A vanguarda (possível) no interior (real)

10-07-2001
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A Vanguarda (Possível) no Interior (Real)

Por JOÃO PINHARANDA

Sábado, 9 de Junho de 2001

Este pequeno volume-catálogo prova que uma cidade como Castelo Branco pode acolher o que nunca viveu: algumas obras do modernismo português.

Fala-se aqui de um texto que é essencialmente algo de estático. Mas sem que se possa deixar de dar primazia à acção que obrigou a existência desse texto. O texto de David Santos, reunido em pequeno volume-catálogo, acompanhou uma acção expositiva em Castelo Branco. Deu-lhe suporte e prolonga-a para além do fecho. Fundamentalmente ajuda-nos a acreditar que, um século ou 50 anos depois de tudo ter acontecido, uma cidade do interior português pode acolher por uns meses no seu museu o que nunca viveu e o que muitas outras, igualmente alheadas das contemporaneidades sucessivas, nunca puderam sequer ver: algumas obras do modernismo português.

Muito pouco na quantidade de produtos e muito pequeno nos tamanhos experimentados - a (sua) qualidade no entanto não se pode tão facilmente quantificar - o que existe testemunhando essa modernidade artística ficou retido em colecções públicas e centralizadas. Foi através delas que esses momentos iniciais se foram libertando da lei da morte a que a sociedade civil (incivilizada) os lançou: em Lisboa, evidentemente, pouco no Porto que só os anos 40 despertariam, em Amarante, pelo acaso da casa de família de Amadeo por aí se situar...

Em Lisboa, a memória dos anos de pioneirismo artístico está no Museu do Chiado e no Centro de Arte Moderna da Gulbenkian. O segundo, instituição privada, é um verdadeiro museu - cuja última montagem libertou da tarefa de ser um mero dicionário cronológico da arte portuguesa para ser uma dinâmica enciclopédia temática ao serviço do ensino e da investigação. O primeiro, tem seguido a ousada estratégia de ser um verdadeiro centro de exposições contemporâneas; o que, devido à escassez nunca resolvida de espaço, o tem desobrigado dos seus deveres como único museu público dos séc. XIX e XX. A urgência desse cumprimento sugeriu a oportunidade de manter viva noutro local a colecção (ou parte dela) ou mesmo de aí duplicar exposições próprias de cronologia mais recente. O local escolhido foi o Museu Tavares Proença Júnior de Castelo Branco, cuja directora desenvolve notável acção local, e as mostras foram até agora duas: a Retrospectiva de Vespeira, em 2000, e a que agora se refere. O comissário de ambas, David Santos.

O texto do livro-catálogo é servido por um excelente grafismo (Vera Velez) e pressegue claros objectivos didácticos. Não se trata de defender teses capazes de romper com a estrutura consolidada nas interpretações de José-Augusto França mas de acolher algumas reinterpretações sectoriais abundantemente apoiadas em textos de Pedro Lapa, como também o poderiam ser, para a época e autores em questão, em António Rodrigues, Helena de Freitas ou Raquel Henriques da Silva, entre outros "novos" autores".

David Santos dá, nomedamente, um maior relevo aos sentidos expressionistas dos anos 30 (embora os lugares de Júlio e Botelho possam surgir ainda menorizados) ou uma maior atenção à pontual obra "dimensionista" de António Pedro (anos 30). A atenção à produção crítica, articulando-a com a produção plástica, é uma orientação constante de David Santos, embora se discorde de afirmações como a que atribui a Eça e Pessoa lugar significativo entre os autores capazes de entenderem as respectivas épocas artísticas: o primeiro, nunca gostou do que de novo viu em Paris; o segundo, limitou-se a um mais-do-que-lúcido texto sobre o jovem Almada desenhador, a cuja obra chegou pelo lado da palavra e não do olhar.

Santos aponta, sistematicamente, a frágil assimilação e consolidação dos conceitos da arte contemporânea internacional na prática e na reflexão dos artistas e críticos portugueses. Ora os contextos internos ou as modalidades de interpretação periférica deverão também ser consideradas sem ceder nem ao preconceito centralista "parisiense" (que marcou a leitura histórica de José-Augusto França) nem a qualquer outro.

Depois de integrar a primeira geração de ruptura (anos 10: Amadeo, Santa Rita, Cristiano Cruz, algum Viana) a intepretação pára no limite dos anos 40, dispensando a segunda grande década de ruptura (a que traria o surrealismo, o abstraccionismo e o neo-realismo) e deixando talvez esta nova complexificação da realidade nacional para uma exposição próxima.

O texto principal, cujas ilustrações seguem uma escolha ideal de obras (procuradas em múltiplas colecções nacionais - essencialmente no CAM), completa-se com um catálogo onde cada obra reproduzida pertence ao Museu do Chiado (revelando, por vezes, fraquezas da colecção ou dos condicionalismo de escolha) sendo acompanhada por um breve comentário orientador que completa o necessário destino didáctico da acção e da reflexão.

