DN

20-12-2000
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Diz-se que foi assim. Mas mesmo que não o tenha sido, a história ficou como um paradigma no imaginário político nacional. O sonho dos que querem fazer alguma coisa de útil pela causa pública passa sempre por esta tentação de tornear as regras impostas pela mesma causa pública. Porque a alternativa, para os que têm pressa, é terem de esbarrar com a burocracia de Estado.

Acontece, porém, que a velocidade de execução que caracterizou, segundo se afirma, Duarte Pacheco só é repetível em ditadura, em estado de calamidade ou no entusiasmo dos dias seguintes a uma revolução. Fora disso, são necessárias regras que garantam transparência e que impeçam que interesses legítimos sejam atropelados.

(Dizem-me os mais velhos que houve quem dançasse no dia do enterro de Duarte Pacheco, de tantos danos sofridos por causa das urgências do ministro...)

Está, então, a democracia estável condenada à ruminação dos aparelhos burocráticos? Visto pelo ângulo dos apressados _ está. Mas o que a democracia estável diz, de essencial, é que a pressa é a solução dos imprevidentes e que a resposta democrática é o planeamento, com tempo e responsabilidade. Porque a pressa, em democracia, é o combustível do disparate e do descaminho de bens públicos _ como exemplarmente demonstrou essa patetice pegada que se chamou Fundação para a Prevenção e Segurança.

Criou-se a fundação para se fazerem rapidamente umas coisas boas para o povo: o primeiro resultado foi o de que, com tanta rapidez, ninguém deu pelo facto de se ter pago pela actuação de um conjunto rock apenas nove vezes mais do que os músicos dizem ter recebido! Mas o pior de tudo é ninguém conseguir perceber para quê, ao certo, se criou a tal fundação - e onde estava o motivo da pressa. Pressa para um concerto rock de estímulo à prevenção rodoviária? Pressa para se colocar à entrada das auto-estradas um cartaz no mínimo intrigante, onde

aparecem os números 50, 90, 120 e se diz para cumprir as velocidades máximas?

(Estes cartazes demonstram tanta inteligência como um programa de rádio que ouvi em 1985 em Cabo Verde e em que o locutor terminava lembrando que os limites de velocidade são de "90 nas estradas e 120 nas auto-estradas"!... - com a diferença de que ninguém gastou fortunas a subvencionar tão bem-intencionado locutor...)

A prevenção rodoviária não se faz com cartazes apressados: muito mais falta fazem os sinais de trânsito e toponímicos, fáceis de pintar e de colocar. Quem entra na auto-estrada não tem de resolver a charada das três velocidades, mais valia que a auto-estrada "dialogasse" com o condutor, dando-lhe indicações que permitam o relaxamento de quem conduz, propondo descansos, distracções e saídas _ mesmo que isso seja a contragosto da empresa concessionária. A prevenção rodoviária passa, como, por exemplo, nos EUA ou Canadá, por um tempo máximo de um mês entre a multa ser passada e o transgressor pagá-la ou reclamar em tribunal num processo expedito e oral. Passa por muitas medidas estruturais - não por cartazes imbecis concebidos e pagos à pressa. Quem inventou esta fundação faz lembrar a história do simplório que vê a mulher de lábios pintados. "Para que é isso?" "Para ficar mais bonita?" "Então porque é que não ficas?"

Armando Vara e Luís Patrão não precisavam de sair do Governo beliscados na sua honorabilidade por causa da tal fundação. Deviam ter saído do Governo apenas por esta lhana e simples razão: não tinham a mínima ideia do que estavam para ali a fazer...

Oscar Mascarenhas é redactor principal do DN e assina esta coluna às quartas-feiras

Diz-se que foi assim. Mas mesmo que não o tenha sido, a história ficou como um paradigma no imaginário político nacional. O sonho dos que querem fazer alguma coisa de útil pela causa pública passa sempre por esta tentação de tornear as regras impostas pela mesma causa pública. Porque a alternativa, para os que têm pressa, é terem de esbarrar com a burocracia de Estado.

Acontece, porém, que a velocidade de execução que caracterizou, segundo se afirma, Duarte Pacheco só é repetível em ditadura, em estado de calamidade ou no entusiasmo dos dias seguintes a uma revolução. Fora disso, são necessárias regras que garantam transparência e que impeçam que interesses legítimos sejam atropelados.

(Dizem-me os mais velhos que houve quem dançasse no dia do enterro de Duarte Pacheco, de tantos danos sofridos por causa das urgências do ministro...)

Está, então, a democracia estável condenada à ruminação dos aparelhos burocráticos? Visto pelo ângulo dos apressados _ está. Mas o que a democracia estável diz, de essencial, é que a pressa é a solução dos imprevidentes e que a resposta democrática é o planeamento, com tempo e responsabilidade. Porque a pressa, em democracia, é o combustível do disparate e do descaminho de bens públicos _ como exemplarmente demonstrou essa patetice pegada que se chamou Fundação para a Prevenção e Segurança.

Criou-se a fundação para se fazerem rapidamente umas coisas boas para o povo: o primeiro resultado foi o de que, com tanta rapidez, ninguém deu pelo facto de se ter pago pela actuação de um conjunto rock apenas nove vezes mais do que os músicos dizem ter recebido! Mas o pior de tudo é ninguém conseguir perceber para quê, ao certo, se criou a tal fundação - e onde estava o motivo da pressa. Pressa para um concerto rock de estímulo à prevenção rodoviária? Pressa para se colocar à entrada das auto-estradas um cartaz no mínimo intrigante, onde

aparecem os números 50, 90, 120 e se diz para cumprir as velocidades máximas?

(Estes cartazes demonstram tanta inteligência como um programa de rádio que ouvi em 1985 em Cabo Verde e em que o locutor terminava lembrando que os limites de velocidade são de "90 nas estradas e 120 nas auto-estradas"!... - com a diferença de que ninguém gastou fortunas a subvencionar tão bem-intencionado locutor...)

A prevenção rodoviária não se faz com cartazes apressados: muito mais falta fazem os sinais de trânsito e toponímicos, fáceis de pintar e de colocar. Quem entra na auto-estrada não tem de resolver a charada das três velocidades, mais valia que a auto-estrada "dialogasse" com o condutor, dando-lhe indicações que permitam o relaxamento de quem conduz, propondo descansos, distracções e saídas _ mesmo que isso seja a contragosto da empresa concessionária. A prevenção rodoviária passa, como, por exemplo, nos EUA ou Canadá, por um tempo máximo de um mês entre a multa ser passada e o transgressor pagá-la ou reclamar em tribunal num processo expedito e oral. Passa por muitas medidas estruturais - não por cartazes imbecis concebidos e pagos à pressa. Quem inventou esta fundação faz lembrar a história do simplório que vê a mulher de lábios pintados. "Para que é isso?" "Para ficar mais bonita?" "Então porque é que não ficas?"

Armando Vara e Luís Patrão não precisavam de sair do Governo beliscados na sua honorabilidade por causa da tal fundação. Deviam ter saído do Governo apenas por esta lhana e simples razão: não tinham a mínima ideia do que estavam para ali a fazer...

Oscar Mascarenhas é redactor principal do DN e assina esta coluna às quartas-feiras

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