homens têm apenas uma colega. Se para os jovens de hoje esse cenário é de quase ficção científica, Maria Amélia Almeida Fernandes é a prova de que o ensino superior já foi quase exclusivamente masculino. Em 1931 tornou-se a primeira aluna do Instituto Superior Técnico e os professores e contínuos achavam que a tinham de proteger. Depois de ultrapassar os entraves que se lhe colocaram - alguns docentes chegaram mesmo a alertá-la para- Maria Amélia licenciou-se em 1937. Agora, aos 90 anos, conta com simplicidade o seu percurso: entre a universidade, as obras e a família. A engenharia surgiu naturalmente e com o apoio incondicional do pai, general das forças armadas e autor de obras de táctica militar. No Técnico é que a decisão não foi tão bem aceite. Os professores hesitaram em considerar a sua candidatura mas, como nada podiam fazer, esperaram que talvez chumbasse. Fez o exame de entrada com o irmão - que não passou - e foi admitida. Por um lado, pensa que foi melhor o irmão só ter entrado no ano seguinte. É que os alunos mais velhos metiam-se com ela e os instintos fraternais poderiam ter provocado «cenas de pancadaria». Como resolveu não ligar, acabaram por se habituar. No primeiro dia de aulas ia aterrorizada mas rapidamente se integrou. Amélia teve logo a preocupação de se misturar com os seus colegas de curso, estudando com eles. Ainda hoje, sublinha, «tem amigos e não amigas». Maria Amélia com os seus colegas de curso no dia da formatura O seu reino de única rapariga no Técnico terminou no terceiro ano lectivo. Entraram então mais duas alunas: uma que morreu antes de acabar o curso e Margarida Gago que viria a tornar-se a primeira assistente. O seu reino de única rapariga no Técnico terminou no terceiro ano lectivo. Entraram então mais duas alunas: uma que morreu antes de acabar o curso e Margarida Gago que viria a tornar-se a primeira assistente. Actualmente, no curso de Engenharia Civil do Técnico o rácio é em média de cinco rapazes para uma rapariga. Mas há coisas que não mudaram assim tanto. Sofia Aguiar, finalista do curso, diz que nos trabalhos de grupo já se habituou a ser sempre a única rapariga entre seis ou sete rapazes. Ainda assim, no Técnico, este é dos cursos com presença feminina mais marcada. Em engenharia aeronáutica, no ano passado, entrou uma rapariga em trinta alunos. Não é por acaso que ainda hoje se diz que as mulheres do técnico têm bigode. Quando Maria Amélia se licenciou, em 1937, tornou-se a segunda engenheira portuguesa. A primeira, Maria Manuela Morais Sarmento, formou-se em 1894, no Instituto Politécnico do Porto, mas nunca chegou a exercer. Quando Amélia concluiu o curso, ainda havia mais empregos que engenheiros. A Câmara Municipal de Lisboa tinha muito má fama mas a engenheira decidiu que para ela era o ideal, porque não queria tornar-se conhecida. Tendo em conta a parte prática do trabalho camarário, mais uma vez disseram-lhe que era difícil. Colocaram-na num gabinete de revisão e aprovação de projectos mas o que queria era ir para as obras. Após algumas manobras infrutíferas dirigiu-se directamente ao presidente da Câmara que reagiu com espanto. «Oh, menina, mas que ideia ir para as obras! Lembre-se que anda lá por cima e os homens cá por baixo». Ao que Maria Amélia respondeu, «senhor general, pode ter a certeza de que eu arranjo traje próprio». Passou então o ano seguinte nos estaleiros, em fiscalização. Quando chegava «era engraçadíssimo, pois perguntavam-me logo: o que quer a menina?» Mas, depois, quando viam nela um engenheiro interessado, tudo o resto era indiferente e, acabados os trabalhos, já ninguém se ria. O diploma assinado por Duarte Pacheco Ainda hoje a opção das obras é a mais difícil para as raparigas. Nas construtoras civis, «se houver um rapaz e uma rapariga empatados para um mesmo lugar, acabam por escolher o rapaz» conta Sofia Aguiar. Depende da empresa, e é superável, mas os preconceitos ainda existem. Ainda hoje a opção das obras é a mais difícil para as raparigas. Nas construtoras civis,conta Sofia Aguiar. Depende da empresa, e é superável, mas os preconceitos ainda existem. Maria Amélia quando desempenhava as funções de fiscal camarária chegou a pensar em dar aulas, já que na Câmara o ordenado não era famoso. Soube