Suplemento Mil Folhas

25-08-2001
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Laboratório Dramático

Sábado, 25 de Agosto de 2001

São dez novos autores, dez vozes que arriscam, pela primeira vez, uma incursão na escrita dramatúrgica. As obras inaugurais foram realizadas ao longo de uma oficina de escrita promovida pelo Dramat, do Porto, e os resultados estão reunidos em dois volumes agora lançados para o mercado. São as "Dramaturgias Emergentes".

Maria José Oliveira

Há algum tempo atrás, alguém questionava, num tom levemente indignado, "onde estão os dramaturgos portugueses?". Não é, de facto, de se estranhar tal pergunta. A par de pontuais incursões no teatro por parte dos romancistas nacionais e de um ostensivo esquecimento de alguns nomes publicados em velhas edições - Miguel Rovisco, é um deles -, as estantes das livrarias que estão exclusivamente destinadas à dramaturgia oferecem apenas meia dúzia de autores lusos. Os clássicos, portugueses e estrangeiros, imperam, como seria de esperar, vislumbrando-se, porém, algumas regozijantes novidades nacionais. É o caso de João Maria Vieira Mendes, Jorge Silva Melo, Jaime Rocha, Abel Neves e Jacinto Lucas Pires, entre outras raridades. Embora o cenário não se apresente completamente vazio, não se pode deixar de lamentar o precário número de dramaturgos e a sua consequente ausência dos palcos nacionais.

É certo que não são poucas as oficinas de escrita criativa realizadas sobretudo no Porto em em Lisboa - iniciativas que muitos consideram ser a causa da concepção de arquétipos literários -, mas as dificuldades impostas pelas editoras são tantas que muitos autores desistem a meio do caminho.

Uma etapa, pelo menos, foi já ultrapassada e ganha. Uma dezena de formandos da oficina de escrita dramática que o Dramat - Centro de Dramaturgias Contemporâneas, organismo criado pelo Teatro Nacional S. João, do Porto, promoveu no ano transacto, viu editadas as suas primeiras peças numa iniciativa que prolonga o conjunto de publicações realizado pela parceria Cadernos Dramat/Cotovia. Coligidos em dois volumes, os textos escritos e reescritos ao longo de oito meses foram escolhidos por António Mercado, encenador e dramaturgo brasileiro, orientador responsável da oficina. Esclarecendo que cada peça consistia numa recolha das colaborações de cada participante (ver PÚBLICO de 26/05/00), Mercado sugeriu na altura a publicação de uma colectânea que fosse "expressiva da nova dramaturgia portuguesa". O seu desejo acabou por ser concretizado, a leitura das peças coligidas oferece um mapa de indícios sobre o que poderá ser a chamada nova dramaturgia nacional, e o teatro nacional portuense foi mais longe e arriscou a encenação de três peças, integradas no programa "Dramaturgias Emergentes" do Po.N.T.I deste ano. Foram elas: "Antes dos Lagartos", de Pedro Eiras, "Dorme Devagar", de João Tuna e "O Espantalho Teso", de Jorge Louraço Figueira. Entre os restantes trabalhos escolhidos para publicação perfilam-se "Arte da Guerra", de Fernando Moreira, "Balancé", de Ângela Marks, "Farol", de Joaquim Paulo Nogueira, "Os Nomes Que Faltam", de Carlos Alberto Machado, "O Parque dos Piqueniques", de José Mora Ramos, "Stormy Weather", de Marcela Costa e "O Violino do Avô Africano", de Helena Miranda.

Ainda antes da edição, todos os textos foram coados por um novo filtro: no fim da Primavera do ano passado, uma maratona de leituras encenadas, realizada no Teatro Helena Sá e Costa, permitiu aos autores a revisão total das suas peças. Alguns trechos foram cortados e outros sofreram acréscimos, num total de reproduções que culminaram com a sua publicação.

Não se pretende traçar aqui prosaicos julgamentos sobre as obras inaugurais em questão. Numa reflexão diagonal das mesmas, porém, não se podem descortinar as influências e as tendências destas pseudo-vozes autorais, laborando numa constelação que resguarda ainda algum neo-realismo, o absurdo, o catastrofismo, a exploração do mundo enquanto experiência social agonizante ou a crítica não camuflada dos males universais. E se algumas obras escavam sem pudor uma imagética exacerbada - existem, sem dúvida, textos miméticos -, outras, contudo, prodigalizam uma retórica mais ou menos comedida. Em alguns casos, são flagrantes as influências literárias das quais não constam apenas dramaturgos, mas também escritores como Kafka ou Freud.

Apesar de se remeter ao leitor uma apreciação crítica das peças, o Mil Folhas não descarta a possibilidade de apontar um breve destaque para o texto "O Espantalho Teso", de Jorge Louraço Figueira. A peça, levada ao palco pela mão do encenador Fernando Moreira, conjuga o universo rural - patente, sobretudo, na linguagem e nas personagens caricaturais - a uma escrita pessoalíssima que não renega as tendências recebidas pela "Lisístrata, de Aristófanes, pela escrita dramática do brasileiro Ariano Suassuna e pela poesia diáfana de Ruy Belo.

Resta agora adivinhar se os resultados obtidos através da oficina de escrita se reportaram a uma iniciativa pontual, ou se se assistiu à descoberta dos vestígios da nova dramaturgia portuguesa.

Após a edição destes dois volumes, os Cadernos Dramat/Cotovia lançaram ainda "O Espírito da Terra" e "A Caixa de Pandora", duas tragédias de Frank Wedekind, e "Cara de Fogo", de Marius von Mayenburg".

