Em tempo de foices longas

19-04-2001
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Carlos Carvalhas: mais afastado dos renovadores

O EXPRESSO apurou, no entanto, que a proposta de Amaral se refere ao adiamento do Congresso, nomeadamente atendendo ao ponto «crítico» a que chegou o debate interno. Na proposta, o deputado comunista evoca os vários apelos públicos nesse sentido como justificativos da inclusão do tema na agenda de trabalhos do CC, marcado para o próximo dia 26, que deverá aprovar a versão final das Teses.

A iniciativa de João Amaral, no seguimento, aliás, das discussões que se têm repetido nas reuniões electivas dos delegados ao Congresso - o tema do adiamento da reunião magna dos comunistas tem gerado polémica em vários debates e foi, inclusivamente, objecto de carta reivindicativa da organização dos médicos de Lisboa do PCP -, deverá gerar a maior controvérsia já na própria reunião da Comissão Política. Que, aliás, «passou» sobre o tema na última reunião de segunda-feira.

Entre os renovadores - nos quais se inclui, obviamente, João Amaral - não há grandes expectativas quanto ao sucesso da proposta, que deverá ser chumbada na Comissão Política. De facto, não só as Teses ao Congresso já estão quase aprovadas como até já há muitos delegados eleitos. Como ainda poderão ser invocados em desfavor da tese pró-desconvocação temporária da reunião as questões logísticas, como o arrendamento do Pavilhão Atlântico, no Parque das Nações, para aquele fim-de-semana de Dezembro.

Em abono do adiamento têm sido aduzidos vários fundamentos, dos quais se destaca a tentativa de evitar a cisão entre os defensores da retoma do «Novo Impulso» e os conservadores.

Para os primeiros, o debate interno está completamente viciado e já não há tempo, a não ser que o Congresso seja efectivamente desmarcado, para impor outro rumo que ainda permita evitar a implosão e consequente «sangria de quadros», com mais demissões e indisponibilidades na linha do que vem acontecendo nas últimas semanas - prolongando-se, assim, o tempo de «foices longas» no PCP, até à ruptura.

Os «pró-adiamentos» sofreram, no entanto, esta semana, uma «baixa» de vulto: Octávio Teixeira - o líder parlamentar conotado com a ala renovadora mas que tem adoptado uma posição de quase permanente neutralidade (e, sempre, de não-hostilidade a Carlos Carvalhas) -, embora em termos lacónicos, pronunciou-se publicamente (em entrevista ao «Semanário») contra a desconvocação do Congresso.

O Comité de Fevereiro

Os renovadores escudam a reivindicação de regresso ao debate livre e sem «suspeições» ou «perseguições» que consideram infundadas e desvirtuadoras do sentido das suas propostas na decisão do Comité Central de Fevereiro. O tal em que, contra a vontade expressa por Álvaro Cunhal, introduziu alterações substanciais à forma tradicional de preparação do Congresso, com uma nota de trabalho interna (divulgada pelo EXPRESSO na altura) em que se admitia o debate «livre» e «sem restrições».

A decisão do CC de Fevereiro foi um «marco» fundamental na história (actual, e futura?) do partido.

Foi a partir daí que Cunhal despiu as vestes de Manuel Tiago e voltou à estrada em defesa dos princípios de sempre do PCP, como o «marxismo-leninismo» e o «centralismo democrático», que passou a defender pelo país contra os avanços dos renovadores e os «desvios sociais-democratizantes». E isto porque, de facto, a nota de trabalho de preparação do Congresso admitia que não havia «tabus» nem «restrições» ao debate e logo houve quem, como Carlos Brito, tenha assumido a proposta de alteração do programa do PCP, incluindo a substituição da expressão «marxismo-leninismo».

A falta de Luís Sá

João Amaral: proposta polémica desafia direcção

A inesperada morte de Luís Sá, pouco tempo depois das eleições, constituiu, igualmente, outro rombo nas hostes renovadoras. Sá, com efectiva ligação ao aparelho do partido e a Carlos Carvalhas - e fácil acesso até a Cunhal -, era um elemento fundamental para os defensores da renovação, que nunca tiveram nem uma estratégia concertada nem um líder.

E, de facto, a inexistência de uma estratégia concertada revelou-se fatal para os renovadores. O Comité Central que se realizou a 16 e 17 de Junho marcou uma nova fase da luta entre «renovadores» e «ortodoxos», na altura considerada «agreste e histórica». E foi o último em que, até ao momento, Álvaro Cunhal participou.

