As certezas de Carlos Antunes

16-03-2001
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As Certezas de Carlos Antunes

Por H. GIL FERREIRA, Sassoeiros - Carcavelos

Quinta-feira, 30 de Novembro de 2000 [Em entrevista ao PÚBLICO nas edições de 18 e 19/11], Carlos Antunes (CA) sugere implicitamente que as pessoas cujos percursos políticos antes (e depois) do 25 de Abril não se sobrepõem ao seu têm credenciais políticas duvidosas. Faz lembrar o regime passado: quem não é por nós é contra nós. É difícil discordar no caso daqueles que foram colaboradores activos da situação, e sobretudo dos que nela ocuparam posições de poder. Parece abusivo inferir que os que não foram politicamente activos aceitavam o sistema, que todos os que foram militantes antifascistas eram por definição democratas, que a não militância era sinal inegável de cobardia, que o PCP era a única via respeitável para a luta anti-fascista e muito menos ainda que o único certificado de antifascismo foi uma passagem pelas prisões. A lista de pressupostos erróneos deste tipo é muito longa e perigosa. Há um paralelismo muito estreito entre os que só descobriram ser antifascistas depois do 25 de Abril e os comunistas que só descobriram os malefícios dos partidos comunistas ou da URSS depois de Praga ou de outros eventos similares, quando esses malefícios estavam a ser denunciados desde os fins da década de 20 (...). Depois, havia o funcionamento do PCP, óbvio para quem se aproximasse muito. Dada a sobranceria com que CA trata os que não foram como ele, não se percebe como concilia essas opiniões com o reconhecimento, obviamente tardio, dos vícios do PCP e da União Soviética. Parece-me razoável admitir que tenha havido pessoas que embora rejeitando a situação, nem por isso aceitavam pertencer ao PCP, mesmo tendo a consciência de que talvez em nenhum outro movimento houvesse mais gente generosa e honestamente empenhada na luta anti-fascista, de que CA é um exemplo paradigmático. (...) O problema está em ser praticamente impossível traduzir a cada momento as nossas convicções em actuações coerentes. (...) Na história da humanidade só os fanáticos foram coerentes. A avaliar pelas biografias que têm vindo a lume nestes últimos dez anos, Hitler foi um exemplo modelar de coerência, ao contrário de Marx, de Castro e até de Che Guevara. CA é um homem inteligente, bom, honesto, corajoso e politicamente generoso. Ninguém o pode acusar de ter feito política em proveito próprio. É compreensível que seja duro reconhecer que no passado simplificou um pouco as suas análises políticas. É menos aceitável que não se lembre disso quando julga os outros (...). Uma das causas mais importantes dos conflitos entre homens ao longo de séculos foi ter-se olhado para pessoas como simples membros de grupos: judeus, muçulmanos, estrangeiros, jesuítas, católicos, protestantes, comunistas, fascistas, infiéis, anacoretas, sei lá que mais, e não como indivíduos. Há alturas em que somos forçados a fazê-lo, sob risco de assistirmos à destruição da sociedade em que vivemos. Bertrand Russell percebeu isso melhor do que ninguém: foi pacifista durante a guerra de 14 - 18, "falcão" na de 39-45 e pacifista a partir daí até morrer. (...) Porque os tempos mudaram, CA está a converter-se gradualmente numa figura mediática respeitável e começa a dar indícios de estar demasiado confortável nesta nova imagem, o que não é necessariamente bom para um revolucionário. Era preferível que se ocupasse escrevendo as suas memórias com rigor. Mais do que a maioria esmagadora dos portugueses, mesmo tendo cometido erros de juízo (quem não os cometeu?), CA pode olhar tranquilamente para o seu passado político, porque as suas intenções foram sempre as melhores. Mas, por mais que nos doa, as boas intenções, que acabam por ser o único critério porque podemos julgar o nosso semelhante, não são apanágio nem dos revolucionários nem das pessoas de esquerda. Neste princípio do século XXI a base da tolerância e da modéstia intelectual na política é a experiência de mais de um século de doutrinas políticas de esquerda e de direita que falharam estrondosamente no terreno. Parece legítimo questionar a sabedoria política seja de quem for e perguntar qual a validade dos eventuais conselhos que CA podia ter dado a Saraiva de Carvalho. H. Gil Ferreira, Sassoeiros - Carcavelos OUTROS TÍTULOS EM ESPAÇO PÚBLICO OPINIÃO

