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17-11-1999
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CRÍTICA DE TEATRO Rosita mansa sem fruto Manuel João Gomes Eis que o Teatro Nacional de D. Maia II reabriu as portas para receber os dois últimos espectáculos oferecidos à nossa capital pelo Comissariado de Espanha na Expo-98. É lá que hoje, às 21h30, se pode ver "Doña Rosita la soltera o el lenguaje de las flores", de Federico García Lorca. Tem direcção de José Tamayo e conta, nos grandes papéis, com as divinas Carmen Rossi (Ama) e Silvia Marsó (Rosita). O espectáculo substitui "Luces de Boémia", que constava da programação inicial. E, para quem ainda não teve oportunidade de ver uma peça de Lorca, no ano em que o mundo culto e sensível celebra o primeiro centenário do nascimento do poeta, "Doña Rosita" chega no momento certo. Os aplausos incontidos da estreia, na noite de sexta-feira, 18, só podem ser igualados pelos que acolheram o último "Rei Lear", produção do Nacional. Aplausos merecidos, para esta peça que concentra em si o melhor e o pior de Lorca. O melhor é ser "Doña Rosita" (uma "Rosita mansa sem fruto", como dizia o poeta), um resumo de todas as grandes personagens lorquianas: na Rosita solteirona que vai morrendo aos poucos, assumindo a sua esterilidade, está muito do drama de "Yerma". E o salão frio e vazio que enche o palco nos momentos finais, envolvendo em solidão as três mulheres da casa (Rosita, a tia e a ama) não anda longe da orgulhosa "Casa de Bernarda Alba". Não faltando sequer uma governanta de personalidade firme, como a Pôncia que faz frente a Bernarda. Mais curiosa ainda é a ligação do drama de Rosita ao drama onírico de "Asi que pasen cinco años": o sonho do amor sucessivamente adiado e nunca concretizado. Se tivermos em conta que a personagem central desta peça dita surrealista (e quiçá das outras peças protagonizadas por mulheres) é o próprio Lorca, com a sua homossexualidade sempre viva e longamente adiada, o poeta podia dizer, parafraseando Flaubert: "Doña Rosita c'est moi". O menos bom - mas é, de facto bom, apesar de rebuscado - é a linguagem floral, a insistência nas alegorias botânicas, a poesia "hyper kitsch" que envolve todas as cenas e diálogos numa atmosfera impregnada de perfumes baratos, a qual se estende ao cor-de-rosa desmaiado da cenografia decadente e dos figurinos da época. Mas se nos abstrairmos desses pormenores ou os soubermos entranhar, "Doña Rosita la soltera" é um espectáculo bonito, onde não faltam momentos de burlesco, que acabam por subverter a tal atmosfera decadente. Com esta peça de Lorca chega-se ao décimo segundo espectáculo baseado em textos de Lorca que, em Portugal, se encenaram no ano de 1998. Houve três produções de "Bodas de Sangue" e mais três de "Don Perlimplim". Os espanhóis terão muita dificuldade em bater este recorde, traduzindo e encenando pelo menos meia-dúzia de peças de, por exemplo, Gil Vicente. Não se pode dizer que não tentaram. O desfile de espectáculos espanhóis que passou este ano por Portugal - e incluiu criações de La Fura dels Baus, do Centro Dramático Nacional, de Els Comediants, da Cuadra de Sevilha, do Ur Teatre - encerra com "Don Duardos", do nosso Gil Vicente, sim, feito pela Compañia Teatro Íntimo, com direcção de Juan Antonio Quintana. Pode ser visto também no Teatro Nacional de D. Maria II entre 23 e 26, às 21h30. Quanto a "Doña Rosita la soltera", depois das três representações no Dona Maria, parte para o Porto, apresentando dois espectáculos no Teatro Carlos Alberto, nos dias 23 e 24, às 21h30. (c) Copyright PÚBLICO Comunicação Social, SA Email: publico@publico.pt

