EXPRESSO: Cartaz

19-05-2001
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Do som ao silêncio

União Latina: quatro muito jovens artistas e dois premiados

Ana Ruivo

«Whistling in the Dark», escultura sonora de Rui Toscano

Criado em 1990 com o apoio da CGD e da Gulbenkian, o prémio bienal da União Latina procurou nas primeiras edições promover a obra de jovens pintores (Pedro Calapez, Pedro Proença e Marta Wengorovius). Com a alteração do regulamento em 96, que o constituiu como prémio de artes plásticas, passou a poder apoiar criadores que trabalhassem noutros campos da expressão plástica, premiando Rui Chafes e Patrícia Garrido.

Nesta 6ª edição, o prémio sofreu nova evolução. Com a nomeação de João Onofre, Rui Toscano, Leonor Antunes e Noé Sendas tornou-se clara a opção feita pelo júri (Alexandre Melo, David Santos, Delfim Sardo, João Pinharanda e Nuno Faria) de seleccionar artistas muito jovens e praticamente no início de carreira. Ao nível das manifestações abrangidas também se evidenciou a atenção às áreas da instalação e do vídeo, em consonância com a sua afirmação e progressivo reconhecimento. No que respeita à premiação pelo júri internacional (Rosa Martinez, Teresa Macri, Thierry de Duve, Vicente Todoli e Jorge Molder), abriu-se um precedente igualmente digno de nota: após um demorado exame das obras, a escolha recaiu «ex aequo» sobre Onofre e Toscano.

O vídeo Instrumental Version de João Onofre cria um ambíguo território de união entre som e imagem, questionando a aparente barreira entre o humano e o não humano. A proximidade gerada com os membros do Coro de Câmara da Universidade de Lisboa é quebrada pela poderosa interpretação do tema «The Robbots» do álbum Man-Machine, dos Kraftwerk, grupo alemão que na década de 70 foi pioneiro na afirmação da música electrónica. Onofre explora dois campos em simultâneo: o da humanização da máquina mediante a transcrição das pautas, a sua vocalização e a presença visual dos intérpretes e, paradoxalmente, o da mecanização do homem através da voz trabalhada de forma artificial, automatizada.

Caminhando em silêncio por Debaixo do Mesmo Tecto, encontramos a instalação de Leonor Antunes que recria e subverte elementos sugeridos pelo local, tal como o tinha já feito com o corrimão de madeira que, circundando o espaço expositivo, em 99, era um condutor táctil do olhar para lado nenhum. Agora o tecto da sala é reproduzido no chão obedecendo à mesma definição arquitectónica e revisto na sua função e materiais. O inesperado jogo de espelhos, dá lugar à interrogação «estaremos de pernas para o ar?», enquanto o soalho se torna uma absurda pista de obstáculos a transpor.

O espectador é de novo atraído pelo som... Um assobio, lançado a partir da escultura sonora Whistling in the Dark, de Rui Toscano, conduz a um conjunto de paralelepípedos de cores e dimensões variadas dispostos em desarticulado equilíbrio. Como se fossem peças de um «puzzle», os módulos organizam-se - amarelo, vermelho, azul, preto -, criando combinações espaciais que parecem geradas tanto pelo acaso quanto pelo pensamento. Um rádio-gravador preto (não cor) é o único elemento que emite som. Um sopro que se perde na melodia, a «Internacional», como arranque sem continuidade, a par do descontínuo que a obra globalmente desenha. Nesta estrutura modular aleatória descobrem-se possíveis formas de reorganizar o caos. A segunda obra que o artista expõe exige um diálogo individualizado com o espectador que, colocando auscultadores, partilha da viagem que lhe é proposta no vídeo My Bloody Valentine.

A última sala confronta o espectador com o incómodo silêncio da distância face ao Outro. Apresentando três obras que acabam por funcionar como peças de uma mesma instalação, Noé Sendas continua a mover-se pela encruzilhada do isolamento, da inquietação e da solidão sugerida pela escultura dos corpos humanizados, cobertos e sem rosto visível. As esculturas unem-se na transmissão da ideia de desacerto das figuras a um determinado contexto. Mantendo o anonimato do rosto encarapuçado, os corpos são seres larvares, esquecidos da sua forma humana, porque é impossível estar num soalho vertical, porque se foi posto a um canto como encomenda sem destinatário. A realidade, ainda assim distante, é trazida intencionalmente para o interior da galeria de exposições através do vídeo em que o espectador, ao espreitar através de um buraco na parede, observa três vagabundos, de rosto descoberto, gesticulando num mundo que parece não fazer sentido.