então que a Escola Machado de Castro procurava um professor de Matemática que fosse engenheiro... do sexo feminino. Como era a única do país, tudo parecia óbvio. Só que o director da Machado de Castro tinha entregue um projecto para fazer obras na escola que necessitava da aprovação de Maria Amélia. A engenheira não achou piada à coincidência e chumbou os dois projectos: o das obras e o de ser docente. Ao fim de quase cinco anos decidiu trabalhar por conta própria. A Câmara já não a seduzia. «Eram só projectos dos outros, uma estopada». Financeiramente era um risco porque o salário representava segurança e nessa altura o marido, que era oficial, estava a fazer o curso do Estado-Maior do Exército. As suas vidas eram de trabalho, «chapa ganha chapa gasta». Durante perto de três anos, fez cálculos de prédios, de prisões, depois é que começou na construção. Em Lisboa edificou dois prédios: na Rua Castilho e na Avenida da República. Da vida na construção civil não faltam episódios caricatos com operários. Uma vez chegou a uma obra e subiu logo ao primeiro andar. Como não estava ninguém, aproximou-se de uma janela e espreitou para a rua onde estavam os operários a beber numa taberna. «Olha, lá está a gaja», gritou um dos homens. A actual finalista de engenharia civil Sofia Aguiar Nunca foi medrosa, mas viveu momentos difíceis. Já com sessenta e tal anos associou-se a dois construtores civis num empreendimento feito de raiz, no bairro da Assunção, em Cascais. Além de percorrer sozinha a Marginal, às seis da manhã, tinha de lutar para que as suas ideias fossem aceites. Os homens que faziam as armaduras eram trabalhadores «de pé descalço» e não recebiam ordens de uma mulher de ânimo leve. Para evitar problemas, Maria Amélia não os deixava fazer sozinhos as armaduras. Custava-lhe mais mandá-los desfazer. Sendo assim, optava por «ajudá-los a fazê-las de raiz». Era mais fácil e mais prático. Mas Maria Amélia não era uma engenheira convencional e gostava de conviver com os operários. Não era comum mas funcionava. O seu círculo de amigos passou muito pelos empreiteiros e mestres de obras com quem trabalhava. Estes foram os seus grandes amigos e com alguns ainda mantém contacto. Nunca foi medrosa, mas viveu momentos difíceis. Já com sessenta e tal anos associou-se a dois construtores civis num empreendimento feito de raiz, no bairro da Assunção, em Cascais. Além de percorrer sozinha a Marginal, às seis da manhã, tinha de lutar para que as suas ideias fossem aceites. Os homens que faziam as armaduras eram trabalhadores «de pé descalço» e não recebiam ordens de uma mulher de ânimo leve. Para evitar problemas, Maria Amélia não os deixava fazer sozinhos as armaduras. Custava-lhe mais mandá-los desfazer. Sendo assim, optava porEra mais fácil e mais prático. Mas Maria Amélia não era uma engenheira convencional e gostava de conviver com os operários. Não era comum mas funcionava. O seu círculo de amigos passou muito pelos empreiteiros e mestres de obras com quem trabalhava. Estes foram os seus grandes amigos e com alguns ainda mantém contacto. Ultrapassados os preconceitos laborais, que parecia o mais difícil, surgiam os problemas com o sociedade conservadora que reinava no país. Sempre que precisava, por exemplo, de recorrer à banca apareciam-lhe entraves mais complicados do que um pilar torto numa obra. Chegou a perder negócios porque os bancos só lhe financiavam metade do dinheiro que precisava. «Se fosse homem tinha feito uma fortuna», pois podia ter construído muito mais, já que se estava numa época em que os novos bairros surgiam um pouco por toda a Lisboa. «Foi uma vida de trabalho. Cheguei a perder noites a fazer os cálculos». Não se arrepende do seu passado, mas gostava de ter tido mais disponibilidade e dinheiro que lhe tivessem permitido fazer outras coisas «mais de observação, de estudo». Mas a vida não deixou. A sua última obra, há meia dúzia de anos, foi a do terraço do prédio onde vive. Naturalmente, a engenheira assumiu a supervisão dos trabalhos. «Estava lá em cima todos os dias antes das oito. Com a minha idade!» Com noventa anos feitos este ano, conta que nunca trabalhou com computadores, mas agora «que está um bocadinho mais disponível, talvez se dedique a aprender». Para se distrair.

