Se calhar hoje sou mais interessante como padre do que como cantor

30-04-2001
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Se Calhar Hoje Sou Mais Interessante como Padre do Que como Cantor

Segunda-feira, 30 de Abril de 2001

Todas as quartas-feiras, às 18 horas, na Biblioteca Municipal Almeida Garrett, no Porto, desde 7 de Março e até 9 de Maio, decorrem as Conversas e Confissões com Rui Reininho. A convite do Porto 2001, o cantor dos GNR fala com os seus convidados sobre livros e leituras. Já passaram por lá o pintor Albuquerque Mendes, o cineasta António Pedro Vasconcelos, o poeta João Gesta e as Forças Amadas, a jornalista e estudiosa de Fátima Fina d''Armada e Joaquim Fernandes, Sérgio Godinho, o astrólogo Paulo Cardoso e o jornalista Álvaro Costa. Faltam Manuel João Vieira, a antropóloga Eglantina Monteiro e Catarina Portas.

Pública- Como é que surgiu a ideia para este ciclo "Um livro, uma vida, um objecto ou um gesto"?

Rui Reininho- Não foi uma ideia minha, foi o Paulo Cunha e Silva que me contactou. Já nos conhecíamos há uns tempos e sempre que estou com ele há uma ideia, as coisas transformam-se e é muito simpático.

R.- É uma homenagem. O Sofá Vermelho era uma espécie de "best of", a que ela levava excertos de livros de outras pessoas. É engraçado fazer-lhe o "catch" e ser agora o livro dela. É uma armadilha. É tudo simples, não é nada de muito esotérico.

R.- Pois parece, puseram-me assim. A fotografia que eu dei não era assim, esta é uma montagem de computador. Puseram-me de padre, não sei por quê. Talvez por ter ido muito a Santiago de Compostela, porque a minha carreira episcopal ficou sempre em suspenso. Se calhar é uma maneira de regressar a ela. Acabar com uma governanta, com um "tic-tac" e a cuidar das minhas vinhas, que é o que eu sempre quis. Em Leça é difícil. Vinhas em Leça, é difícil. Se fosse em Carcavelos podia ter o Carcavelinhos, não é?

R.- Mas, agora que falas nisso, há um lado esotérico muito forte. Acho que deve ser das componentes mais esotéricas que vêm do Porto 2001 [risos]. Para já, por que é que estão a escavar aquilo tudo? Por alguma coisa é. Há um princípio de arqueologia. Aquele pop-metro elaborado pelo Paulo Cunha Silva, para o ciclo de conferências "O Futuro do Futuro", com aquelas linhas todas, é uma ideia muito feliz. É muito engraçado, pois termina com o Dalai Lama no aeroporto: uma coisa mais elevada.

R.- Na música toda a gente se queixa que é uma merda, nomeadamente na pop. Foi tudo recuperado com a chancela. "Ai é o Super Bock?" Então a gente "tunga", diz que sim. "Ai é as Noites Ritual?", ''tumba'', então nós assumimos. Não há uma boa ideia. Não há inovações. Há umas percussões. Depois, como também ninguém me convidou, parece que ignoraram 20 anos de carreira dos senhores que encheram os primeiros Coliseus, ele era o Carlos Alberto, os Rivolis, aquela história toda. Como não nos convidaram a nós, GNR, no campo da música, tenho que fazer outras coisas. Se calhar hoje sou mais interessante como padre do que como cantor.

R.- Não. Tento ser um bocadinho comissário de bordo. Tenho dito lá que preferia ser o comandante. No início sentia-me pouco à vontade. Agora estou a gostar. Estou a meio das sessões e estou a gostar porque não há preocupações de ordem de comunicação. A minha missão é fazer as pessoas falar. Tenho tido momentos enternecedores, outros mais "sexy". Uns não invalidam os outros.

R.- Para uma pessoa que nunca foi: as pessoas chegam, sentam-se e esperam. Nós temos muitas cadeiras: o convidado escolhe uma, eu outra. Falamos, projectamos coisas, projectamos os nossos universos e eis senão quando já se passou uma hora e meia e vamos todos jantar. Há gente que sai feliz e gente que sai desagradada.