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Do som ao silêncio

União Latina: quatro muito jovens artistas e dois premiados

Ana Ruivo

«Whistling in the Dark», escultura sonora de Rui Toscano

Criado em 1990 com o apoio da CGD e da Gulbenkian, o prémio bienal da União Latina procurou nas primeiras edições promover a obra de jovens pintores (Pedro Calapez, Pedro Proença e Marta Wengorovius). Com a alteração do regulamento em 96, que o constituiu como prémio de artes plásticas, passou a poder apoiar criadores que trabalhassem noutros campos da expressão plástica, premiando Rui Chafes e Patrícia Garrido.

Nesta 6ª edição, o prémio sofreu nova evolução. Com a nomeação de João Onofre, Rui Toscano, Leonor Antunes e Noé Sendas tornou-se clara a opção feita pelo júri (Alexandre Melo, David Santos, Delfim Sardo, João Pinharanda e Nuno Faria) de seleccionar artistas muito jovens e praticamente no início de carreira. Ao nível das manifestações abrangidas também se evidenciou a atenção às áreas da instalação e do vídeo, em consonância com a sua afirmação e progressivo reconhecimento. No que respeita à premiação pelo júri internacional (Rosa Martinez, Teresa Macri, Thierry de Duve, Vicente Todoli e Jorge Molder), abriu-se um precedente igualmente digno de nota: após um demorado exame das obras, a escolha recaiu «ex aequo» sobre Onofre e Toscano.

O vídeo Instrumental Version de João Onofre cria um ambíguo território de união entre som e imagem, questionando a aparente barreira entre o humano e o não humano. A proximidade gerada com os membros do Coro de Câmara da Universidade de Lisboa é quebrada pela poderosa interpretação do tema «The Robbots» do álbum Man-Machine, dos Kraftwerk, grupo alemão que na década de 70 foi pioneiro na afirmação da música electrónica. Onofre explora dois campos em simultâneo: o da humanização da máquina mediante a transcrição das pautas, a sua vocalização e a presença visual dos intérpretes e, paradoxalmente, o da mecanização do homem através da voz trabalhada de forma artificial, automatizada.

Caminhando em silêncio por Debaixo do Mesmo Tecto, encontramos a instalação de Leonor Antunes que recria e subverte elementos sugeridos pelo local, tal como o tinha já feito com o corrimão de madeira que, circundando o espaço expositivo, em 99, era um condutor táctil do olhar para lado nenhum. Agora o tecto da sala é reproduzido no chão obedecendo à mesma definição arquitectónica e revisto na sua função e materiais. O inesperado jogo de espelhos, dá lugar à interrogação «estaremos de pernas para o ar?», enquanto o soalho se torna uma absurda pista de obstáculos a transpor.

O espectador é de novo atraído pelo som... Um assobio, lançado a partir da escultura sonora Whistling in the Dark, de Rui Toscano, conduz a um conjunto de paralelepípedos de cores e dimensões variadas dispostos em desarticulado equilíbrio. Como se fossem peças de um «puzzle», os módulos organizam-se - amarelo, vermelho, azul, preto -, criando combinações espaciais que parecem geradas tanto pelo acaso quanto pelo pensamento. Um rádio-gravador preto (não cor) é o único elemento que emite som. Um sopro que se perde na melodia, a «Internacional», como arranque sem continuidade, a par do descontínuo que a obra globalmente desenha. Nesta estrutura modular aleatória descobrem-se possíveis formas de reorganizar o caos. A segunda obra que o artista expõe exige um diálogo individualizado com o espectador que, colocando auscultadores, partilha da viagem que lhe é proposta no vídeo My Bloody Valentine.

A última sala confronta o espectador com o incómodo silêncio da distância face ao Outro. Apresentando três obras que acabam por funcionar como peças de uma mesma instalação, Noé Sendas continua a mover-se pela encruzilhada do isolamento, da inquietação e da solidão sugerida pela escultura dos corpos humanizados, cobertos e sem rosto visível. As esculturas unem-se na transmissão da ideia de desacerto das figuras a um determinado contexto. Mantendo o anonimato do rosto encarapuçado, os corpos são seres larvares, esquecidos da sua forma humana, porque é impossível estar num soalho vertical, porque se foi posto a um canto como encomenda sem destinatário. A realidade, ainda assim distante, é trazida intencionalmente para o interior da galeria de exposições através do vídeo em que o espectador, ao espreitar através de um buraco na parede, observa três vagabundos, de rosto descoberto, gesticulando num mundo que parece não fazer sentido.

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