«O homem do meu século» Na construção de uma das suas obras O período em que Maria Amélia Almeida Fernandes esteve na Câmara, entre 1937 e 1942, foi único. Após uma passagem pelo Governo, nas Obras Públicas, Duarte Pacheco foi presidir aos destinos do município, a partir de 1939. Sendo a sua segunda passagem nesse cargo, tinha exigido a Salazar que «não metesse o nariz onde não era chamado». A engenheira recorda histórias da convivência com aquele que considera «o homem do meu século». O que lhe interessava era executar. Se houvesse um prédio no lugar onde queria fazer passar uma estrada, nada o demovia. Nunca fazia concursos público. Foi aí que a engenheira conheceu o marido, o futuro Brigadeiro Almeida Fernandes. Casaram em 1939. Já nos anos 50, Maria Amélia estava a trabalhar por conta própria, o presidente da Câmara de Lisboa, Salvação Barreto, decidiu sanear a autarquia e chamou o marido de Maria Amélia para chefiar a área de urbanização. O período em que Maria Amélia Almeida Fernandes esteve na Câmara, entre 1937 e 1942, foi único. Após uma passagem pelo Governo, nas Obras Públicas, Duarte Pacheco foi presidir aos destinos do município, a partir de 1939. Sendo a sua segunda passagem nesse cargo, tinha exigido a Salazar que «não metesse o nariz onde não era chamado». A engenheira recorda histórias da convivência com aquele que considera «o homem do meu século». O que lhe interessava era executar. Se houvesse um prédio no lugar onde queria fazer passar uma estrada, nada o demovia. Nunca fazia concursos público. Foi aí que a engenheira conheceu o marido, o futuro Brigadeiro Almeida Fernandes. Casaram em 1939. Já nos anos 50, Maria Amélia estava a trabalhar por conta própria, o presidente da Câmara de Lisboa, Salvação Barreto, decidiu sanear a autarquia e chamou o marido de Maria Amélia para chefiar a área de urbanização. Em 1954, Almeida Fernandes foi para o governo, assumir a pasta do Exército. Em Abril de 1961, Almeida Fernandes juntou-se a Botelho Moniz, ministro da Defesa, para conspirarem contra o regime. Os tempos que se seguem constituem o «período mais difícil» da sua vida. Almeida Fernandes é exonerado logo de seguida e têm problemas com a PIDE. É só em 74 que, graças a Costa Gomes, sub-secretário do Exército quando Almeida Fernandes era ministro, que é reintegrado no Exército e destacado para dirigir os Serviço Sociais do Exército.

