«Shopping» assente na polémica

11-01-2000
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No pátio interior do centro continuam os trabalhos. O «shopping» está quase a abrir, mas ainda não tem licença de habitabilidade nem, sequer, projecto aprovado

O EMPREENDIMENTO Quinta Shopping, situado na Quinta do Lago, uma das estâncias turísticas mais luxuosas do Algarve, está no centro de uma polémica entre as duas empresas de construção civil, uma espanhola e outra portuguesa, que se encarregaram das obras. Segundo um relatório entregue pela empresa espanhola Herrera SA (que elaborou o projecto) à Câmara de Loulé, existem «defeitos graves na execução da obra, com possíveis resultados a curto e a médio prazo que podem dar origem a deteriorações graves da mesma». Julian Herrera Ardilla, responsável daquela empresa, diz que os defeitos de execução poderão «ocasionar assentos diferentes nas zonas em que a fundação é insuficiente e, sobretudo, nas zonas em que 84 dos pilares de sustentação da estrutura foram alterados para uma dimensão crítica». Ardilla afirma que subsiste a possibilidade de no futuro se produzirem «fissuras verticais e horizontais nas paredes e nas lajes se estas estruturas não forem devidamente reforçadas». As ocorrências foram registadas no livro de obras e comunicadas - «por meras razões de seriedade», diz Ardilla - à Constrorrepara, Lda., a empresa portuguesa que construiu as fundações do edifício. Do lado português, o director da obra, arquitecto Fernando Neto, assume ter dado instruções «para a diminuição da secção dos pilares, por razões estéticas», mas refuta totalmente as acusações da empresa espanhola, alegando que as mesmas indiciam «má fé», já que o que estará na origem do diferendo entre as construtoras «é uma questão de dinheiros» e não a segurança da obra, que «nunca esteve em causa». Universidade testou segurança da obra A Fernleia Ltd., empresa nacional com capitais «offshore» que é proprietária do empreendimento - que tem como um dos accionistas o director da obra, Fernando Neto -, pediu, entretanto, uma avaliação da capacidade de resistência da construção ao Departamento de Engenharia Civil da Escola Superior de Tecnologia da Universidade do Algarve. Nas conclusões, assinadas pelo engenheiro Carlos Martins, é afirmado que «as alterações não conduzem a que a estrutura fique com um grau de segurança inferior ao que lhe era conferido pela estrutura anterior se tivessem sido adoptadas as dimensões previstas no projecto», considerando-se ainda desnecessário proceder a qualquer reforço. Porém, Carlos Martins reconheceu ao EXPRESSO que «não foram realizados ensaios destrutivos ou de raios-X» para aferir a resistência das fundações. Para este engenheiro, os elementos disponíveis não permitiram a reconstituição da análise efectuada pelo projectista espanhol, por «serem parcos em informação no que diz respeito à modelação da estrutura e hipóteses de cálculo consideradas». Assim, a análise dirigiu-se apenas à redução da secção dos pilares referidos no livro de obras. A falta de dados, aliada à grande dimensão global do edifício, dividido em diversos corpos, aconselharam a que se fizesse a análise estrutural de um só bloco, para servir de referência a toda a construção. Porém, dada a reduzida altura e o facto de os seus diferentes corpos configurarem «estruturas bastante regulares e compactas», Carlos Martins prevê que o comportamento do edifício, em termos de integridade, seja bastante bom, nomeadamente quanto à acção sísmica. Ressalvando o campo estrito em que interveio a sua equipa, que não analisou as fundações pelos condicionalismos já referidos, o responsável da Universidade do Algarve comenta ainda o facto de a legislação a que se reportam os projectos de engenharia para a construção «enfermar de erros, derivados das limitações do conhecimento que existiam na altura da sua publicação». Na opinião de Carlos Martins, «as construções de qualidade exigem soluções de qualidade», até porque «as deficiências na construção civil raramente são visíveis no início da utilização». Lojas sem licença O Quinta Shopping, com inauguração prevista para a Páscoa, embora algumas lojas já tenham aberto as suas portas, ainda não tem licença de habitabilidade, que está pendente da apreciação do projecto final das alterações apresentado na Câmara este mês. Os serviços técnicos da autarquia referem a apreciação inicial de dois projectos de engenharia, mas perante o relatório da Universidade do Algarve e dado não estar em causa a segurança no edifício não procederam a quaisquer outras análises nem levaram em conta a denúncia dos espanhóis de incumprimento da legislação. «Há muitos edifícios que cumprem os regulamentos sem garantir a segurança máxima», comentou ao EXPRESSO um engenheiro camarário, que considera o «excesso de zelo» dos espanhóis uma consequência da sua falta de conhecimento dos subterfúgios da lei portuguesa. O centro comercial foi inspirado na arquitectura dos palácios portugueses dos séculos XVII e XVIII e tem uma área de 6500 metros quadrados. Circundando um pátio interior, possui uma zona de lojas, restaurantes no piso térreo e escritórios e apartamentos no andar superior. CONCEIÇÃO BRANCO Edifícios de controlo remoto OS CONSUMIDORES portugueses não têm mecanismos de defesa no caso de erros de construção, embora a habitação seja o bem mais oneroso adquirido pelas famílias. Segundo Carlos Martins, do conselho directivo da Escola Superior de Tecnologia da Universidade do Algarve, um protocolo de cooperação entre as autarquias de Faro e Loulé e a Universidade, para fiscalização aleatória dos projectos de engenharia, revelou «resultados maus da qualidade dos edifícios».