Nesta altura, já os renovadores diziam a Carvalhas que não iriam aceitar que o debate fosse «condicionado e distorcido pelas habituais tácticas de lançamento da suspeição sobre quem acha que o partido tem de mudar». Neste Comité Central - em que ficou decidido que os comunistas avançariam com uma candidatura presidencial - falou-se também do Programa e dos Estatutos do partido. Ficou aprovada a manutenção dos três órgãos de direcção (Comissão Política, Secretariado e Comissão Central de Controlo), apesar de com 15 votos contra e uma série de abstenções, mas ficou em aberto a possibilidade de «alterações que eventualmente se venham a considerar quanto aos organismos de direcção, com reflexos pontuais nos Estatutos».

Na última semana de Agosto, a revista «Visão» publicou uma polémica carta que, em Março, Carlos Brito tinha enviado aos membros da Comissão Política e do Secretariado. A publicação da missiva aconteceu poucas semanas depois de uma entrevista polémica de Brito (ao «Independente») e foi acompanhada de controversos artigos de João Amaral.

Um dia antes da Festa do «Avante!», a carta caiu como uma «bomba». O gabinete de Imprensa, «autorizado a exprimir a seguinte posição da direcção do PCP», considerou a divulgação da carta «um lamentável, condenável e inaceitável procedimento», uma «tentativa de prejudicar» a «intervenção e afirmação políticas do PCP». Já a Festa, onde não esteve Álvaro Cunhal, recém-operado aos olhos, foi marcada pelo discurso próximo dos ortodoxos que proferiu Carlos Carvalhas - recorde-se que o secretário-geral já tinha criticado as entrevistas e artigos de Brito, Amaral e de Edgar Correia, e que fez saber internamente que estava em desacordo com aquele tipo de intervenções.

Na semana seguinte, soube-se que seria António Abreu o candidato apoiado pelo PCP às presidenciais, mas o Comité Central destinado a avalizar a escolha ficou, porém, marcado por outro facto: uma pequena, mas significativa, entrevista de Edgar Correia onde defendia uma posição contrária à assumida pela «direcção do PCP», órgão que considerava não existir na organização interna. Defendeu, também, a divulgação no «Avante!» de «todos os elementos úteis à reflexão sobre o PCP nas fases pré-congresso».

Sanções e demissões

Octávio Teixeira: sempre ao lado de... Carvalhas

As sanções aos renovadores Carlos Brito, Edgar Correia e João Amaral fizeram parte da reunião, e foram pedidas por Domingos Abrantes no final do encontro. Entretanto, os membros do Comité já estavam na posse do projecto de Teses para o Congresso, de que foram relatores no CC Albano Nunes, Domingos Abrantes, Jerónimo de Sousa e Francisco Lopes, todos do «núcleo duro» conservador.

Outubro começa com mais um Comité Central. As sanções, apesar de reclamadas - nomeadamente num documento da Comissão Central de Controlo - acabaram por não ir para a frente. Mas as notas dominantes do encontro foram a aprovação do Projecto de Teses, que ainda se encontra a ser discutido nas organizações de base, e o anúncio do «histórico» José Soeiro de que iria abandonar a Comissão Política, referindo-se à situação interna do partido como «mais grave do que alguns pensam».

As Teses, consideradas pelos renovadores como um «retrocesso completo» face às decisões do «Novo Impulso», de Fevereiro de 1998, foram aprovadas pela larga maioria dos membros do Comité, apenas com o voto contra de João Amaral e de outro elemento, recebendo ainda 14 abstenções. Uma claríssima derrota que se seguiu a outra, mas bem menos expressiva: a de que as Teses fossem aprovadas por capítulos, que recebeu 87 votos a favor da votação global contra 63 pela votação capítulo a capítulo.

José Soeiro bate com a portas, mas, alvo de pressões do sector ortodoxo e do próprio Álvaro Cunhal, acabou por regressar às reuniões da comissão política.

Logo na semana seguinte, era conhecido o abandono do Comité Central por parte de Helena Medina, sabendo-se que mais elementos estariam na mesma situação. Manuela Esteves e José Tavares, tal como Medina, da Organização Regional de Lisboa, são outros dos vários nomes já conhecidos.

Entretanto, foram também conhecidas as indisponibilidades dos membros da comissão política Carlos Luís Figueira e António Lopes (irmão de Agostinho Lopes) para continuarem naquele órgão executivo depois do Congresso.

E o ambiente de tensão que reina no partido pode ser constatado semanalmente nas páginas do «Avante!» destinadas a discutir as Teses para o Congresso, mas que, muitas vezes, mais discutem o actual momento partidário: de «foices afiadas».

