Ministro da Defesa por um fio

03-03-2001
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Ministro da Defesa por Um Fio

Por JOÃO PEDRO HENRIQUES

Sexta-feira, 26 de Janeiro de 2001 CONFLITO PRESIDENTE-GOVERNO . A Presidência da República declarou-se "totalmente satisfeita" com as explicações dadas por Guterres a Sampaio acerca das declarações de Castro Caldas. O ministro da Defesa aguenta-se, mas não deverá ser por muito tempo. Até por vontade própria. O lugar de Júlio Castro Caldas no Governo está por um fio. O ministro da Defesa quer sair do Governo e ontem essa vontade só não se consumou porque António Guterres não quer oferecer a cabeça de ministros numa bandeja ao Presidente da República (PR) sempre que este as exige, como aconteceu com Armando Vara. O primeiro-ministro foi convocado ontem a Belém de urgência pelo Presidente da República. O que suscitou a fúria presidencial foi uma confusa declaração de Castro Caldas, feita terça-feira na Assembleia da República, insinuando que o PR sabe da questão do urânio há muito mais tempo do que diz saber - e que é, segundo alega Sampaio, desde 2 de Janeiro, através de um relatório enviado em simultâneo para Belém e para o Parlamento pelo ministro da Defesa. À saída da audiência, António Guterres esforçou-se por passar a mensagem de que não há nuvens na relação entre o PR e o Governo: "Quero aqui reafirmar com total clareza a solidariedade institucional entre o Presidente da República e o Governo." O primeiro-ministro disse depois, como Sampaio tem garantido por sucessivas vezes, que a questão do urânio só foi discutida pela primeira vez no Conselho Superior de Defesa Nacional (CSDN), orgão a que o PR preside, em 8 de Janeiro. "Em nenhuma [outra] reunião do CSDN foi apresentado por qualquer entidade civil ou militar qualquer documento sobre o urânio empobrecido. E não foi apresentado nenhum documento porque não tinha que ser, já que toda a documentação enviada pela NATO era inteiramente tranquilizadora." Com estes argumentos o primeiro-ministro procurou "esclarecer definitivamente" esta questão - como aliás Sampaio exigia. Depois renovou a confiança no seu ministro da Defesa: "Concerteza [que a confiança no ministro está renovada], esta reunião serviu para esclarecer a questão e matar definitivamente todos os equívocos." Após a audiência, o Presidente considerou-se, segundo uma fonte de Belém, "plenamente satisfeito". A mesma fonte não deixou porém de salientar, ao mesmo tempo, que "esta questão foi levantada pelo ministro da Defesa na comissão parlamentar de Defesa". "Speedy" Encarnação Com mais este episódio, o consulado de Castro Caldas na Defesa está ferido de morte. Apesar de lhe ter renovado a confiança, Guterres foi objectivamente ao encontro das posições do PR, em desfavor das posições insinuadas pelo seu ministro. Um sinal claro de isolamento de Caldas no seio do Governo surgiu ao final da tarde numa declaração de Jorge Coelho, ministro de Estado e do Equipamento Social: "Basta o Presidente da República dizer uma coisa para eu achar que ele está a falar verdade. É uma pessoa em que eu acreditei e acredito há muitos anos, a cem por cento, e basta-me ele dizer isso para ser verdade. Nem sequer tenho de ver nada, nem sequer tenho de ir ver uma acta [do CSDN]." Ao longo da tarde circularam pelos corredores da Assembleia da República insistentes rumores de que Castro Caldas estava demissionário. Gerou-se um ambiente de tal expectativa que, por um misterioso lapso, o "ministro-sombra" do PSD para a Defesa, Carlos Encarnação, reagiu à demissão do ministro da Defesa das Filipinas como se se tratasse da demissão de Caldas. A sorte de Encarnação é que o comentário não foi tornado público, porque alguém se apercebeu da confusão a tempo. Um dirigente do PS garantiu ao PÚBLICO que o ministro quer mesmo sair do Governo. Castro Caldas já terá mesmo admitido em círculos das suas relações pessoais algum desencanto face ao desgaste a que tem sido sujeito. O mesmo dirigente considerou inevitável a saída de Caldas a curto prazo, porventura numa remodelação que Guterres venha a fazer depois do próximo congresso do PS, aproveitando uma conjuntura em que a sua saída não apareça a reboque das exigências da oposição. Pelo lado da Associação dos Oficiais das Forças Armadas, também existe a convicção de que Castro Caldas é um "ministro condenado a prazo", na expressão de um dos seus dirigentes. Segundo esta fonte, as várias tentativas do ministro para manter uma relação saudável com as chefias militares têm esbarrado em problemas orçamentais, que não permitem a Caldas cumprir minimamente as expectativas castrenses. O ministro tem, entretanto, uma batata quente para resolver no curto-prazo: o concurso para a aquisição de três submarinos. A escolha de um dos dois consórcios concorrentes (um francês, outro alemão) poderá fazer os derrotados desencadearem uma guerra suja de proporções inimagináveis. São números na ordem dos 200 a 300 milhões de contos que estão em causa. Se Caldas sair antes da decisão será o quarto ministro por quem o concurso passa sem se resolver. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Ministro da Defesa por um fio

Perguntas e respostas: Quql é o envolvimento português nos Balcâs?

PCP exige a demissão de Castro Caldas

EDITORIAL Um espectáculo tristíssimo

Urânio abala relações entre Europa e EUA

Familiares entre o medo e o silêncio

Breves

Uma brigada às ordens do comandante da Sfor

OPINIÃO

Um debate empobrecido

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