Segundo Carlos Martins, que já exerceu a docência no Instituto Superior Técnico de Lisboa, esta situação não é privilégio do Algarve, mas sim um problema nacional. A legislação em vigor «não só não desburocratizou como desresponsabilizou o sector», afirma Carlos Martins. Actualmente, os projectos de electricidade são chumbados por falta de um fio, há vistorias específicas para as águas, incêndios, correios e telefones, enquanto estruturas e fundações carecem unicamente de um termo de responsabilidade para serem aceites pelas autarquias, sem qualquer verificação.

No que concerne à qualidade das habitações, «todo o processo é passível de ser desvirtuado» e podem assinalar-se questões bem concretas que hipotecam a qualidade das mais diversas construções. A actualização dos técnicos de engenharia é reduzida, há indefinição de competências no sector, e a lei de mercado não valoriza de modo adequado e justo a qualidade dos projectos de engenharia.

Há casos em que se omite a verificação da acção sísmica, uma ilegalidade grave, para «poupar» 3% do custo total do edifício, gasto que, em caso de sismo, pode constituir a diferença entre o edifício ficar intacto ou a sua inutilização.

Idêntico panorama se verifica quanto à qualidade dos materiais, em que a maioria carece de homologação do Laboratório Nacional de Engenharia Civil e do Instituto Português da Qualidade.

O consumidor final acaba por sofrer as consequências de todo este processo, sem que existam mecanismos para a sua defesa. Durante o período de cinco anos de responsabilização do construtor, raramente se manifestam erros e deficiências estruturais. E quando isso acontece há poucas soluções. C.B.

No pátio interior do centro continuam os trabalhos. O «shopping» está quase a abrir, mas ainda não tem licença de habitabilidade nem, sequer, projecto aprovado

