EXPRESSO: Opinião

26-02-2002
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O pregador e a pregação

«O que o PSD tem que mostrar é simples: que tem intérpretes qualificados, prioridades claras, e programa consistente para resolver os problemas que o PS adiou. Não se contentar em chegar ao poder: ser, efectivamente, poder.»

CHEGAR a primeiro-ministro pode até ser uma coisa fácil. Difícil, é ser primeiro-ministro. E então, em condições económicas e sociais adversas, ser primeiro-ministro não é difícil, é dificílimo.

Quando chegou a primeiro-ministro, Guterres enfrentou num dos seus primeiros actos públicos uma manifestação de protesto em Guimarães. Doce e insinuante como um gato de veludo, sorriu e cumprimentou os manifestantes, prometeu diálogo e soluções. Perante as televisões, disse: «Se fosse o Cavaco, mandava a polícia de choque; eu dialogo convosco».

Chegar a primeiro-ministro foi fácil.

Durante seis anos, governou inspirado no aforismo do antiquíssimo filósofo chinês Lao Tseu : «É do não agir que resulta toda a acção». A 16 de Dezembro, a casa desmoronou-se. Invocou a vizinhança do pântano e partiu. Deixou, no PS, uma legião em choque: uns tristes, outros descontentes, muitos desconsolados, quase todos arrependidos.

Ser primeiro-ministro não foi tão fácil. Cumpria-se a profecia de Talleyrand: «Na vida, é fácil chegar, o difícil é partir».

Já há meses, Marcelo Rebelo de Sousa usara na TVI uma imagem premonitória: antecipando a desagregação do Governo, aconselhava o PSD a preparar-se para ser alternativa, a fim de que, chegada a hora, os portugueses não escolhessem entre o nada e o vazio. Avisou: «Não basta esperar que o poder caia do quinto andar».

Há a ilusão de que o poder já caiu ao PSD do quinto andar. Ora não caiu. Para o conquistar, é preciso um projecto claro e mobilizador que convença os eleitores de que vale a pena confiarem-lhe uma maioria de governo.

Porque se o PSD ou o PS não tiverem em Março maioria absoluta, o próximo acto eleitoral será apenas um simples intervalo de tempo, um trânsito, um compasso de espera para novas eleições dentro de um ou dois anos.

O PSD tem a seu favor a dinâmica de vitória que foi mérito integral dos seus autarcas. Eles projectaram o partido para a ambição de pedir ao país a maioria, e ao líder cabe ser o protagonista dessa ambição.

O que o PSD tem que mostrar é simples: que tem intérpretes qualificados, prioridades claras, e programa consistente para resolver os problemas que o PS adiou. Não se contentar em chegar ao poder: ser, efectivamente, poder.

O que deve evitar também é simples: não repetir o pior do PS. Um exemplo? Não permitir que circulem nos media, atribuídas a fontes qualificadas do partido, listas detalhadas de futuros ocupantes de lugares de topo nas administrações de empresas públicas. Ainda não há festa, e já há foguetes, ainda não há batalha, mas já há despojos. Para travar estes erros, não basta a omissão ou o silêncio, que é o pior dos pecados. É preciso assegurar que não vai ser assim. E cortar, cerce, as asas à legião de mariposas que já esvoaçam, atraídas pelo perfume do poder.

Cabe ao líder do PSD dar um sinal enérgico, travando esta euforia desbragada. É certo que ele já apelou à humildade do partido. Pelos vistos, foi pouco. Não chega que no ar fiquem os ecos do pregador. É preciso que nos homens fiquem as marcas da pregação.

O pregador e a pregação

«O que o PSD tem que mostrar é simples: que tem intérpretes qualificados, prioridades claras, e programa consistente para resolver os problemas que o PS adiou. Não se contentar em chegar ao poder: ser, efectivamente, poder.»

CHEGAR a primeiro-ministro pode até ser uma coisa fácil. Difícil, é ser primeiro-ministro. E então, em condições económicas e sociais adversas, ser primeiro-ministro não é difícil, é dificílimo.

Quando chegou a primeiro-ministro, Guterres enfrentou num dos seus primeiros actos públicos uma manifestação de protesto em Guimarães. Doce e insinuante como um gato de veludo, sorriu e cumprimentou os manifestantes, prometeu diálogo e soluções. Perante as televisões, disse: «Se fosse o Cavaco, mandava a polícia de choque; eu dialogo convosco».

Chegar a primeiro-ministro foi fácil.

Durante seis anos, governou inspirado no aforismo do antiquíssimo filósofo chinês Lao Tseu : «É do não agir que resulta toda a acção». A 16 de Dezembro, a casa desmoronou-se. Invocou a vizinhança do pântano e partiu. Deixou, no PS, uma legião em choque: uns tristes, outros descontentes, muitos desconsolados, quase todos arrependidos.

Ser primeiro-ministro não foi tão fácil. Cumpria-se a profecia de Talleyrand: «Na vida, é fácil chegar, o difícil é partir».

Já há meses, Marcelo Rebelo de Sousa usara na TVI uma imagem premonitória: antecipando a desagregação do Governo, aconselhava o PSD a preparar-se para ser alternativa, a fim de que, chegada a hora, os portugueses não escolhessem entre o nada e o vazio. Avisou: «Não basta esperar que o poder caia do quinto andar».

Há a ilusão de que o poder já caiu ao PSD do quinto andar. Ora não caiu. Para o conquistar, é preciso um projecto claro e mobilizador que convença os eleitores de que vale a pena confiarem-lhe uma maioria de governo.

Porque se o PSD ou o PS não tiverem em Março maioria absoluta, o próximo acto eleitoral será apenas um simples intervalo de tempo, um trânsito, um compasso de espera para novas eleições dentro de um ou dois anos.

O PSD tem a seu favor a dinâmica de vitória que foi mérito integral dos seus autarcas. Eles projectaram o partido para a ambição de pedir ao país a maioria, e ao líder cabe ser o protagonista dessa ambição.

O que o PSD tem que mostrar é simples: que tem intérpretes qualificados, prioridades claras, e programa consistente para resolver os problemas que o PS adiou. Não se contentar em chegar ao poder: ser, efectivamente, poder.

O que deve evitar também é simples: não repetir o pior do PS. Um exemplo? Não permitir que circulem nos media, atribuídas a fontes qualificadas do partido, listas detalhadas de futuros ocupantes de lugares de topo nas administrações de empresas públicas. Ainda não há festa, e já há foguetes, ainda não há batalha, mas já há despojos. Para travar estes erros, não basta a omissão ou o silêncio, que é o pior dos pecados. É preciso assegurar que não vai ser assim. E cortar, cerce, as asas à legião de mariposas que já esvoaçam, atraídas pelo perfume do poder.

Cabe ao líder do PSD dar um sinal enérgico, travando esta euforia desbragada. É certo que ele já apelou à humildade do partido. Pelos vistos, foi pouco. Não chega que no ar fiquem os ecos do pregador. É preciso que nos homens fiquem as marcas da pregação.

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