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PESSOAS Pioneira Traje de engenheira Foi a primeira mulher no Técnico e a segunda engenheira portuguesa

Texto de Ana Serzedelo

JORGE SIMÃO A engenheira actualmente Numa época em que as mulheres estão em maioria em quase todas as universidades torna-se difícil imaginar alguma onde os homens têm apenas uma colega. Se para os jovens de hoje esse cenário é de quase ficção científica, Maria Amélia Almeida Fernandes é a prova de que o ensino superior já foi quase exclusivamente masculino. Em 1931 tornou-se a primeira aluna do Instituto Superior Técnico e os professores e contínuos achavam que a tinham de proteger. Depois de ultrapassar os entraves que se lhe colocaram - alguns docentes chegaram mesmo a alertá-la para «não perder a mocidade» - Maria Amélia licenciou-se em 1937. Agora, aos 90 anos, conta com simplicidade o seu percurso: entre a universidade, as obras e a família. Numa época em que as mulheres estão em maioria em quase todas as universidades torna-se difícil imaginar alguma onde os homens têm apenas uma colega. Se para os jovens de hoje esse cenário é de quase ficção científica, Maria Amélia Almeida Fernandes é a prova de que o ensino superior já foi quase exclusivamente masculino. Em 1931 tornou-se a primeira aluna do Instituto Superior Técnico e os professores e contínuos achavam que a tinham de proteger. Depois de ultrapassar os entraves que se lhe colocaram - alguns docentes chegaram mesmo a alertá-la para- Maria Amélia licenciou-se em 1937. Agora, aos 90 anos, conta com simplicidade o seu percurso: entre a universidade, as obras e a família. A engenharia surgiu naturalmente e com o apoio incondicional do pai, general das forças armadas e autor de obras de táctica militar. No Técnico é que a decisão não foi tão bem aceite. Os professores hesitaram em considerar a sua candidatura mas, como nada podiam fazer, esperaram que talvez chumbasse. Fez o exame de entrada com o irmão - que não passou - e foi admitida. Por um lado, pensa que foi melhor o irmão só ter entrado no ano seguinte. É que os alunos mais velhos metiam-se com ela e os instintos fraternais poderiam ter provocado «cenas de pancadaria». Como resolveu não ligar, acabaram por se habituar. No primeiro dia de aulas ia aterrorizada mas rapidamente se integrou. Amélia teve logo a preocupação de se misturar com os seus colegas de curso, estudando com eles. Ainda hoje, sublinha, «tem amigos e não amigas». Maria Amélia com os seus colegas de curso no dia da formatura O seu reino de única rapariga no Técnico terminou no terceiro ano lectivo. Entraram então mais duas alunas: uma que morreu antes de acabar o curso e Margarida Gago que viria a tornar-se a primeira assistente. O seu reino de única rapariga no Técnico terminou no terceiro ano lectivo. Entraram então mais duas alunas: uma que morreu antes de acabar o curso e Margarida Gago que viria a tornar-se a primeira assistente. Actualmente, no curso de Engenharia Civil do Técnico o rácio é em média de cinco rapazes para uma rapariga. Mas há coisas que não mudaram assim tanto. Sofia Aguiar, finalista do curso, diz que nos trabalhos de grupo já se habituou a ser sempre a única rapariga entre seis ou sete rapazes. Ainda assim, no Técnico, este é dos cursos com presença feminina mais marcada. Em engenharia aeronáutica, no ano passado, entrou uma rapariga em trinta alunos. Não é por acaso que ainda hoje se diz que as mulheres do técnico têm bigode. Quando Maria Amélia se licenciou, em 1937, tornou-se a segunda engenheira portuguesa. A primeira, Maria Manuela Morais Sarmento, formou-se em 1894, no Instituto Politécnico do Porto, mas nunca chegou a exercer. Quando Amélia concluiu o curso, ainda havia mais empregos que engenheiros. A Câmara Municipal de Lisboa tinha muito má fama mas a engenheira decidiu que para ela era o ideal, porque não queria tornar-se conhecida. Tendo em conta a parte prática do trabalho camarário, mais uma vez disseram-lhe que era difícil. Colocaram-na