O governo do partido

26-10-2000
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UM DIA depois do Governo ter ficado completo com a posse dos 41 novos secretários de Estado, o Secretariado do PS elegeu ontem a sua nova Comissão Permanente e dela ressalta uma opção clara: os homens-fortes do partido continuam a ser os homens-fortes do Governo, numa sobreposição que ameaça a capacidade do PS funcionar como consciência crítica do Executivo. Jaime Gama, Pina Moura, Ferro Rodrigues, José Sócrates, António Costa, Armando Vara, Fausto Correia e Vitalino Canas são figuras repetidas na dupla face do novo poder socialista, o que confirma que a intenção de António Guterres e de Jorge Coelho - o seu número dois operacional - é, sobretudo, assegurar uma boa articulação Governo/partido. Coelho promete agitar o partido Coelho reconhece os riscos outrora corridos por Cavaco Silva, quando, ao fim de 10 anos no poder, olhou para o partido e viu um PSD mirrado, e admite que é preciso «evitar que o PS adormeça à sombra do Governo». O homem que Guterres escolheu para substituir António José Seguro na coordenação da Comissão Permanente do PS ensaia mesmo uma espécie de «no jobs for the boys-II», ao dizer que «é preciso motivar as pessoas para a vida partidária, pelo prazer de discutirem e participarem, independentemente dos lugares». Para tentar dar conteúdo ao discurso, Jorge Coelho propõe-se criar condições para «pôr o partido a discutir, ao mais alto nível, as políticas do Governo». E recebeu «carta branca» de António Guterres para criar uma espécie de gabinete de estudos, que será entregue a Pina Moura e que ficará encarregue de organizar debates; e uma das duas fundações do PS - a Antero de Quental ou a José Fontana - terá a seu cargo a organização de cursos de formação de quadros que ajudem a mobilizar, sobretudo jovens, para a militância. Vitalino Canas era o homem na calha para este lugar. O objectivo é «que o partido funcione cada vez mais como consciência crítica do Governo», diz Coelho. Que quase não renovou a Comissão Permanente, deixando predominar os homens do Governo no órgão mais importante da direcção partidária. Apenas são alterados três membros da Permanente, onde António Vitorino, António José Seguro e Maria Carrilho (todos em Bruxelas) são substituídos por Vitalino Canas, Armando Vara e Celeste Correia. O grosso da equipa continuam a ser os mais destacados rostos do Governo, o que facilitará a coordenação governativa e partidária, ambas acumuladas também em Jorge Coelho. O peso do «homem do aparelho» nas escolhas do elenco governativo também deu nas vistas no que toca aos secretários de Estado. Depois de Guterres ter usado de algum espaço de manobra nas suas escolhas pessoais para o elenco ministerial - a começar por Maria de Belém -, a lista dos secretários de Estado revelou-se um espaço propício aos restantes ajustes. E o peso de Coelho voltou a sentir-se. Começando pelos homens que escolheu para os seus dois Ministérios, Jorge Coelho levou Luís Parreirão (ex-chefe de gabinete do seu amigo Fausto Correia e seu ex-secretário no MAI); o próprio Fausto (outro homem de peso no aparelho do partido); Guilhermino Rodrigues, seu amigo pessoal; e Narciso Miranda, o presidente da segunda maior federação do PS, sendo que a primeira pertence ao próprio Coelho. No Ministério da Saúde - que será fulcral nesta legislatura - também estão dois «coelhistas»: José Boquinhas, membro da direcção de Coelho no PS/Lisboa, e Arnaldo Silva, ex-adjunto de Coelho e ex-chefe de gabinete de Fausto. Outra prova de que a escolha dos secretários de Estado foi condicionada pelos interesses partidários é o facto de a «tendência» de João Soares (até ali apenas representada por Rui Cunha) ter conseguido assegurar a entrada de Acácio Barreiros no Governo, para uma pasta (a Defesa do Consumidor) que chegou a ser para Vitalino Canas. E a escolha de Luís Patrão (ex-chefe de gabinete de Guterres) para secretário de Estado da Administração Interna (quando a sua área preferida era o Consumidor) foi lida como uma «infiltração guterrista» na esfera do poderoso Fernando Gomes. Autárquicas já! Entretanto, começar já a preparar as autárquicas é a prioridade definida pelo coordenador da Permanente do PS. Que encarregou da tarefa Narciso Miranda, José Junqueiro e Carlos Zorrinho. Até ao primeiro trimestre de 2000, Coelho quer os candidatos escolhidos para os concelhos onde o PS já é poder. Pela sua parte, até lá, coordenará o combate político, o jogo parlamentar, a actividade governativa, as Obras Públicas e as autárquicas. Não há melhor exemplo da sobreposição Governo/partido. ÂNGELA SILVA Maioria prefere empate AO CONTRÁRIO de alguma incomodidade que se sentiu na classe política, o empate a 115 deputados que se verificou no Parlamento foi bem visto por quase metade dos membros do Painel EXPRESSO/Euroexpansão. Aliás, são mais os que entendem que os socialistas deveriam ter ficado em minoria na Assembleia do que os que defendem que, pelo contrário, deveriam ter alcançado a maioria absoluta. Em termos de eleitores, curiosamente, 46% dos socialistas acha que o empate foi a melhor solução contra 36% dos votantes do PSD que defende a mesma ideia. Os inquiridos, por outro lado, além de pensarem que o Governo irá durar quatro anos, consideram António Guterres, Carlos Carvalhas e Jorge Sampaio os vencedores das legislativas, elegendo Durão Barroso como principal perdedor. T.O.

