Sangue, ou talvez não

07-03-2001
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Sangue, Ou Talvez Não

Por INÊS NADAIS E LUÍS OCTÁVIO COSTA

Sexta-feira, 23 de Fevereiro de 2001 Pré-Fantas provocou enchentes diárias no Rivoli Nem é preciso ir ao Rivoli para saber que o Fantasporto já chegou - a comparência de um punhado de figuras travestidas de vampiro nos mais concorridos bares da cidade, oferecendo brindes alusivos ao festival ou ao principal patrocinador do certame (obviamente, uma cervejeira), adicionada à publicidade que passa na televisão e aos folhetos espalhados um pouco por todo o lado, é suficiente para que a mensagem passe. Não que fosse preciso. Os fãs do Fantas são numerosos, fiéis e informados. E, mesmo nos quatro dias de regime de pré-temporada que antecipam a semana competitiva, enchem abundantemente as duas salas do Rivoli: é certo que a lotação só esgota à noite, mas à tarde a assistência também é muito significativa. Não há retrato-robô possível para o público que, ao longo dos últimos 21 anos, vem alimentando o festival. Anteontem à noite, por exemplo, nos minutos que antecederam a antestreia do filme "The Convent", circulava pelo átrio do Rivoli uma plateia algures entre os 17 e os 77 anos. Há os fanáticos, gente que aparece religiosamente desde a primeira edição, mas também muitos estreantes com "grandes expectativas". À mistura, num "cocktail" heterogéneo que conta com a sua dose de cabelos brancos, é possível detectar uma ou outra cruz invertida e até alguns adereços satânicos. A melhor técnica para tomar o pulso à evolução recente do Fantas é encontrar um dos totalistas e perguntar-lhe se o festival de hoje é o mesmo de há uns anos atrás. João Seixas veio pela vigésima primeira vez consecutiva e não tem dificuldades no diagnóstico: o público do Fantasporto é "cada vez mais jovem", o que só prova que o interesse se renova, mas também que as gerações mais antigas "vão abandonando" o ritual. Um pouco contra a corrente, João resiste - sobretudo "pelos filmes, mas a atmosfera também é um bom incentivo". Até porque "escolher a sessão é um tiro no escuro" e nem o catálogo serve de muito a quem quer decifrar os enigmáticos títulos de muitas películas em exibição solitária. Veja-se o que aconteceu anteontem à noite, com o filme do norte-americano Mike Mendez, que prometia "cenas chocantes", "carnificina" e sobretudo muito "gore", mas que não passou de uma patética tentativa de decalcar o estilo "teenager" de sagas como "Gritos", de Wes Craven. Quem à porta esperava "sangue, genocídios e coisas satânicas em geral" saiu desiludido e a lamentar os 600 escudos desembolsados. Mas é mesmo assim, conclui João: "Embora se corra sempre o risco de ver coisas muito más, também há o bom risco de ver coisas excelentes que nunca mais passarão em sala alguma". A opinião é partilhada por Edgar Tiago, um dos estreantes desta edição: "O Fantas é uma oportunidade única". "Para ver filmes diferentes e pouco divulgados", completa Nélson Fonseca, que só não vem mais vezes por "falta de oportunidade". De resto, a reputação de festival dedicado ao terror, em que cada filme só sobrevive se oferecer uma boa dose de tripas à mostra e jactos de sangue, está definitivamente ultrapassada, ainda que todos os anos haja retrospectivas que recuperam o melhor da fase "gore" do Fantasporto. E um bom sintoma do eclectismo que faz a imagem de marca actual é o "top" de vendas VHS: a liderança já não pertence à corrente Peter Jackson (o emblemático realizador de "Bad Taste" e "Braindead"), mas antes a "Tuvalu", uma fábula delicodoce que recolheu grande parte dos louros da última edição. Mesmo assim, é provavelmente nos filmes mais alinhados com a estética que deu nome ao festival que o ambiente é genuinamente Fantas - o que significa o direito a bater palmas, mandar umas bocas, rir alto e bom som e saltar da cadeira, ainda que a maioria da plateia disponha do antídoto da veterania para combater o medo e o nervoso miudinho. Apesar da descontracção reinante, vai havendo quem lamente a institucionalização do festival. Manuel Luís, um confesso "fanático", salienta os paradoxos do público: "Parece que as pessoas se sentem obrigadas a vir ao Fantas só porque é um festival. As salas normais estão sempre vazias. Aqui há péssimos filmes e as salas estão a abarrotar...". Aliás, continua, a modificação do perfil do festival "é notória". E por isso a nostalgia do Fantasporto de outros tempos é inevitável: "Ainda me lembro de ir ao [Auditório Nacional] Carlos Alberto com uma cerveja na mão". OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Fantas e fitas no Porto

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