Pergunto ao vento que passa...

30-03-2002
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Pergunto ao vento que passa...

N o último número do «Expresso», Manuel Alegre, num artigo onde aliás se define «como homem de esquerda que aposta no diálogo entre as duas principais componentes», apela a «uma real abertura do PCP» para que «não continue a erigir o PS como inimigo principal» e para «superar uma certa cultura anti-socialista que nele prevalece».

Desse modo, segundo M. Alegre, «talvez que finalmente o PCP pudesse desempenhar o papel que tem cabido a alguns socialistas: o de ser uma consciência crítica do governo PS, contribuindo desse modo (...) para fortalecer a esquerda no seu conjunto».

A justa preocupação de M. Alegre «pelo fortalecimento e consolidação da esquerda» torna indispensável uma correcção: o PCP não erige o PS como inimigo principal. Para o PCP o inimigo principal é a política de direita. E quando o PS aplica uma política de direita, o PCP não pode limitar-se a ser «consciência crítica». Aliás, o exercício dessa função por alguns socialistas não averbou visivelmente alterações na política do governo. Donde poderá concluir-se que isso não basta. É necessário algo mais: intervenção, mobilização e acção política e social. Por isso o PCP, além da necessária crítica, actua no plano institucional, político e social para dar expressão concreta a uma real opção de esquerda, para manter viva uma alternativa política de esquerda, para manter erguida uma bandeira da esquerda.

D izer que o Governo PS tem uma política de direita não é praticar «uma cultura anti-socialista» nem assumir postura «dogmática» e «sectária».

Basta estar atento às notícias que o vento nos traz (para evocar aqui as «Trovas do vento que passa» de M. Alegre que, nos anos do fascismo, percorreram o país cantadas pela voz de Adriano).

Vejamos: ainda há dias (29/12) o presidente da Associação Industrial Portuense, numa entrevista ao «Público», afirmava: «Costuma dizer-se que os governos do PS são melhores para os empresários porque governam à direita».

Em face disto, que dizer quando aparece (no «Diário Económico» - 24/12) um dirigente do PS como Carlos Zorrinho, em artigo, esse sim, em tom anticomunista, a propor um «arrepio estratégico do PCP», para «assumir sem preconceito o papel de consciência crítica da esquerda em Portugal»? «Claro está - acrescentava - que essa opção implica aceitar a evidência de que o PS é o partido líder da esquerda portuguesa», «renunciando ao actual papel de muleta do PSD que os comunistas têm desempenhado a preceito».

Estas extravagantes pretensões (um PCP reduzido a apêndice do PS!) trazem de novo à baila as «Trovas». «Pergunto ao vento que passa /notícias do meu país»: mas o vento não cala a desgraça reflectida nas pretensões do Sr. C. Zorrinho: não termos em Portugal um PS à altura das exigências do presente e das necessidades do futuro.

T em razão Manuel Alegre quando diz que «a estabilidade democrática requer a estabilidade de soluções de esquerda». Mas é necessário acrescentar que para soluções de esquerda é necessário haver partidos com soluções e práticas de esquerda. É nessa linha que o PCP intervém utilizando todas as possibilidades de que dispõe e que estão longe de ser negligenciáveis. Sem dogmatismos nem sectarismos (não estamos em coligação com o PS na Câmara de Lisboa?) mas também não nos resignando a servir de aval à política de direita que no essencial o governo PS vem praticando.

Estaremos sempre atentos às possibilidades de abrir e construir novos caminhos, semeando desde já, no vento que passa e na terra que fica, as raízes de outro tempo para a esquerda em Portugal. Mas fique claro: o PCP não tem vocação para muleta do PS, nem de ser, como o Sr. Grilo do Pinóquio, uma simples «voz da consciência» para fazer crescer o nariz do PS. — Aurélio Santos

«Avante!» Nº 1258 - 8.Janeiro.98

Pergunto ao vento que passa...

N o último número do «Expresso», Manuel Alegre, num artigo onde aliás se define «como homem de esquerda que aposta no diálogo entre as duas principais componentes», apela a «uma real abertura do PCP» para que «não continue a erigir o PS como inimigo principal» e para «superar uma certa cultura anti-socialista que nele prevalece».

Desse modo, segundo M. Alegre, «talvez que finalmente o PCP pudesse desempenhar o papel que tem cabido a alguns socialistas: o de ser uma consciência crítica do governo PS, contribuindo desse modo (...) para fortalecer a esquerda no seu conjunto».

A justa preocupação de M. Alegre «pelo fortalecimento e consolidação da esquerda» torna indispensável uma correcção: o PCP não erige o PS como inimigo principal. Para o PCP o inimigo principal é a política de direita. E quando o PS aplica uma política de direita, o PCP não pode limitar-se a ser «consciência crítica». Aliás, o exercício dessa função por alguns socialistas não averbou visivelmente alterações na política do governo. Donde poderá concluir-se que isso não basta. É necessário algo mais: intervenção, mobilização e acção política e social. Por isso o PCP, além da necessária crítica, actua no plano institucional, político e social para dar expressão concreta a uma real opção de esquerda, para manter viva uma alternativa política de esquerda, para manter erguida uma bandeira da esquerda.

D izer que o Governo PS tem uma política de direita não é praticar «uma cultura anti-socialista» nem assumir postura «dogmática» e «sectária».

Basta estar atento às notícias que o vento nos traz (para evocar aqui as «Trovas do vento que passa» de M. Alegre que, nos anos do fascismo, percorreram o país cantadas pela voz de Adriano).

Vejamos: ainda há dias (29/12) o presidente da Associação Industrial Portuense, numa entrevista ao «Público», afirmava: «Costuma dizer-se que os governos do PS são melhores para os empresários porque governam à direita».

Em face disto, que dizer quando aparece (no «Diário Económico» - 24/12) um dirigente do PS como Carlos Zorrinho, em artigo, esse sim, em tom anticomunista, a propor um «arrepio estratégico do PCP», para «assumir sem preconceito o papel de consciência crítica da esquerda em Portugal»? «Claro está - acrescentava - que essa opção implica aceitar a evidência de que o PS é o partido líder da esquerda portuguesa», «renunciando ao actual papel de muleta do PSD que os comunistas têm desempenhado a preceito».

Estas extravagantes pretensões (um PCP reduzido a apêndice do PS!) trazem de novo à baila as «Trovas». «Pergunto ao vento que passa /notícias do meu país»: mas o vento não cala a desgraça reflectida nas pretensões do Sr. C. Zorrinho: não termos em Portugal um PS à altura das exigências do presente e das necessidades do futuro.

T em razão Manuel Alegre quando diz que «a estabilidade democrática requer a estabilidade de soluções de esquerda». Mas é necessário acrescentar que para soluções de esquerda é necessário haver partidos com soluções e práticas de esquerda. É nessa linha que o PCP intervém utilizando todas as possibilidades de que dispõe e que estão longe de ser negligenciáveis. Sem dogmatismos nem sectarismos (não estamos em coligação com o PS na Câmara de Lisboa?) mas também não nos resignando a servir de aval à política de direita que no essencial o governo PS vem praticando.

Estaremos sempre atentos às possibilidades de abrir e construir novos caminhos, semeando desde já, no vento que passa e na terra que fica, as raízes de outro tempo para a esquerda em Portugal. Mas fique claro: o PCP não tem vocação para muleta do PS, nem de ser, como o Sr. Grilo do Pinóquio, uma simples «voz da consciência» para fazer crescer o nariz do PS. — Aurélio Santos

«Avante!» Nº 1258 - 8.Janeiro.98

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