MARIA TERESA OLIVEIRA e MÁRIO RAMIRES

Carlos Carvalhas: mais afastado dos renovadores

O EXPRESSO apurou, no entanto, que a proposta de Amaral se refere ao adiamento do Congresso, nomeadamente atendendo ao ponto «crítico» a que chegou o debate interno. Na proposta, o deputado comunista evoca os vários apelos públicos nesse sentido como justificativos da inclusão do tema na agenda de trabalhos do CC, marcado para o próximo dia 26, que deverá aprovar a versão final das Teses.

A iniciativa de João Amaral, no seguimento, aliás, das discussões que se têm repetido nas reuniões electivas dos delegados ao Congresso - o tema do adiamento da reunião magna dos comunistas tem gerado polémica em vários debates e foi, inclusivamente, objecto de carta reivindicativa da organização dos médicos de Lisboa do PCP -, deverá gerar a maior controvérsia já na própria reunião da Comissão Política. Que, aliás, «passou» sobre o tema na última reunião de segunda-feira.

Entre os renovadores - nos quais se inclui, obviamente, João Amaral - não há grandes expectativas quanto ao sucesso da proposta, que deverá ser chumbada na Comissão Política. De facto, não só as Teses ao Congresso já estão quase aprovadas como até já há muitos delegados eleitos. Como ainda poderão ser invocados em desfavor da tese pró-desconvocação temporária da reunião as questões logísticas, como o arrendamento do Pavilhão Atlântico, no Parque das Nações, para aquele fim-de-semana de Dezembro.

Em abono do adiamento têm sido aduzidos vários fundamentos, dos quais se destaca a tentativa de evitar a cisão entre os defensores da retoma do «Novo Impulso» e os conservadores.

Para os primeiros, o debate interno está completamente viciado e já não há tempo, a não ser que o Congresso seja efectivamente desmarcado, para impor outro rumo que ainda permita evitar a implosão e consequente «sangria de quadros», com mais demissões e indisponibilidades na linha do que vem acontecendo nas últimas semanas - prolongando-se, assim, o tempo de «foices longas» no PCP, até à ruptura.

Os «pró-adiamentos» sofreram, no entanto, esta semana, uma «baixa» de vulto: Octávio Teixeira - o líder parlamentar conotado com a ala renovadora mas que tem adoptado uma posição de quase permanente neutralidade (e, sempre, de não-hostilidade a Carlos Carvalhas) -, embora em termos lacónicos, pronunciou-se publicamente (em entrevista ao «Semanário») contra a desconvocação do Congresso.

O Comité de Fevereiro

Os renovadores escudam a reivindicação de regresso ao debate livre e sem «suspeições» ou «perseguições» que consideram infundadas e desvirtuadoras do sentido das suas propostas na decisão do Comité Central de Fevereiro. O tal em que, contra a vontade expressa por Álvaro Cunhal, introduziu alterações substanciais à forma tradicional de preparação do Congresso, com uma nota de trabalho interna (divulgada pelo EXPRESSO na altura) em que se admitia o debate «livre» e «sem restrições».

A decisão do CC de Fevereiro foi um «marco» fundamental na história (actual, e futura?) do partido.

Foi a partir daí que Cunhal despiu as vestes de Manuel Tiago e voltou à estrada em defesa dos princípios de sempre do PCP, como o «marxismo-leninismo» e o «centralismo democrático», que passou a defender pelo país contra os avanços dos renovadores e os «desvios sociais-democratizantes». E isto porque, de facto, a nota de trabalho de preparação do Congresso admitia que não havia «tabus» nem «restrições» ao debate e logo houve quem, como Carlos Brito, tenha assumido a proposta de alteração do programa do PCP, incluindo a substituição da expressão «marxismo-leninismo».

A falta de Luís Sá

João Amaral: proposta polémica desafia direcção

A inesperada morte de Luís Sá, pouco tempo depois das eleições, constituiu, igualmente, outro rombo nas hostes renovadoras. Sá, com efectiva ligação ao aparelho do partido e a Carlos Carvalhas - e fácil acesso até a Cunhal -, era um elemento fundamental para os defensores da renovação, que nunca tiveram nem uma estratégia concertada nem um líder.

E, de facto, a inexistência de uma estratégia concertada revelou-se fatal para os renovadores. O Comité Central que se realizou a 16 e 17 de Junho marcou uma nova fase da luta entre «renovadores» e «ortodoxos», na altura considerada «agreste e histórica». E foi o último em que, até ao momento, Álvaro Cunhal participou.