UM DIA depois do Governo ter ficado completo com a posse dos 41 novos secretários de Estado, o Secretariado do PS elegeu ontem a sua nova Comissão Permanente e dela ressalta uma opção clara: os homens-fortes do partido continuam a ser os homens-fortes do Governo, numa sobreposição que ameaça a capacidade do PS funcionar como consciência crítica do Executivo. Jaime Gama, Pina Moura, Ferro Rodrigues, José Sócrates, António Costa, Armando Vara, Fausto Correia e Vitalino Canas são figuras repetidas na dupla face do novo poder socialista, o que confirma que a intenção de António Guterres e de Jorge Coelho - o seu número dois operacional - é, sobretudo, assegurar uma boa articulação Governo/partido. Coelho promete agitar o partido Coelho reconhece os riscos outrora corridos por Cavaco Silva, quando, ao fim de 10 anos no poder, olhou para o partido e viu um PSD mirrado, e admite que é preciso «evitar que o PS adormeça à sombra do Governo». O homem que Guterres escolheu para substituir António José Seguro na coordenação da Comissão Permanente do PS ensaia mesmo uma espécie de «no jobs for the boys-II», ao dizer que «é preciso motivar as pessoas para a vida partidária, pelo prazer de discutirem e participarem, independentemente dos lugares». Para tentar dar conteúdo ao discurso, Jorge Coelho propõe-se criar condições para «pôr o partido a discutir, ao mais alto nível, as políticas do Governo». E recebeu «carta branca» de António Guterres para criar uma espécie de gabinete de estudos, que será entregue a Pina Moura e que ficará encarregue de organizar debates; e uma das duas fundações do PS - a Antero de Quental ou a José Fontana - terá a seu cargo a organização de cursos de formação de quadros que ajudem a mobilizar, sobretudo jovens, para a militância. Vitalino Canas era o homem na calha para este lugar. O objectivo é «que o partido funcione cada vez mais como consciência crítica do Governo», diz Coelho. Que quase não renovou a Comissão Permanente, deixando predominar os homens do Governo no órgão mais importante da direcção partidária. Apenas são alterados três membros da Permanente, onde António Vitorino, António José Seguro e Maria Carrilho (todos em Bruxelas) são substituídos por Vitalino Canas, Armando Vara e Celeste Correia. O grosso da equipa continuam a ser os mais destacados rostos do Governo, o que facilitará a coordenação governativa e partidária, ambas acumuladas também em Jorge Coelho. O peso do «homem do aparelho» nas escolhas do elenco governativo também deu nas vistas no que toca aos secretários de Estado. Depois de Guterres ter usado de algum espaço de manobra nas suas escolhas pessoais para o elenco ministerial - a começar por Maria de Belém -, a lista dos secretários de Estado revelou-se um espaço propício aos restantes ajustes. E o peso de Coelho voltou a sentir-se. Começando pelos homens que escolheu para os seus dois Ministérios, Jorge Coelho levou Luís Parreirão (ex-chefe de gabinete do seu amigo Fausto Correia e seu ex-secretário no MAI); o próprio Fausto (outro homem de peso no aparelho do partido); Guilhermino Rodrigues, seu amigo pessoal; e Narciso Miranda, o presidente da segunda maior federação do PS, sendo que a primeira pertence ao próprio Coelho. No Ministério da Saúde - que será fulcral nesta legislatura - também estão dois «coelhistas»: José Boquinhas, membro da direcção de Coelho no PS/Lisboa, e Arnaldo Silva, ex-adjunto de Coelho e ex-chefe de gabinete de Fausto. Outra prova de que a escolha dos secretários de Estado foi condicionada pelos interesses partidários é o facto de a «tendência» de João Soares (até ali apenas representada por Rui Cunha) ter conseguido assegurar a entrada de Acácio Barreiros no Governo, para uma pasta (a Defesa do Consumidor) que chegou a ser para Vitalino Canas. E a escolha de Luís Patrão (ex-chefe de gabinete de Guterres) para secretário de Estado da Administração Interna (quando a sua área preferida era o Consumidor) foi lida como uma «infiltração guterrista» na esfera do poderoso Fernando Gomes. Autárquicas já! Entretanto, começar já a preparar as autárquicas é a prioridade definida pelo coordenador da Permanente do PS. Que encarregou da tarefa Narciso Miranda, José Junqueiro e Carlos Zorrinho. Até ao primeiro trimestre de 2000, Coelho quer os candidatos escolhidos para os concelhos onde o PS já é poder. Pela sua parte, até lá, coordenará o combate político, o jogo parlamentar, a actividade governativa, as Obras Públicas e as autárquicas. Não há melhor exemplo da sobreposição Governo/partido. ÂNGELA SILVA Maioria prefere empate AO CONTRÁRIO de alguma incomodidade que se sentiu na classe política, o empate a 115 deputados que se verificou no Parlamento foi bem visto por quase metade dos membros do Painel EXPRESSO/Euroexpansão. Aliás, são mais os que entendem que os socialistas deveriam ter ficado em minoria na Assembleia do que os que defendem que, pelo contrário, deveriam ter alcançado a maioria absoluta. Em termos de eleitores, curiosamente, 46% dos socialistas acha que o empate foi a melhor solução contra 36% dos votantes do PSD que defende a mesma ideia. Os inquiridos, por outro lado, além de pensarem que o Governo irá durar quatro anos, consideram António Guterres, Carlos Carvalhas e Jorge Sampaio os vencedores das legislativas, elegendo Durão Barroso como principal perdedor. T.O.

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