num gabinete de revisão e aprovação de projectos mas o que queria era ir para as obras. Após algumas manobras infrutíferas dirigiu-se directamente ao presidente da Câmara que reagiu com espanto. «Oh, menina, mas que ideia ir para as obras! Lembre-se que anda lá por cima e os homens cá por baixo». Ao que Maria Amélia respondeu, «senhor general, pode ter a certeza de que eu arranjo traje próprio». Passou então o ano seguinte nos estaleiros, em fiscalização. Quando chegava «era engraçadíssimo, pois perguntavam-me logo: o que quer a menina?» Mas, depois, quando viam nela um engenheiro interessado, tudo o resto era indiferente e, acabados os trabalhos, já ninguém se ria. O diploma assinado por Duarte Pacheco Ainda hoje a opção das obras é a mais difícil para as raparigas. Nas construtoras civis, «se houver um rapaz e uma rapariga empatados para um mesmo lugar, acabam por escolher o rapaz» conta Sofia Aguiar. Depende da empresa, e é superável, mas os preconceitos ainda existem. Ainda hoje a opção das obras é a mais difícil para as raparigas. Nas construtoras civis,conta Sofia Aguiar. Depende da empresa, e é superável, mas os preconceitos ainda existem. Maria Amélia quando desempenhava as funções de fiscal camarária chegou a pensar em dar aulas, já que na Câmara o ordenado não era famoso. Soube então que a Escola Machado de Castro procurava um professor de Matemática que fosse engenheiro... do sexo feminino. Como era a única do país, tudo parecia óbvio. Só que o director da Machado de Castro tinha entregue um projecto para fazer obras na escola que necessitava da aprovação de Maria Amélia. A engenheira não achou piada à coincidência e chumbou os dois projectos: o das obras e o de ser docente. Ao fim de quase cinco anos decidiu trabalhar por conta própria. A Câmara já não a seduzia. «Eram só projectos dos outros, uma estopada». Financeiramente era um risco porque o salário representava segurança e nessa altura o marido, que era oficial, estava a fazer o curso do Estado-Maior do Exército. As suas vidas eram de trabalho, «chapa ganha chapa gasta». Durante perto de três anos, fez cálculos de prédios, de prisões, depois é que começou na construção. Em Lisboa edificou dois prédios: na Rua Castilho e na Avenida da República. Da vida na construção civil não faltam episódios caricatos com operários. Uma vez chegou a uma obra e subiu logo ao primeiro andar. Como não estava ninguém, aproximou-se de uma janela e espreitou para a rua onde estavam os operários a beber numa taberna. «Olha, lá está a gaja», gritou um dos homens. A actual finalista de engenharia civil Sofia Aguiar Nunca foi medrosa, mas viveu momentos difíceis. Já com sessenta e tal anos associou-se a dois construtores civis num empreendimento feito de raiz, no bairro da Assunção, em Cascais. Além de percorrer sozinha a Marginal, às seis da manhã, tinha de lutar para que as suas ideias fossem aceites. Os homens que faziam as armaduras eram trabalhadores «de pé descalço» e não recebiam ordens de uma mulher de ânimo leve. Para evitar problemas, Maria Amélia não os deixava fazer sozinhos as armaduras. Custava-lhe mais mandá-los desfazer. Sendo assim, optava por «ajudá-los a fazê-las de raiz». Era mais fácil e mais prático. Mas Maria Amélia não era uma engenheira convencional e gostava de conviver com os operários. Não era comum mas funcionava. O seu círculo de amigos passou muito pelos empreiteiros e mestres de obras com quem trabalhava. Estes foram os seus grandes amigos e com alguns ainda mantém contacto. Nunca foi medrosa, mas viveu momentos difíceis. Já com sessenta e tal anos associou-se a dois construtores civis num empreendimento feito de raiz, no bairro da Assunção, em Cascais. Além de percorrer sozinha a Marginal, às seis da manhã, tinha de lutar para que as suas ideias fossem aceites. Os homens que faziam as armaduras eram trabalhadores «de pé descalço» e não recebiam ordens de uma mulher de ânimo leve. Para evitar problemas, Maria Amélia não os deixava fazer sozinhos as