Carvalhas «pisca o olho» a Guterres

22-04-2000
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Carlos Carvalhas: a crítica perante a ultra-radical JCP fez renascer as esperanças dos renovadores

A FESTEJADA «ousadia» de Carlos Carvalhas em criticar os regimes comunistas de Leste, dez anos depois da queda do muro de Berlim e do início da sua derrocada, não passa, afinal, de uma operação de «charme» a António Guterres, em tempo de alianças parlamentares estratégicas. A condenação é um recado para fora do partido, com destinatário certo - a opinião pública -, fornecendo aos socialistas o argumento político de que carecem para poder negociar discretamente acordos de incidência parlamentares com o PCP, libertando-os da obrigatoriedade de se entenderem com a direita, representada pelo PP. Sem sombra de mudança Acolhida com desproporcionada simpatia, a iniciativa é vazia de conteúdo, não estando associada a qualquer mudança de rumo no comportamento do PCP. «Se a crítica fosse acompanhada de alguma alteração de filosofia, que se traduzisse em medidas prática, teríamos motivos para festejar», observa fonte da ala renovadora, resfriando entusiasmos imediatistas. Há, dentro e fora do PCP, quem interprete a iniciativa de Carlos Carvalhas como uma «fuga para a frente», «um passo no sentido da sua afirmação plena como líder». A verdade, porém - pese embora o optimismo dos que fazem profissão de fé de novo impulso à mudança -, é que nem mesmo a declaração, na sua essência, é nova. Já durante a campanha eleitoral Carvalhas exorcizou as «ilusões» dos que acreditaram num «modelo que faliu». Numa sessão de esclarecimento ao patronato, no Núcleo Empresarial de Santarém, o secretário-geral do PCP chegou ao ponto de autocriticar o «erro enorme» que foi «estatizar a economia». A declaração agora produzida não provocou, de resto, qualquer perturbação no PCP, onde o quadro é «de acalmia» - segundo garantem fontes da direcção do partido e da minoria «renovadora». A tranquilidade decorre do facto de as críticas ao modelo soviético terem sido subscritas já início do ano, nas chamadas «Teses de Fevereiro», pela ala mais ortodoxa do aparelho partidário. Como quem não quer a coisa Apesar de Carlos Carvalhas se ter limitado a constatar o óbvio - que a falência dos regimes comunistas do Leste europeu foi o resultado de «um modelo que desprezou o valor intrínseco da liberdade e da democracia» -, o impacto mediático da afirmação agrada aos «renovadores». «Não é todos os dias que o secretário-geral faz uma afirmação destas», lembram os mais optimistas, numa observação para consumo mediático. O único dado politicamente relevante, no plano da clivagem entre «renovadores» e «ortodoxos» (que é real, indisfarçável e permanente), decorre do facto de a afirmação ter sido proferida perante uma assembleia ultra-radical: o Encontro Internacional da Juventude Comunista (JCP), em Almada, evocativo do 20º aniversário da sua fundação. Considerada «ideologicamente mais conservadora que a velha guarda comunista», a JCP é a facção mais radical do PCP, que se reivindica do marxismo-leninismo puro e duro, indiferente aos ventos da História e avessa às mudanças. «A circunstância de Carlos Carvalhos ter dito o que disse no sítio onde o fez, é tudo menos inocente», avalia um dos defensores da abertura. A clássica angústia dos «renovadores» é, desde sempre, a dúvida de saber «para que lado cai Carlos Carvalhas». Mas a clarificação fica adiada. A declaração do secretário-geral do PCP não é esclarecedora, jogada que foi com objectivos tácticos denunciados, num plano de passividade interna. «Tribuna burguesa» e frente popular Contrariando as previsões mais imediatas, a declaração não provocou qualquer agitação no interior do partido. Separando claramente os campos - agitação política de rua e mobilização de massas por um lado, «intervenção parlamentar burguesa» por outro -, os duros do PCP não parecem incomodados com a abertura à negociação com os socialistas na Assembleia da República, desde que isso não implique cedências essenciais nem se substitua à «agit-prop» político-sindical. Interrompida momentaneamente a sangria eleitoral - com a conquista de 9,2% dos votos, muito longe dos 16% que chegaram a ter em 1979 -, a confrontação interna entrou em novo impasse. Sem grandes pressas, os «renovadores» ensaiam tímidos avanços. Mas tudo se joga, para já, ao nível das palavras - mais insinuadas do que assumidas. Logo a seguir às eleições, Edgar Correia - um dos cabeças-de-cartaz dos «renovadores» - expendia a ideia de que os resultados eleitorais eram a prova de que o processo de abertura à sociedade civil, proporcionado pelo «Portugal 2000», era o rumo certo. Na linguagem codificada dos defensores da mudança isso quer dizer que o PCP, para se manter vivo, tem de apostar na renovação. Mas a circunstância de a reflexão ter sido publicada nas páginas do «Avante!» é a melhor prova de que a ruptura está muito longe ainda de poder vir a consumar-se. ORLANDO RAIMUNDO