R.- "O Barranco de Cegos", de Alves Redol. É muito engraçado, um tipo ligado à "performance" e a uma certa "provocaccio" ter escolhido um livro no limiar do neo-realismo.

R.- Falou de Hitchcock e de Truffaut, obviamente.

R.- O poeta Daniel Maia Pinto e o livro "O Valete do Sétimo Naipe". Foi um lindo recital. Houve música, a Naná disse lindos poemas acompanhada ao piano pelo Álvaro. Evoquei Mário Sá Carneiro - "O Naufrágio" - a propósito das vítimas de Castelo de Paiva, imaginei as mulheres mesmo depois de mortas a irem ao Corte Inglés num momento de mau gosto. E ainda houve Alexandre O''Neill e Cesariny. Aqueles universos deles, coisas bonitas. A sessão com a Fina d''Armada resultou muito bem, ela falou sobre Fátima e sobre o fenómeno ovnilógico. Achei interessante e fiquei a pensar naquilo duas vezes. Porque, contrariamente a certas facções da Igreja, eles acreditam que realmente houve ali um fenómeno que se passou em 1917.

R.- Passei de facto a acreditar numa série de coisas. Eu não acredito em Fátima? Acredito, é uma evidência, não é? Eu já estive em Lourdes, já estive em Fátima. Tem que se acreditar, aquilo é um "business" fantástico. É um Woodstock à portuguesa. Meio milhão de pessoas que acorrem ali. Não me interessa se acredito ou não, não é para isso que estou ali, estou só para escutar. O Sérgio Godinho escolheu o Tintin, do Hergé. O Paulo Cardoso vai falar sobre o Mar Portuguez e é uma coisa multimédia. Fiquei a saber que ele foi a única pessoa a expor as suas ideias na Torre de Belém. Estou agora a juntar caminhos entre coisas - como por exemplo os Templários e meia dúzia de esoterismos -, estou a descobrir uma série de coisas que me estão a perturbar muito. Estão a ir um bocadinho ao meu passado. É um lado jesuíta que tem a ver com Fátima, um lado agora "maçon" e também astrológico. Creio que antes do fim do mês há ali alguma coisa que vai levantar... Vamos lá a ver. [risos]

R.- Tem tido graça por causa disso. Há teses e antíteses. É bom, há pessoas que estão contra. Não tem sido assim um momento "boring" de falar sobre o livro na página 24. Há pessoas que ficam furiosas, excitadas e contra. É um bocado como aquela história das casas de "strip-tease" - o Twins, o Champagne, a Passerelle - que abriram no Porto. Estão a mudar muitas coisas naquela cidade, não é só esburacar.

R.- Eu acho muito bem que o sexo seja ao vivo. Embora às vezes pareça, por coisas que eu escreva ou que pense, não sou nada necrófilo. Acho que o sexo não deve ser praticado com mortos ou com pessoas desmaiadas. Pelo menos uma das pessoas deve estar viva. [risos]

R.- O que é que a pessoa vai fazer lá acima, ao Porto? Vamos ver cultura? Futebol, eventualmente, nem todos os fins-de-semana. Muito pouco. Uma Baixa morta. É uma pena, acho que não vai ressurgir das cinzas. Eu gostava muito de regressar à Baixa, viver ali. De resto não tenho outros objectivos. Aquilo está tudo esburacado, não tem nada, tem o multibanco, os restaurantes estão do pior, não há uma apetência engraçada. Não consigo convencer as pessoas a irem ao Porto. Quem vem de fora, chega ao aeroporto e o que é que tem? Crateras, não é? Está tudo com buracos. Devia ser primeiro a civilização e depois a cultura. Pelos menos foi o que eu li nos manuais.

R.- Não, não e não. Estou suburbano porque não posso viver noutro sítio. Escolhi a Leça da Palmeira. Está a tornar-se numa nova Póvoa, segundo dizem os locais. Com imensos edifícios em frente ao mar. Até o António Nobre dava duas voltas na tumba.

R.- Não tenho só um livro. Eu já escolhi as pessoas. Já tentei, já fiz essa brincadeira com duas ou três rádios locais que me apareceram. "O Arranca-Corações", do Boris Vian, e as "Ficções", do Jorge Luís Borges, foram livros que me marcaram.

