Familiares das vítimas descarregaram indignação em Jorge Sampaio

11-03-2001
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Familiares das Vítimas Descarregaram Indignação em Jorge Sampaio

Por PEDRO GARCIAS

Quarta-feira, 7 de Março de 2001

Presidente visitou famílias enlutadas

Cortejo de condolências em Serradelo terminou com críticas que irritaram o chefe de Estado

Quando Jorge Sampaio chegou à Escola Primária de Serradelo, uma das aldeias-mártires do acidente de Entre-os-Rios, encontrou cerca de 30 familiares das vítimas à sua espera, de pé, todos alinhados, todos destroçados. Havia gente em lágrimas. Era um momento difícil e os desenhos feitos por crianças que emolduravam as paredes ainda acentuavam mais a emoção - há crianças no fundo do rio. Se não são daquela aldeia, são de Raiva ou de Oliveira do Arda, ou de Sardoura.

O Presidente da República, acompanhado por uma imensa corte de assessores, pelo ministro da Administração Interna, Nuno Severiano Teixeira, e pelo seu secretário de Estado, Carlos Zorrinho, entrou cabisbaixo, com o rosto embargado dos encontros que tivera com outras famílias em Terramonte.

Cumprimentou um a um os familiares das vítimas. "A tragédia já teve lugar", disse-lhe um deles, num misto de impotência e de crítica. Sampaio ficou com a frase na cabeça e voltou a ela quando terminou o cortejo de condolências. Recordou-a para apelar à coragem e à paciência dos que têm alguém dentro do autocarro, o nosso "Kursk". "Sem esperarmos, temos uma espécie de submarino russo enterrado no Douro", diria mais tarde. Paciência porque, tal como aconteceu com o submarino, não sabe quando serão resgatados os corpos. Sampaio prometeu velar pela rapidez e eficácia nas operações. "Se estes meios não forem suficientes, vêm outros", disse.

Um dos homens, que perdeu os sogros, pediu para falar. Para falar dos filhos, que sentem a ausência dos avós, e das perguntas que fazem. "Fazem perguntas às quais não sabemos responder. Já não dormem sossegados", lamentava, clamando pelo apoio de um psicólogo. Não para um dia, mas para os muitos dias de inquietação e tristeza que espera muitas crianças.

O Presidente da República deu-lhe razão, reconhecendo ser necessário prolongar pelo menos por dois meses o apoio psicológico às crianças afectadas, e partilhava da dor colectiva: via-se que a sua preocupação era genuína. Quando quis despedir-se, deixou a esperança de "dias melhores". Mal tinha acabado de proferir estas palavras, ouviu uma resposta inesperada: "Esses dias melhores dependem de vós, senão continuam a ser negros", disparou-lhe um dos familiares enlutados. "Pelas mortes ninguém vos culpa, mas pela queda da ponte, sim. Se vocês governam o país e a ponte vem abaixo, a culpa é vossa", atirou-lhe outro. O toque constante de telemóveis entre condolências dava um tom surreal ao momento e a súbita indignação de alguns dos presentes acrescentava-lhe uma outra dimensão, que escapava às expectativas de Sampaio. Ele, que nada tem a ver com as pontes deste país, estava ali a levar com as queixas colectivas.

Os familiares agradeciam as condolências, mas queriam respostas para a tragédia. Carlos Zorrinho tentou dar uma ajuda, lembrando o anúncio feito pelo Governo de que as indemnizações às famílias das vítimas vão ser pagas mais rapidamente do que é habitual. Dinheiro, naquela hora ? "Nem nos fale em indemnizações!", respondeu-lhe um dos presentes, obrigando o governante a arrepiar caminho.

Os ânimos começaram a aquecer. Sampaio viu-se em apuros e irritou-se, mandando de um modo algo agressivo calar um dos familiares, tentando colocar alguma ordem na discussão. "Ninguém tem competência para apurar causas. Não há réus nisto. Não vamos fazer um julgamento disto, porque eu não estou aqui para isso", disse. O visado calou-se, humildemente. Afinal, era o Presidente da República que estava a mandá-lo calar-se. Mas Sampaio apercebeu-se de que tinha exagerado. Como se pode mandar calar um homem que perdeu a irmã e um tio e ainda não sabe dos seus corpos? Aproximou-se dos mais indignados, colocou a mão por cima de um deles e pacificou os ânimos.

De Serradelo Sampaio foi depois a Raiva encontrar-se com os familiares e a população da aldeia mais atingida pelo desastre de domingo à noite. Mas, desta vez, os jornalistas já não puderam assistir. No final, o chefe de Estado salientou a "exigência da República" que é o inquérito às causas do acidente, um inquérito "claro, não especulativo, que possa esclarecer os portugueses sobre as verdadeiras causas do acidente". "Para ver se ao menos daí podemos extrair conclusões para o futuro", acrescentou. De seguida, deslocou-se a Sardoura, onde acompanhou o funeral da única vítima encontrada até agora.