O EMPREENDIMENTO Quinta Shopping, situado na Quinta do Lago, uma das estâncias turísticas mais luxuosas do Algarve, está no centro de uma polémica entre as duas empresas de construção civil, uma espanhola e outra portuguesa, que se encarregaram das obras. Segundo um relatório entregue pela empresa espanhola Herrera SA (que elaborou o projecto) à Câmara de Loulé, existem «defeitos graves na execução da obra, com possíveis resultados a curto e a médio prazo que podem dar origem a deteriorações graves da mesma». Julian Herrera Ardilla, responsável daquela empresa, diz que os defeitos de execução poderão «ocasionar assentos diferentes nas zonas em que a fundação é insuficiente e, sobretudo, nas zonas em que 84 dos pilares de sustentação da estrutura foram alterados para uma dimensão crítica». Ardilla afirma que subsiste a possibilidade de no futuro se produzirem «fissuras verticais e horizontais nas paredes e nas lajes se estas estruturas não forem devidamente reforçadas». As ocorrências foram registadas no livro de obras e comunicadas - «por meras razões de seriedade», diz Ardilla - à Constrorrepara, Lda., a empresa portuguesa que construiu as fundações do edifício. Do lado português, o director da obra, arquitecto Fernando Neto, assume ter dado instruções «para a diminuição da secção dos pilares, por razões estéticas», mas refuta totalmente as acusações da empresa espanhola, alegando que as mesmas indiciam «má fé», já que o que estará na origem do diferendo entre as construtoras «é uma questão de dinheiros» e não a segurança da obra, que «nunca esteve em causa». Universidade testou segurança da obra A Fernleia Ltd., empresa nacional com capitais «offshore» que é proprietária do empreendimento - que tem como um dos accionistas o director da obra, Fernando Neto -, pediu, entretanto, uma avaliação da capacidade de resistência da construção ao Departamento de Engenharia Civil da Escola Superior de Tecnologia da Universidade do Algarve. Nas conclusões, assinadas pelo engenheiro Carlos Martins, é afirmado que «as alterações não conduzem a que a estrutura fique com um grau de segurança inferior ao que lhe era conferido pela estrutura anterior se tivessem sido adoptadas as dimensões previstas no projecto», considerando-se ainda desnecessário proceder a qualquer reforço. Porém, Carlos Martins reconheceu ao EXPRESSO que «não foram realizados ensaios destrutivos ou de raios-X» para aferir a resistência das fundações. Para este engenheiro, os elementos disponíveis não permitiram a reconstituição da análise efectuada pelo projectista espanhol, por «serem parcos em informação no que diz respeito à modelação da estrutura e hipóteses de cálculo consideradas». Assim, a análise dirigiu-se apenas à redução da secção dos pilares referidos no livro de obras. A falta de dados, aliada à grande dimensão global do edifício, dividido em diversos corpos, aconselharam a que se fizesse a análise estrutural de um só bloco, para servir de referência a toda a construção. Porém, dada a reduzida altura e o facto de os seus diferentes corpos configurarem «estruturas bastante regulares e compactas», Carlos Martins prevê que o comportamento do edifício, em termos de integridade, seja bastante bom, nomeadamente quanto à acção sísmica. Ressalvando o campo estrito em que interveio a sua equipa, que não analisou as fundações pelos condicionalismos já referidos, o responsável da Universidade do Algarve comenta ainda o facto de a legislação a que se reportam os projectos de engenharia para a construção «enfermar de erros, derivados das limitações do conhecimento que existiam na altura da sua publicação». Na opinião de Carlos Martins, «as construções de qualidade exigem soluções de qualidade», até porque «as deficiências na construção civil raramente são visíveis no início da utilização». Lojas sem licença O Quinta Shopping, com inauguração prevista para a Páscoa, embora algumas lojas já tenham aberto as suas portas, ainda não tem licença de habitabilidade, que está pendente da apreciação do projecto final das alterações apresentado na Câmara este mês. Os serviços técnicos da autarquia referem a apreciação inicial de dois projectos de engenharia, mas perante o relatório da Universidade do Algarve e dado não estar em causa a segurança no edifício não procederam a quaisquer outras análises nem levaram em conta a denúncia dos espanhóis de incumprimento da legislação. «Há muitos edifícios que cumprem os regulamentos sem garantir a segurança máxima», comentou ao EXPRESSO um engenheiro camarário, que considera o «excesso de zelo» dos espanhóis uma consequência da sua falta de conhecimento dos subterfúgios da lei portuguesa. O centro comercial foi inspirado na arquitectura dos palácios portugueses dos séculos XVII e XVIII e tem uma área de 6500 metros quadrados. Circundando um pátio interior, possui uma zona de lojas, restaurantes no piso térreo e escritórios e apartamentos no andar superior. CONCEIÇÃO BRANCO Edifícios de controlo remoto OS CONSUMIDORES portugueses não têm mecanismos de defesa no caso de erros de construção, embora a habitação seja o bem mais oneroso adquirido pelas famílias. Segundo Carlos Martins, do conselho directivo da Escola Superior de Tecnologia da Universidade do Algarve, um protocolo de cooperação entre as autarquias de Faro e Loulé e a Universidade, para fiscalização aleatória dos projectos de engenharia, revelou «resultados maus da qualidade dos edifícios».

Segundo Carlos Martins, que já exerceu a docência no Instituto Superior Técnico de Lisboa, esta situação não é privilégio do Algarve, mas sim um problema nacional. A legislação em vigor «não só não desburocratizou como desresponsabilizou o sector», afirma Carlos Martins. Actualmente, os projectos de electricidade são chumbados por falta de um fio, há vistorias específicas para as águas, incêndios, correios e telefones, enquanto estruturas e fundações carecem unicamente de um termo de responsabilidade para serem aceites pelas autarquias, sem qualquer verificação.

No que concerne à qualidade das habitações, «todo o processo é passível de ser desvirtuado» e podem assinalar-se questões bem concretas que hipotecam a qualidade das mais diversas construções. A actualização dos técnicos de engenharia é reduzida, há indefinição de competências no sector, e a lei de mercado não valoriza de modo adequado e justo a qualidade dos projectos de engenharia.

Há casos em que se omite a verificação da acção sísmica, uma ilegalidade grave, para «poupar» 3% do custo total do edifício, gasto que, em caso de sismo, pode constituir a diferença entre o edifício ficar intacto ou a sua inutilização.

Idêntico panorama se verifica quanto à qualidade dos materiais, em que a maioria carece de homologação do Laboratório Nacional de Engenharia Civil e do Instituto Português da Qualidade.

O consumidor final acaba por sofrer as consequências de todo este processo, sem que existam mecanismos para a sua defesa. Durante o período de cinco anos de responsabilização do construtor, raramente se manifestam erros e deficiências estruturais. E quando isso acontece há poucas soluções. C.B.

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