Se Calhar Hoje Sou Mais Interessante como Padre do Que como Cantor

Segunda-feira, 30 de Abril de 2001

Todas as quartas-feiras, às 18 horas, na Biblioteca Municipal Almeida Garrett, no Porto, desde 7 de Março e até 9 de Maio, decorrem as Conversas e Confissões com Rui Reininho. A convite do Porto 2001, o cantor dos GNR fala com os seus convidados sobre livros e leituras. Já passaram por lá o pintor Albuquerque Mendes, o cineasta António Pedro Vasconcelos, o poeta João Gesta e as Forças Amadas, a jornalista e estudiosa de Fátima Fina d''Armada e Joaquim Fernandes, Sérgio Godinho, o astrólogo Paulo Cardoso e o jornalista Álvaro Costa. Faltam Manuel João Vieira, a antropóloga Eglantina Monteiro e Catarina Portas.

Pública- Como é que surgiu a ideia para este ciclo "Um livro, uma vida, um objecto ou um gesto"?

Rui Reininho- Não foi uma ideia minha, foi o Paulo Cunha e Silva que me contactou. Já nos conhecíamos há uns tempos e sempre que estou com ele há uma ideia, as coisas transformam-se e é muito simpático.

R.- É uma homenagem. O Sofá Vermelho era uma espécie de "best of", a que ela levava excertos de livros de outras pessoas. É engraçado fazer-lhe o "catch" e ser agora o livro dela. É uma armadilha. É tudo simples, não é nada de muito esotérico.

R.- Pois parece, puseram-me assim. A fotografia que eu dei não era assim, esta é uma montagem de computador. Puseram-me de padre, não sei por quê. Talvez por ter ido muito a Santiago de Compostela, porque a minha carreira episcopal ficou sempre em suspenso. Se calhar é uma maneira de regressar a ela. Acabar com uma governanta, com um "tic-tac" e a cuidar das minhas vinhas, que é o que eu sempre quis. Em Leça é difícil. Vinhas em Leça, é difícil. Se fosse em Carcavelos podia ter o Carcavelinhos, não é?

R.- Mas, agora que falas nisso, há um lado esotérico muito forte. Acho que deve ser das componentes mais esotéricas que vêm do Porto 2001 [risos]. Para já, por que é que estão a escavar aquilo tudo? Por alguma coisa é. Há um princípio de arqueologia. Aquele pop-metro elaborado pelo Paulo Cunha Silva, para o ciclo de conferências "O Futuro do Futuro", com aquelas linhas todas, é uma ideia muito feliz. É muito engraçado, pois termina com o Dalai Lama no aeroporto: uma coisa mais elevada.

R.- Na música toda a gente se queixa que é uma merda, nomeadamente na pop. Foi tudo recuperado com a chancela. "Ai é o Super Bock?" Então a gente "tunga", diz que sim. "Ai é as Noites Ritual?", ''tumba'', então nós assumimos. Não há uma boa ideia. Não há inovações. Há umas percussões. Depois, como também ninguém me convidou, parece que ignoraram 20 anos de carreira dos senhores que encheram os primeiros Coliseus, ele era o Carlos Alberto, os Rivolis, aquela história toda. Como não nos convidaram a nós, GNR, no campo da música, tenho que fazer outras coisas. Se calhar hoje sou mais interessante como padre do que como cantor.

R.- Não. Tento ser um bocadinho comissário de bordo. Tenho dito lá que preferia ser o comandante. No início sentia-me pouco à vontade. Agora estou a gostar. Estou a meio das sessões e estou a gostar porque não há preocupações de ordem de comunicação. A minha missão é fazer as pessoas falar. Tenho tido momentos enternecedores, outros mais "sexy". Uns não invalidam os outros.

R.- Para uma pessoa que nunca foi: as pessoas chegam, sentam-se e esperam. Nós temos muitas cadeiras: o convidado escolhe uma, eu outra. Falamos, projectamos coisas, projectamos os nossos universos e eis senão quando já se passou uma hora e meia e vamos todos jantar. Há gente que sai feliz e gente que sai desagradada.