Familiares das Vítimas Descarregaram Indignação em Jorge Sampaio

Por PEDRO GARCIAS

Quarta-feira, 7 de Março de 2001

Presidente visitou famílias enlutadas

Cortejo de condolências em Serradelo terminou com críticas que irritaram o chefe de Estado

Quando Jorge Sampaio chegou à Escola Primária de Serradelo, uma das aldeias-mártires do acidente de Entre-os-Rios, encontrou cerca de 30 familiares das vítimas à sua espera, de pé, todos alinhados, todos destroçados. Havia gente em lágrimas. Era um momento difícil e os desenhos feitos por crianças que emolduravam as paredes ainda acentuavam mais a emoção - há crianças no fundo do rio. Se não são daquela aldeia, são de Raiva ou de Oliveira do Arda, ou de Sardoura.

O Presidente da República, acompanhado por uma imensa corte de assessores, pelo ministro da Administração Interna, Nuno Severiano Teixeira, e pelo seu secretário de Estado, Carlos Zorrinho, entrou cabisbaixo, com o rosto embargado dos encontros que tivera com outras famílias em Terramonte.

Cumprimentou um a um os familiares das vítimas. "A tragédia já teve lugar", disse-lhe um deles, num misto de impotência e de crítica. Sampaio ficou com a frase na cabeça e voltou a ela quando terminou o cortejo de condolências. Recordou-a para apelar à coragem e à paciência dos que têm alguém dentro do autocarro, o nosso "Kursk". "Sem esperarmos, temos uma espécie de submarino russo enterrado no Douro", diria mais tarde. Paciência porque, tal como aconteceu com o submarino, não sabe quando serão resgatados os corpos. Sampaio prometeu velar pela rapidez e eficácia nas operações. "Se estes meios não forem suficientes, vêm outros", disse.

Um dos homens, que perdeu os sogros, pediu para falar. Para falar dos filhos, que sentem a ausência dos avós, e das perguntas que fazem. "Fazem perguntas às quais não sabemos responder. Já não dormem sossegados", lamentava, clamando pelo apoio de um psicólogo. Não para um dia, mas para os muitos dias de inquietação e tristeza que espera muitas crianças.

O Presidente da República deu-lhe razão, reconhecendo ser necessário prolongar pelo menos por dois meses o apoio psicológico às crianças afectadas, e partilhava da dor colectiva: via-se que a sua preocupação era genuína. Quando quis despedir-se, deixou a esperança de "dias melhores". Mal tinha acabado de proferir estas palavras, ouviu uma resposta inesperada: "Esses dias melhores dependem de vós, senão continuam a ser negros", disparou-lhe um dos familiares enlutados. "Pelas mortes ninguém vos culpa, mas pela queda da ponte, sim. Se vocês governam o país e a ponte vem abaixo, a culpa é vossa", atirou-lhe outro. O toque constante de telemóveis entre condolências dava um tom surreal ao momento e a súbita indignação de alguns dos presentes acrescentava-lhe uma outra dimensão, que escapava às expectativas de Sampaio. Ele, que nada tem a ver com as pontes deste país, estava ali a levar com as queixas colectivas.

Os familiares agradeciam as condolências, mas queriam respostas para a tragédia. Carlos Zorrinho tentou dar uma ajuda, lembrando o anúncio feito pelo Governo de que as indemnizações às famílias das vítimas vão ser pagas mais rapidamente do que é habitual. Dinheiro, naquela hora ? "Nem nos fale em indemnizações!", respondeu-lhe um dos presentes, obrigando o governante a arrepiar caminho.

Os ânimos começaram a aquecer. Sampaio viu-se em apuros e irritou-se, mandando de um modo algo agressivo calar um dos familiares, tentando colocar alguma ordem na discussão. "Ninguém tem competência para apurar causas. Não há réus nisto. Não vamos fazer um julgamento disto, porque eu não estou aqui para isso", disse. O visado calou-se, humildemente. Afinal, era o Presidente da República que estava a mandá-lo calar-se. Mas Sampaio apercebeu-se de que tinha exagerado. Como se pode mandar calar um homem que perdeu a irmã e um tio e ainda não sabe dos seus corpos? Aproximou-se dos mais indignados, colocou a mão por cima de um deles e pacificou os ânimos.

De Serradelo Sampaio foi depois a Raiva encontrar-se com os familiares e a população da aldeia mais atingida pelo desastre de domingo à noite. Mas, desta vez, os jornalistas já não puderam assistir. No final, o chefe de Estado salientou a "exigência da República" que é o inquérito às causas do acidente, um inquérito "claro, não especulativo, que possa esclarecer os portugueses sobre as verdadeiras causas do acidente". "Para ver se ao menos daí podemos extrair conclusões para o futuro", acrescentou. De seguida, deslocou-se a Sardoura, onde acompanhou o funeral da única vítima encontrada até agora.

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