CRÍTICA DE TEATRO Rosita mansa sem fruto Manuel João Gomes Eis que o Teatro Nacional de D. Maia II reabriu as portas para receber os dois últimos espectáculos oferecidos à nossa capital pelo Comissariado de Espanha na Expo-98. É lá que hoje, às 21h30, se pode ver "Doña Rosita la soltera o el lenguaje de las flores", de Federico García Lorca. Tem direcção de José Tamayo e conta, nos grandes papéis, com as divinas Carmen Rossi (Ama) e Silvia Marsó (Rosita). O espectáculo substitui "Luces de Boémia", que constava da programação inicial. E, para quem ainda não teve oportunidade de ver uma peça de Lorca, no ano em que o mundo culto e sensível celebra o primeiro centenário do nascimento do poeta, "Doña Rosita" chega no momento certo. Os aplausos incontidos da estreia, na noite de sexta-feira, 18, só podem ser igualados pelos que acolheram o último "Rei Lear", produção do Nacional. Aplausos merecidos, para esta peça que concentra em si o melhor e o pior de Lorca. O melhor é ser "Doña Rosita" (uma "Rosita mansa sem fruto", como dizia o poeta), um resumo de todas as grandes personagens lorquianas: na Rosita solteirona que vai morrendo aos poucos, assumindo a sua esterilidade, está muito do drama de "Yerma". E o salão frio e vazio que enche o palco nos momentos finais, envolvendo em solidão as três mulheres da casa (Rosita, a tia e a ama) não anda longe da orgulhosa "Casa de Bernarda Alba". Não faltando sequer uma governanta de personalidade firme, como a Pôncia que faz frente a Bernarda. Mais curiosa ainda é a ligação do drama de Rosita ao drama onírico de "Asi que pasen cinco años": o sonho do amor sucessivamente adiado e nunca concretizado. Se tivermos em conta que a personagem central desta peça dita surrealista (e quiçá das outras peças protagonizadas por mulheres) é o próprio Lorca, com a sua homossexualidade sempre viva e longamente adiada, o poeta podia dizer, parafraseando Flaubert: "Doña Rosita c'est moi". O menos bom - mas é, de facto bom, apesar de rebuscado - é a linguagem floral, a insistência nas alegorias botânicas, a poesia "hyper kitsch" que envolve todas as cenas e diálogos numa atmosfera impregnada de perfumes baratos, a qual se estende ao cor-de-rosa desmaiado da cenografia decadente e dos figurinos da época. Mas se nos abstrairmos desses pormenores ou os soubermos entranhar, "Doña Rosita la soltera" é um espectáculo bonito, onde não faltam momentos de burlesco, que acabam por subverter a tal atmosfera decadente. Com esta peça de Lorca chega-se ao décimo segundo espectáculo baseado em textos de Lorca que, em Portugal, se encenaram no ano de 1998. Houve três produções de "Bodas de Sangue" e mais três de "Don Perlimplim". Os espanhóis terão muita dificuldade em bater este recorde, traduzindo e encenando pelo menos meia-dúzia de peças de, por exemplo, Gil Vicente. Não se pode dizer que não tentaram. O desfile de espectáculos espanhóis que passou este ano por Portugal - e incluiu criações de La Fura dels Baus, do Centro Dramático Nacional, de Els Comediants, da Cuadra de Sevilha, do Ur Teatre - encerra com "Don Duardos", do nosso Gil Vicente, sim, feito pela Compañia Teatro Íntimo, com direcção de Juan Antonio Quintana. Pode ser visto também no Teatro Nacional de D. Maria II entre 23 e 26, às 21h30. Quanto a "Doña Rosita la soltera", depois das três representações no Dona Maria, parte para o Porto, apresentando dois espectáculos no Teatro Carlos Alberto, nos dias 23 e 24, às 21h30. (c) Copyright PÚBLICO Comunicação Social, SA Email: publico@publico.pt

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