Brandos costumes?

25-06-2001
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Brandos Costumes?

Por FERNANDO SOUSA

Segunda-feira, 28 de Maio de 2001 O fim da ditadura em Portugal, em 1974, não tirou o país dos relatórios anuais da Amnistia - depois de amanhã sai outro Portugal não foi só a causa do aparecimento da AI; foi também, desde que ela nasceu, um dos países habitualmente citados nos seus relatórios. Porém, é possível distinguir duas fases, uma até 1974, outra desde então. A primeira começa com o relatório publicado no boletim trimestral "Amnistia", de 1962, e centra-se essencialmente nos atentados do regime contra as liberdades políticas - os casos de Mário Soares, Julieta Gandra ou Agostinho Neto são só os primeiros de uma longa lista. Que integrará mais tarde, entre outros, o advogado Francisco Sousa Tavares. A ideia que a organização dá ano a ano do país é a de uma grande prensa esmagadora de homens e ideias, umas vezes porque pensam contra o que pensa o regime, outras porque escrevem o que ele não gosta de ler. Dois dos escândalos que a AI traz a público em 1966 são as prisões de Rogério Rodrigues e do arquitecto Pedro Vieira de Almeida, por serem membros do Partido Comunista, e do escritor Luís Sttau Monteiro. Todos serão libertados, mas só depois de grandes pressões internacionais. Só em Caxias e Peniche, o número de presos oscila entre 300 e 350. Outro é a aprovação, no dia 24 de Setembro, do Decreto-Lei 47216, que estabelece o princípio da deportação de presos políticos por simples decisão do ministro da Justiça. A nomeação de Marcelo Caetano para o lugar de Salazar, em 1969, e a posterior liberalização do regime - a "Primavera marcelista" - pouco muda o panorama político interno. A repressão das ideias continua e a guerra em África, em Angola, Guiné e Moçambique, também. A Amnistia Internacional reparte por esses anos a sua luta entre a libertação dos presos políticos, que o Conselho da Europa calcula agora em 180, e o combate à legislação repressiva. Adopta 70 presos políticos enquanto vários dos seus grupos locais espalhados pelo mundo apoiam moral e financeiramente as famílias dos perseguidos e bombardeiam o Terreiro do Paço com cartas, milhares de cartas, exigindo o fim das "medidas de segurança" impostas a vários deles. Com a revolta dos capitães e a instauração da democracia, em 25 de Abril de 1974, o regime cai. Os seus presos são libertados. Mas as prisões voltam a encher-se, agora com os ex-carcereiros e também com os membros do então Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado (MRPP). Notícias dos jornais citadas no relatório de 1975 dão conta de muitos mais presos políticos do que no passado, cerca de 500, além de mil ex-agentes da PIDE, sobre quem impendem acusações criminais. A situação é tão grave que a AI manda a Portugal não um investigador mas uma equipa de peritos - o próprio secretário-geral, Martin Ennals, o advogado francês Christian Bourguet, e Josette Bos, do Departamento de Investigação, para discutirem o problema com o Presidente Costa Gomes e o seu Governo. Para a história da formação do Estado de Direito em Portugal ficam ainda os processos contra Afonso de Sousa, Isabel do Carmo e Carlos Antunes, do Partido Revolucionário do Proletariado, todos carregados de irregularidades, todos apadrinhados pela AI. Entre 1981 e 1989 a Amnistia não refere Portugal nos seus relatórios anuais, o que a organização explicará que é por não ter dados suficientes sobre o país. Porém passa a referi-lo a partir de então e todos os anos até hoje, agora com um novo tipo de problemas: a demora dos julgamentos, a denegação da justiça, o excesso de prisão preventiva, o abuso do poder, as agressões por parte das forças de segurança e prisionais, casos de alegadas torturas, enfim o padrão dos atropelos verificados noutros países da Europa. Depois de amanhã, quarta-feira, sai mais um relatório anual da organização. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE 40 anos pela liberdade

"Constantino, não desencorajes"

Os inimigos da Amnistia

Primeiro relatório da AI sobre Portugal

Brandos costumes?

A secção que nasceu no Bairro Alto

A nova geração que quer fazer tudo, por todos, a todo o momento

"São as nossas cartas que os trazem cá para fora"

Como aquele inglês pensou em Portugal

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