Carlos Carvalhas: a crítica perante a ultra-radical JCP fez renascer as esperanças dos renovadores

A FESTEJADA «ousadia» de Carlos Carvalhas em criticar os regimes comunistas de Leste, dez anos depois da queda do muro de Berlim e do início da sua derrocada, não passa, afinal, de uma operação de «charme» a António Guterres, em tempo de alianças parlamentares estratégicas. A condenação é um recado para fora do partido, com destinatário certo - a opinião pública -, fornecendo aos socialistas o argumento político de que carecem para poder negociar discretamente acordos de incidência parlamentares com o PCP, libertando-os da obrigatoriedade de se entenderem com a direita, representada pelo PP. Sem sombra de mudança Acolhida com desproporcionada simpatia, a iniciativa é vazia de conteúdo, não estando associada a qualquer mudança de rumo no comportamento do PCP. «Se a crítica fosse acompanhada de alguma alteração de filosofia, que se traduzisse em medidas prática, teríamos motivos para festejar», observa fonte da ala renovadora, resfriando entusiasmos imediatistas. Há, dentro e fora do PCP, quem interprete a iniciativa de Carlos Carvalhas como uma «fuga para a frente», «um passo no sentido da sua afirmação plena como líder». A verdade, porém - pese embora o optimismo dos que fazem profissão de fé de novo impulso à mudança -, é que nem mesmo a declaração, na sua essência, é nova. Já durante a campanha eleitoral Carvalhas exorcizou as «ilusões» dos que acreditaram num «modelo que faliu». Numa sessão de esclarecimento ao patronato, no Núcleo Empresarial de Santarém, o secretário-geral do PCP chegou ao ponto de autocriticar o «erro enorme» que foi «estatizar a economia». A declaração agora produzida não provocou, de resto, qualquer perturbação no PCP, onde o quadro é «de acalmia» - segundo garantem fontes da direcção do partido e da minoria «renovadora». A tranquilidade decorre do facto de as críticas ao modelo soviético terem sido subscritas já início do ano, nas chamadas «Teses de Fevereiro», pela ala mais ortodoxa do aparelho partidário. Como quem não quer a coisa Apesar de Carlos Carvalhas se ter limitado a constatar o óbvio - que a falência dos regimes comunistas do Leste europeu foi o resultado de «um modelo que desprezou o valor intrínseco da liberdade e da democracia» -, o impacto mediático da afirmação agrada aos «renovadores». «Não é todos os dias que o secretário-geral faz uma afirmação destas», lembram os mais optimistas, numa observação para consumo mediático. O único dado politicamente relevante, no plano da clivagem entre «renovadores» e «ortodoxos» (que é real, indisfarçável e permanente), decorre do facto de a afirmação ter sido proferida perante uma assembleia ultra-radical: o Encontro Internacional da Juventude Comunista (JCP), em Almada, evocativo do 20º aniversário da sua fundação. Considerada «ideologicamente mais conservadora que a velha guarda comunista», a JCP é a facção mais radical do PCP, que se reivindica do marxismo-leninismo puro e duro, indiferente aos ventos da História e avessa às mudanças. «A circunstância de Carlos Carvalhos ter dito o que disse no sítio onde o fez, é tudo menos inocente», avalia um dos defensores da abertura. A clássica angústia dos «renovadores» é, desde sempre, a dúvida de saber «para que lado cai Carlos Carvalhas». Mas a clarificação fica adiada. A declaração do secretário-geral do PCP não é esclarecedora, jogada que foi com objectivos tácticos denunciados, num plano de passividade interna. «Tribuna burguesa» e frente popular Contrariando as previsões mais imediatas, a declaração não provocou qualquer agitação no interior do partido. Separando claramente os campos - agitação política de rua e mobilização de massas por um lado, «intervenção parlamentar burguesa» por outro -, os duros do PCP não parecem incomodados com a abertura à negociação com os socialistas na Assembleia da República, desde que isso não implique cedências essenciais nem se substitua à «agit-prop» político-sindical. Interrompida momentaneamente a sangria eleitoral - com a conquista de 9,2% dos votos, muito longe dos 16% que chegaram a ter em 1979 -, a confrontação interna entrou em novo impasse. Sem grandes pressas, os «renovadores» ensaiam tímidos avanços. Mas tudo se joga, para já, ao nível das palavras - mais insinuadas do que assumidas. Logo a seguir às eleições, Edgar Correia - um dos cabeças-de-cartaz dos «renovadores» - expendia a ideia de que os resultados eleitorais eram a prova de que o processo de abertura à sociedade civil, proporcionado pelo «Portugal 2000», era o rumo certo. Na linguagem codificada dos defensores da mudança isso quer dizer que o PCP, para se manter vivo, tem de apostar na renovação. Mas a circunstância de a reflexão ter sido publicada nas páginas do «Avante!» é a melhor prova de que a ruptura está muito longe ainda de poder vir a consumar-se. ORLANDO RAIMUNDO

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