Nesta altura, já os renovadores diziam a Carvalhas que não iriam aceitar que o debate fosse «condicionado e distorcido pelas habituais tácticas de lançamento da suspeição sobre quem acha que o partido tem de mudar». Neste Comité Central - em que ficou decidido que os comunistas avançariam com uma candidatura presidencial - falou-se também do Programa e dos Estatutos do partido. Ficou aprovada a manutenção dos três órgãos de direcção (Comissão Política, Secretariado e Comissão Central de Controlo), apesar de com 15 votos contra e uma série de abstenções, mas ficou em aberto a possibilidade de «alterações que eventualmente se venham a considerar quanto aos organismos de direcção, com reflexos pontuais nos Estatutos».

Na última semana de Agosto, a revista «Visão» publicou uma polémica carta que, em Março, Carlos Brito tinha enviado aos membros da Comissão Política e do Secretariado. A publicação da missiva aconteceu poucas semanas depois de uma entrevista polémica de Brito (ao «Independente») e foi acompanhada de controversos artigos de João Amaral.

Um dia antes da Festa do «Avante!», a carta caiu como uma «bomba». O gabinete de Imprensa, «autorizado a exprimir a seguinte posição da direcção do PCP», considerou a divulgação da carta «um lamentável, condenável e inaceitável procedimento», uma «tentativa de prejudicar» a «intervenção e afirmação políticas do PCP». Já a Festa, onde não esteve Álvaro Cunhal, recém-operado aos olhos, foi marcada pelo discurso próximo dos ortodoxos que proferiu Carlos Carvalhas - recorde-se que o secretário-geral já tinha criticado as entrevistas e artigos de Brito, Amaral e de Edgar Correia, e que fez saber internamente que estava em desacordo com aquele tipo de intervenções.

Na semana seguinte, soube-se que seria António Abreu o candidato apoiado pelo PCP às presidenciais, mas o Comité Central destinado a avalizar a escolha ficou, porém, marcado por outro facto: uma pequena, mas significativa, entrevista de Edgar Correia onde defendia uma posição contrária à assumida pela «direcção do PCP», órgão que considerava não existir na organização interna. Defendeu, também, a divulgação no «Avante!» de «todos os elementos úteis à reflexão sobre o PCP nas fases pré-congresso».

Sanções e demissões

Octávio Teixeira: sempre ao lado de... Carvalhas

As sanções aos renovadores Carlos Brito, Edgar Correia e João Amaral fizeram parte da reunião, e foram pedidas por Domingos Abrantes no final do encontro. Entretanto, os membros do Comité já estavam na posse do projecto de Teses para o Congresso, de que foram relatores no CC Albano Nunes, Domingos Abrantes, Jerónimo de Sousa e Francisco Lopes, todos do «núcleo duro» conservador.

Outubro começa com mais um Comité Central. As sanções, apesar de reclamadas - nomeadamente num documento da Comissão Central de Controlo - acabaram por não ir para a frente. Mas as notas dominantes do encontro foram a aprovação do Projecto de Teses, que ainda se encontra a ser discutido nas organizações de base, e o anúncio do «histórico» José Soeiro de que iria abandonar a Comissão Política, referindo-se à situação interna do partido como «mais grave do que alguns pensam».

As Teses, consideradas pelos renovadores como um «retrocesso completo» face às decisões do «Novo Impulso», de Fevereiro de 1998, foram aprovadas pela larga maioria dos membros do Comité, apenas com o voto contra de João Amaral e de outro elemento, recebendo ainda 14 abstenções. Uma claríssima derrota que se seguiu a outra, mas bem menos expressiva: a de que as Teses fossem aprovadas por capítulos, que recebeu 87 votos a favor da votação global contra 63 pela votação capítulo a capítulo.

José Soeiro bate com a portas, mas, alvo de pressões do sector ortodoxo e do próprio Álvaro Cunhal, acabou por regressar às reuniões da comissão política.

Logo na semana seguinte, era conhecido o abandono do Comité Central por parte de Helena Medina, sabendo-se que mais elementos estariam na mesma situação. Manuela Esteves e José Tavares, tal como Medina, da Organização Regional de Lisboa, são outros dos vários nomes já conhecidos.

Entretanto, foram também conhecidas as indisponibilidades dos membros da comissão política Carlos Luís Figueira e António Lopes (irmão de Agostinho Lopes) para continuarem naquele órgão executivo depois do Congresso.

E o ambiente de tensão que reina no partido pode ser constatado semanalmente nas páginas do «Avante!» destinadas a discutir as Teses para o Congresso, mas que, muitas vezes, mais discutem o actual momento partidário: de «foices afiadas».

MARIA TERESA OLIVEIRA e MÁRIO RAMIRES

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