R.- "O Barranco de Cegos", de Alves Redol. É muito engraçado, um tipo ligado à "performance" e a uma certa "provocaccio" ter escolhido um livro no limiar do neo-realismo.

R.- Falou de Hitchcock e de Truffaut, obviamente.

R.- O poeta Daniel Maia Pinto e o livro "O Valete do Sétimo Naipe". Foi um lindo recital. Houve música, a Naná disse lindos poemas acompanhada ao piano pelo Álvaro. Evoquei Mário Sá Carneiro - "O Naufrágio" - a propósito das vítimas de Castelo de Paiva, imaginei as mulheres mesmo depois de mortas a irem ao Corte Inglés num momento de mau gosto. E ainda houve Alexandre O''Neill e Cesariny. Aqueles universos deles, coisas bonitas. A sessão com a Fina d''Armada resultou muito bem, ela falou sobre Fátima e sobre o fenómeno ovnilógico. Achei interessante e fiquei a pensar naquilo duas vezes. Porque, contrariamente a certas facções da Igreja, eles acreditam que realmente houve ali um fenómeno que se passou em 1917.

R.- Passei de facto a acreditar numa série de coisas. Eu não acredito em Fátima? Acredito, é uma evidência, não é? Eu já estive em Lourdes, já estive em Fátima. Tem que se acreditar, aquilo é um "business" fantástico. É um Woodstock à portuguesa. Meio milhão de pessoas que acorrem ali. Não me interessa se acredito ou não, não é para isso que estou ali, estou só para escutar. O Sérgio Godinho escolheu o Tintin, do Hergé. O Paulo Cardoso vai falar sobre o Mar Portuguez e é uma coisa multimédia. Fiquei a saber que ele foi a única pessoa a expor as suas ideias na Torre de Belém. Estou agora a juntar caminhos entre coisas - como por exemplo os Templários e meia dúzia de esoterismos -, estou a descobrir uma série de coisas que me estão a perturbar muito. Estão a ir um bocadinho ao meu passado. É um lado jesuíta que tem a ver com Fátima, um lado agora "maçon" e também astrológico. Creio que antes do fim do mês há ali alguma coisa que vai levantar... Vamos lá a ver. [risos]

R.- Tem tido graça por causa disso. Há teses e antíteses. É bom, há pessoas que estão contra. Não tem sido assim um momento "boring" de falar sobre o livro na página 24. Há pessoas que ficam furiosas, excitadas e contra. É um bocado como aquela história das casas de "strip-tease" - o Twins, o Champagne, a Passerelle - que abriram no Porto. Estão a mudar muitas coisas naquela cidade, não é só esburacar.

R.- Eu acho muito bem que o sexo seja ao vivo. Embora às vezes pareça, por coisas que eu escreva ou que pense, não sou nada necrófilo. Acho que o sexo não deve ser praticado com mortos ou com pessoas desmaiadas. Pelo menos uma das pessoas deve estar viva. [risos]

R.- O que é que a pessoa vai fazer lá acima, ao Porto? Vamos ver cultura? Futebol, eventualmente, nem todos os fins-de-semana. Muito pouco. Uma Baixa morta. É uma pena, acho que não vai ressurgir das cinzas. Eu gostava muito de regressar à Baixa, viver ali. De resto não tenho outros objectivos. Aquilo está tudo esburacado, não tem nada, tem o multibanco, os restaurantes estão do pior, não há uma apetência engraçada. Não consigo convencer as pessoas a irem ao Porto. Quem vem de fora, chega ao aeroporto e o que é que tem? Crateras, não é? Está tudo com buracos. Devia ser primeiro a civilização e depois a cultura. Pelos menos foi o que eu li nos manuais.

R.- Não, não e não. Estou suburbano porque não posso viver noutro sítio. Escolhi a Leça da Palmeira. Está a tornar-se numa nova Póvoa, segundo dizem os locais. Com imensos edifícios em frente ao mar. Até o António Nobre dava duas voltas na tumba.

R.- Não tenho só um livro. Eu já escolhi as pessoas. Já tentei, já fiz essa brincadeira com duas ou três rádios locais que me apareceram. "O Arranca-Corações", do Boris Vian, e as "Ficções", do Jorge Luís Borges, foram livros que me marcaram.

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