armaduras. Custava-lhe mais mandá-los desfazer. Sendo assim, optava porEra mais fácil e mais prático. Mas Maria Amélia não era uma engenheira convencional e gostava de conviver com os operários. Não era comum mas funcionava. O seu círculo de amigos passou muito pelos empreiteiros e mestres de obras com quem trabalhava. Estes foram os seus grandes amigos e com alguns ainda mantém contacto. Ultrapassados os preconceitos laborais, que parecia o mais difícil, surgiam os problemas com o sociedade conservadora que reinava no país. Sempre que precisava, por exemplo, de recorrer à banca apareciam-lhe entraves mais complicados do que um pilar torto numa obra. Chegou a perder negócios porque os bancos só lhe financiavam metade do dinheiro que precisava. «Se fosse homem tinha feito uma fortuna», pois podia ter construído muito mais, já que se estava numa época em que os novos bairros surgiam um pouco por toda a Lisboa. «Foi uma vida de trabalho. Cheguei a perder noites a fazer os cálculos». Não se arrepende do seu passado, mas gostava de ter tido mais disponibilidade e dinheiro que lhe tivessem permitido fazer outras coisas «mais de observação, de estudo». Mas a vida não deixou. A sua última obra, há meia dúzia de anos, foi a do terraço do prédio onde vive. Naturalmente, a engenheira assumiu a supervisão dos trabalhos. «Estava lá em cima todos os dias antes das oito. Com a minha idade!» Com noventa anos feitos este ano, conta que nunca trabalhou com computadores, mas agora «que está um bocadinho mais disponível, talvez se dedique a aprender». Para se distrair.

«O homem do meu século» Na construção de uma das suas obras O período em que Maria Amélia Almeida Fernandes esteve na Câmara, entre 1937 e 1942, foi único. Após uma passagem pelo Governo, nas Obras Públicas, Duarte Pacheco foi presidir aos destinos do município, a partir de 1939. Sendo a sua segunda passagem nesse cargo, tinha exigido a Salazar que «não metesse o nariz onde não era chamado». A engenheira recorda histórias da convivência com aquele que considera «o homem do meu século». O que lhe interessava era executar. Se houvesse um prédio no lugar onde queria fazer passar uma estrada, nada o demovia. Nunca fazia concursos público. Foi aí que a engenheira conheceu o marido, o futuro Brigadeiro Almeida Fernandes. Casaram em 1939. Já nos anos 50, Maria Amélia estava a trabalhar por conta própria, o presidente da Câmara de Lisboa, Salvação Barreto, decidiu sanear a autarquia e chamou o marido de Maria Amélia para chefiar a área de urbanização. O período em que Maria Amélia Almeida Fernandes esteve na Câmara, entre 1937 e 1942, foi único. Após uma passagem pelo Governo, nas Obras Públicas, Duarte Pacheco foi presidir aos destinos do município, a partir de 1939. Sendo a sua segunda passagem nesse cargo, tinha exigido a Salazar que «não metesse o nariz onde não era chamado». A engenheira recorda histórias da convivência com aquele que considera «o homem do meu século». O que lhe interessava era executar. Se houvesse um prédio no lugar onde queria fazer passar uma estrada, nada o demovia. Nunca fazia concursos público. Foi aí que a engenheira conheceu o marido, o futuro Brigadeiro Almeida Fernandes. Casaram em 1939. Já nos anos 50, Maria Amélia estava a trabalhar por conta própria, o presidente da Câmara de Lisboa, Salvação Barreto, decidiu sanear a autarquia e chamou o marido de Maria Amélia para chefiar a área de urbanização. Em 1954, Almeida Fernandes foi para o governo, assumir a pasta do Exército. Em Abril de 1961, Almeida Fernandes juntou-se a Botelho Moniz, ministro da Defesa, para conspirarem contra o regime. Os tempos que se seguem constituem o «período mais difícil» da sua vida. Almeida Fernandes é exonerado logo de seguida e têm problemas com a PIDE. É só em 74 que, graças a Costa Gomes, sub-secretário do Exército quando Almeida Fernandes era ministro, que é reintegrado no Exército e destacado para dirigir os Serviço Sociais do Exército.

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