A Vanguarda (Possível) no Interior (Real)

Por JOÃO PINHARANDA

Sábado, 9 de Junho de 2001

Este pequeno volume-catálogo prova que uma cidade como Castelo Branco pode acolher o que nunca viveu: algumas obras do modernismo português.

Fala-se aqui de um texto que é essencialmente algo de estático. Mas sem que se possa deixar de dar primazia à acção que obrigou a existência desse texto. O texto de David Santos, reunido em pequeno volume-catálogo, acompanhou uma acção expositiva em Castelo Branco. Deu-lhe suporte e prolonga-a para além do fecho. Fundamentalmente ajuda-nos a acreditar que, um século ou 50 anos depois de tudo ter acontecido, uma cidade do interior português pode acolher por uns meses no seu museu o que nunca viveu e o que muitas outras, igualmente alheadas das contemporaneidades sucessivas, nunca puderam sequer ver: algumas obras do modernismo português.

Muito pouco na quantidade de produtos e muito pequeno nos tamanhos experimentados - a (sua) qualidade no entanto não se pode tão facilmente quantificar - o que existe testemunhando essa modernidade artística ficou retido em colecções públicas e centralizadas. Foi através delas que esses momentos iniciais se foram libertando da lei da morte a que a sociedade civil (incivilizada) os lançou: em Lisboa, evidentemente, pouco no Porto que só os anos 40 despertariam, em Amarante, pelo acaso da casa de família de Amadeo por aí se situar...

Em Lisboa, a memória dos anos de pioneirismo artístico está no Museu do Chiado e no Centro de Arte Moderna da Gulbenkian. O segundo, instituição privada, é um verdadeiro museu - cuja última montagem libertou da tarefa de ser um mero dicionário cronológico da arte portuguesa para ser uma dinâmica enciclopédia temática ao serviço do ensino e da investigação. O primeiro, tem seguido a ousada estratégia de ser um verdadeiro centro de exposições contemporâneas; o que, devido à escassez nunca resolvida de espaço, o tem desobrigado dos seus deveres como único museu público dos séc. XIX e XX. A urgência desse cumprimento sugeriu a oportunidade de manter viva noutro local a colecção (ou parte dela) ou mesmo de aí duplicar exposições próprias de cronologia mais recente. O local escolhido foi o Museu Tavares Proença Júnior de Castelo Branco, cuja directora desenvolve notável acção local, e as mostras foram até agora duas: a Retrospectiva de Vespeira, em 2000, e a que agora se refere. O comissário de ambas, David Santos.

O texto do livro-catálogo é servido por um excelente grafismo (Vera Velez) e pressegue claros objectivos didácticos. Não se trata de defender teses capazes de romper com a estrutura consolidada nas interpretações de José-Augusto França mas de acolher algumas reinterpretações sectoriais abundantemente apoiadas em textos de Pedro Lapa, como também o poderiam ser, para a época e autores em questão, em António Rodrigues, Helena de Freitas ou Raquel Henriques da Silva, entre outros "novos" autores".

David Santos dá, nomedamente, um maior relevo aos sentidos expressionistas dos anos 30 (embora os lugares de Júlio e Botelho possam surgir ainda menorizados) ou uma maior atenção à pontual obra "dimensionista" de António Pedro (anos 30). A atenção à produção crítica, articulando-a com a produção plástica, é uma orientação constante de David Santos, embora se discorde de afirmações como a que atribui a Eça e Pessoa lugar significativo entre os autores capazes de entenderem as respectivas épocas artísticas: o primeiro, nunca gostou do que de novo viu em Paris; o segundo, limitou-se a um mais-do-que-lúcido texto sobre o jovem Almada desenhador, a cuja obra chegou pelo lado da palavra e não do olhar.

Santos aponta, sistematicamente, a frágil assimilação e consolidação dos conceitos da arte contemporânea internacional na prática e na reflexão dos artistas e críticos portugueses. Ora os contextos internos ou as modalidades de interpretação periférica deverão também ser consideradas sem ceder nem ao preconceito centralista "parisiense" (que marcou a leitura histórica de José-Augusto França) nem a qualquer outro.

Depois de integrar a primeira geração de ruptura (anos 10: Amadeo, Santa Rita, Cristiano Cruz, algum Viana) a intepretação pára no limite dos anos 40, dispensando a segunda grande década de ruptura (a que traria o surrealismo, o abstraccionismo e o neo-realismo) e deixando talvez esta nova complexificação da realidade nacional para uma exposição próxima.

O texto principal, cujas ilustrações seguem uma escolha ideal de obras (procuradas em múltiplas colecções nacionais - essencialmente no CAM), completa-se com um catálogo onde cada obra reproduzida pertence ao Museu do Chiado (revelando, por vezes, fraquezas da colecção ou dos condicionalismo de escolha) sendo acompanhada por um breve comentário orientador que completa o necessário destino didáctico da acção e da reflexão.

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