Laboratório Dramático

Sábado, 25 de Agosto de 2001

São dez novos autores, dez vozes que arriscam, pela primeira vez, uma incursão na escrita dramatúrgica. As obras inaugurais foram realizadas ao longo de uma oficina de escrita promovida pelo Dramat, do Porto, e os resultados estão reunidos em dois volumes agora lançados para o mercado. São as "Dramaturgias Emergentes".

Maria José Oliveira

Há algum tempo atrás, alguém questionava, num tom levemente indignado, "onde estão os dramaturgos portugueses?". Não é, de facto, de se estranhar tal pergunta. A par de pontuais incursões no teatro por parte dos romancistas nacionais e de um ostensivo esquecimento de alguns nomes publicados em velhas edições - Miguel Rovisco, é um deles -, as estantes das livrarias que estão exclusivamente destinadas à dramaturgia oferecem apenas meia dúzia de autores lusos. Os clássicos, portugueses e estrangeiros, imperam, como seria de esperar, vislumbrando-se, porém, algumas regozijantes novidades nacionais. É o caso de João Maria Vieira Mendes, Jorge Silva Melo, Jaime Rocha, Abel Neves e Jacinto Lucas Pires, entre outras raridades. Embora o cenário não se apresente completamente vazio, não se pode deixar de lamentar o precário número de dramaturgos e a sua consequente ausência dos palcos nacionais.

É certo que não são poucas as oficinas de escrita criativa realizadas sobretudo no Porto em em Lisboa - iniciativas que muitos consideram ser a causa da concepção de arquétipos literários -, mas as dificuldades impostas pelas editoras são tantas que muitos autores desistem a meio do caminho.

Uma etapa, pelo menos, foi já ultrapassada e ganha. Uma dezena de formandos da oficina de escrita dramática que o Dramat - Centro de Dramaturgias Contemporâneas, organismo criado pelo Teatro Nacional S. João, do Porto, promoveu no ano transacto, viu editadas as suas primeiras peças numa iniciativa que prolonga o conjunto de publicações realizado pela parceria Cadernos Dramat/Cotovia. Coligidos em dois volumes, os textos escritos e reescritos ao longo de oito meses foram escolhidos por António Mercado, encenador e dramaturgo brasileiro, orientador responsável da oficina. Esclarecendo que cada peça consistia numa recolha das colaborações de cada participante (ver PÚBLICO de 26/05/00), Mercado sugeriu na altura a publicação de uma colectânea que fosse "expressiva da nova dramaturgia portuguesa". O seu desejo acabou por ser concretizado, a leitura das peças coligidas oferece um mapa de indícios sobre o que poderá ser a chamada nova dramaturgia nacional, e o teatro nacional portuense foi mais longe e arriscou a encenação de três peças, integradas no programa "Dramaturgias Emergentes" do Po.N.T.I deste ano. Foram elas: "Antes dos Lagartos", de Pedro Eiras, "Dorme Devagar", de João Tuna e "O Espantalho Teso", de Jorge Louraço Figueira. Entre os restantes trabalhos escolhidos para publicação perfilam-se "Arte da Guerra", de Fernando Moreira, "Balancé", de Ângela Marks, "Farol", de Joaquim Paulo Nogueira, "Os Nomes Que Faltam", de Carlos Alberto Machado, "O Parque dos Piqueniques", de José Mora Ramos, "Stormy Weather", de Marcela Costa e "O Violino do Avô Africano", de Helena Miranda.

Ainda antes da edição, todos os textos foram coados por um novo filtro: no fim da Primavera do ano passado, uma maratona de leituras encenadas, realizada no Teatro Helena Sá e Costa, permitiu aos autores a revisão total das suas peças. Alguns trechos foram cortados e outros sofreram acréscimos, num total de reproduções que culminaram com a sua publicação.

Não se pretende traçar aqui prosaicos julgamentos sobre as obras inaugurais em questão. Numa reflexão diagonal das mesmas, porém, não se podem descortinar as influências e as tendências destas pseudo-vozes autorais, laborando numa constelação que resguarda ainda algum neo-realismo, o absurdo, o catastrofismo, a exploração do mundo enquanto experiência social agonizante ou a crítica não camuflada dos males universais. E se algumas obras escavam sem pudor uma imagética exacerbada - existem, sem dúvida, textos miméticos -, outras, contudo, prodigalizam uma retórica mais ou menos comedida. Em alguns casos, são flagrantes as influências literárias das quais não constam apenas dramaturgos, mas também escritores como Kafka ou Freud.

Apesar de se remeter ao leitor uma apreciação crítica das peças, o Mil Folhas não descarta a possibilidade de apontar um breve destaque para o texto "O Espantalho Teso", de Jorge Louraço Figueira. A peça, levada ao palco pela mão do encenador Fernando Moreira, conjuga o universo rural - patente, sobretudo, na linguagem e nas personagens caricaturais - a uma escrita pessoalíssima que não renega as tendências recebidas pela "Lisístrata, de Aristófanes, pela escrita dramática do brasileiro Ariano Suassuna e pela poesia diáfana de Ruy Belo.

Resta agora adivinhar se os resultados obtidos através da oficina de escrita se reportaram a uma iniciativa pontual, ou se se assistiu à descoberta dos vestígios da nova dramaturgia portuguesa.

Após a edição destes dois volumes, os Cadernos Dramat/Cotovia lançaram ainda "O Espírito da Terra" e "A Caixa de Pandora", duas tragédias de Frank Wedekind, e "Cara de Fogo", de Marius von Mayenburg".

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