Em defesa da erudição

Despesas navais: factor de progresso e segurança nacional

CARTAS AO DIRECTOR

"Repartir com o Vaticano as riquezas de Cabinda"

As certezas de Carlos Antunes

Citações

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Por H. GIL FERREIRA, Sassoeiros - Carcavelos

Quinta-feira, 30 de Novembro de 2000 [Em entrevista ao PÚBLICO nas edições de 18 e 19/11], Carlos Antunes (CA) sugere implicitamente que as pessoas cujos percursos políticos antes (e depois) do 25 de Abril não se sobrepõem ao seu têm credenciais políticas duvidosas. Faz lembrar o regime passado: quem não é por nós é contra nós. É difícil discordar no caso daqueles que foram colaboradores activos da situação, e sobretudo dos que nela ocuparam posições de poder. Parece abusivo inferir que os que não foram politicamente activos aceitavam o sistema, que todos os que foram militantes antifascistas eram por definição democratas, que a não militância era sinal inegável de cobardia, que o PCP era a única via respeitável para a luta anti-fascista e muito menos ainda que o único certificado de antifascismo foi uma passagem pelas prisões. A lista de pressupostos erróneos deste tipo é muito longa e perigosa. Há um paralelismo muito estreito entre os que só descobriram ser antifascistas depois do 25 de Abril e os comunistas que só descobriram os malefícios dos partidos comunistas ou da URSS depois de Praga ou de outros eventos similares, quando esses malefícios estavam a ser denunciados desde os fins da década de 20 (...). Depois, havia o funcionamento do PCP, óbvio para quem se aproximasse muito. Dada a sobranceria com que CA trata os que não foram como ele, não se percebe como concilia essas opiniões com o reconhecimento, obviamente tardio, dos vícios do PCP e da União Soviética. Parece-me razoável admitir que tenha havido pessoas que embora rejeitando a situação, nem por isso aceitavam pertencer ao PCP, mesmo tendo a consciência de que talvez em nenhum outro movimento houvesse mais gente generosa e honestamente empenhada na luta anti-fascista, de que CA é um exemplo paradigmático. (...) O problema está em ser praticamente impossível traduzir a cada momento as nossas convicções em actuações coerentes. (...) Na história da humanidade só os fanáticos foram coerentes. A avaliar pelas biografias que têm vindo a lume nestes últimos dez anos, Hitler foi um exemplo modelar de coerência, ao contrário de Marx, de Castro e até de Che Guevara. CA é um homem inteligente, bom, honesto, corajoso e politicamente generoso. Ninguém o pode acusar de ter feito política em proveito próprio. É compreensível que seja duro reconhecer que no passado simplificou um pouco as suas análises políticas. É menos aceitável que não se lembre disso quando julga os outros (...). Uma das causas mais importantes dos conflitos entre homens ao longo de séculos foi ter-se olhado para pessoas como simples membros de grupos: judeus, muçulmanos, estrangeiros, jesuítas, católicos, protestantes, comunistas, fascistas, infiéis, anacoretas, sei lá que mais, e não como indivíduos. Há alturas em que somos forçados a fazê-lo, sob risco de assistirmos à destruição da sociedade em que vivemos. Bertrand Russell percebeu isso melhor do que ninguém: foi pacifista durante a guerra de 14 - 18, "falcão" na de 39-45 e pacifista a partir daí até morrer. (...) Porque os tempos mudaram, CA está a converter-se gradualmente numa figura mediática respeitável e começa a dar indícios de estar demasiado confortável nesta nova imagem, o que não é necessariamente bom para um revolucionário. Era preferível que se ocupasse escrevendo as suas memórias com rigor. Mais do que a maioria esmagadora dos portugueses, mesmo tendo cometido erros de juízo (quem não os cometeu?), CA pode olhar tranquilamente para o seu passado político, porque as suas intenções foram sempre as melhores. Mas, por mais que nos doa, as boas intenções, que acabam por ser o único critério porque podemos julgar o nosso semelhante, não são apanágio nem dos revolucionários nem das pessoas de esquerda. Neste princípio do século XXI a base da tolerância e da modéstia intelectual na política é a experiência de mais de um século de doutrinas políticas de esquerda e de direita que falharam estrondosamente no terreno. Parece legítimo questionar a sabedoria política seja de quem for e perguntar qual a validade dos eventuais conselhos que CA podia ter dado a Saraiva de Carvalho. H. Gil Ferreira, Sassoeiros - Carcavelos OUTROS TÍTULOS EM ESPAÇO PÚBLICO OPINIÃO

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