Alguns até já eram do PS

25-11-2000
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Onde estavam os actuais ministros?

Alguns Até Já Eram do PS

Por JOÃO PEDRO HENRIQUES E LUCIANO ALVAREZ

Sábado, 25 de Novembro de 2000

No 25 de Novembro, os actuais ministros militavam nas mais variadas filiações ideológicas - alguns até já eram do PS. Os outros ou andavam pela extrema-esquerda (Jorge Coelho, Ferro Rodrigues, Augusto Santos Silva) ou pelo PSD (Guilherme d''Oliveira Martins e José Sócrates). Todos os que aceitaram recordar ao PÚBLICO a sua memória desse tempo consideram ter ganho a via justa. Mas havia quem não pensasse assim, na altura.

De todos os actuais ministros, Jaime Gama era na altura o mais graduado na estrutura do PS. Tinha fundado o PS em 1973 e, na altura, era secretário nacional do partido. Estava, segundo conta hoje, em Bona, a discutir com o SPD alemão "o agravamento da situação política" portuguesa. Foi acompanhando o evoluir da situação pelo telefone. Agora revela que o PS tinha na altura um "quartel-general alternativo", ou "sede alternativa": ficava na casa, em Cascais, do jornalista Victor Cunha Rego, fundador do PS e anos mais tarde grande animador da AD. Foi a partir de lá que o estado-maior socialista acompanhou a evolução da situação. "Com o 25 de Novembro consumou-se, no plano militar, o que há muito vinha a ser feito no plano político e na rua, para recentrar a trajectória política do país", diz hoje o ministro dos Negócios Estrangeiros.

Enquanto Gama ia acompanhando a situação a partir de Bona, António Guterres, que tinha sido o responsável pela organização do partido em Lisboa telefonava da sede do PS na Rua da Emenda para as bases do partido pelo país fora (prática decisiva na sua longa caminhada para líder), a saber como estavam as coisas. Ao princípio da noite teve uma missão externa: foi acompanhar, a partir da Ponte 25 de Abril, as duas colunas de fuzileiros que vieram do Alfeite até ao Copcon. Depois ia reportando para a Emenda. Não se passou nada - mas temia-se o pior, porque os "fuzos" eram afectos ao PCP. Hoje Guterres diz que não era o PCP o "principal inimigo". Eram "todos aqueles que não queriam um regime plenamente democrático em Portugal". O 25 de Novembro, conclui, "foi a consolidação de que a revolução se ia transformar numa democracia plena, representativa, pluralista, com o modelo da União Europeia".

Gama em Bona, Guterres na ponte... e Armando Vara, então com 21 anos, em Bragança, sua cidade natal. Do actual elenco ministerial, Vara é dos poucos que já na altura integravam o PS e a JS. O ministro do Desporto diz que não tem memórias muito precisas desse dia. Mas recorda-se dos ataques às sedes do PCP - e diz que as protegeu. O problema, conta, é que eram os próprios funcionários comunistas a "incendiar" os ânimos. Muitos eram militantes recentes e tentavam mostrar trabalho.

Quem não estava no PS, mas já colaborava, era António Costa. O ministro da Justiça tinha 14 anos mas o ambiente familiar (a mãe, jornalista afecta ao PS, saneada de "O Século", o pai do PCP, o padrasto do MFA) fazia com que na sua própria casa também se vivesse, como no país, em ambiente de "convulsão total". Nesse ano, por vicissitudes várias, ligou muito pouco à escola (4º ano do liceu). Morava no Bairro Alto e tinha quase à porta a sede distrital do PS, onde "passava e perguntava o que havia para fazer, ia distribuir comunicados e coisas assim". No dia 25 propriamente dito recebeu ordens da mãe para ficar em casa, "porque a coisa podia dar para o torto". Foi assim que, na RTP, assistiu "àquele momento extraordinário em que o Duran Clemente foi substituído pelo Danny Kaye". Dois anos depois filiou-se na JS.

Enquanto isto, na Direcção Nacional do PSD, o actual ministro da Defesa, Júlio Castro Caldas (que não quis falar ao PÚBLICO) fazia a ligação entre a direcção nacional do partido e o Grupo dos Nove. Guilherme d''Oliveira Martins era secretário-geral adjunto do partido de Sá Carneiro para as questões de juventude. "Foram semanas decisivas. (...) Não havia dias nem noites", lembra o actual ministro da Presidência. Entre "mil peripécias e riscos" percorreu o país "de lés a lés" com António Rebelo de Sousa. A JSD, conta, mantinha então "um contacto permanente com a direcção da JS", no que Oliveira Martins chama "uma ''convergência de acção'' com efeitos práticos". O dia 25 passou-o na sede do partido, então na Duque de Loulé. Só descansou totalmente quando, no dia 26, os Comandos assaltaram a Polícia Militar. "Concordo com o Vasco Pulido Valente: o 25 de Novembro validou o voto dos portugueses, ''devolveu a soberania ao seu verdadeiro dono e fundou a República democrática'' - que Abril permitiu."

Quem também era muito jovem e também andava pelo PSD - ou melhor, pela JSD - era José Sócrates, que tinha 18 anos. Este foi um dia que não esqueceu - mas também por motivos pessoais: "Foi o dia em que fui para a Universidade de Coimbra pela primeira vez. Era a primeira vez que saía de casa com as malas às costas para ir viver para Coimbra." Grande parte do dia foi passado pelo actual ministro do Ambiente na viagem da Covilhã para Coimbra, conduzido, num Fiat 127, por Luís Patrão, hoje secretário de Estado da Administração Interna. Assim que chegaram foram "para uma assembleia geral, no Gil Vicente, para discutir o que se passava".

Onde estavam os actuais ministros?

Alguns Até Já Eram do PS

Por JOÃO PEDRO HENRIQUES E LUCIANO ALVAREZ

Sábado, 25 de Novembro de 2000

No 25 de Novembro, os actuais ministros militavam nas mais variadas filiações ideológicas - alguns até já eram do PS. Os outros ou andavam pela extrema-esquerda (Jorge Coelho, Ferro Rodrigues, Augusto Santos Silva) ou pelo PSD (Guilherme d''Oliveira Martins e José Sócrates). Todos os que aceitaram recordar ao PÚBLICO a sua memória desse tempo consideram ter ganho a via justa. Mas havia quem não pensasse assim, na altura.

De todos os actuais ministros, Jaime Gama era na altura o mais graduado na estrutura do PS. Tinha fundado o PS em 1973 e, na altura, era secretário nacional do partido. Estava, segundo conta hoje, em Bona, a discutir com o SPD alemão "o agravamento da situação política" portuguesa. Foi acompanhando o evoluir da situação pelo telefone. Agora revela que o PS tinha na altura um "quartel-general alternativo", ou "sede alternativa": ficava na casa, em Cascais, do jornalista Victor Cunha Rego, fundador do PS e anos mais tarde grande animador da AD. Foi a partir de lá que o estado-maior socialista acompanhou a evolução da situação. "Com o 25 de Novembro consumou-se, no plano militar, o que há muito vinha a ser feito no plano político e na rua, para recentrar a trajectória política do país", diz hoje o ministro dos Negócios Estrangeiros.

Enquanto Gama ia acompanhando a situação a partir de Bona, António Guterres, que tinha sido o responsável pela organização do partido em Lisboa telefonava da sede do PS na Rua da Emenda para as bases do partido pelo país fora (prática decisiva na sua longa caminhada para líder), a saber como estavam as coisas. Ao princípio da noite teve uma missão externa: foi acompanhar, a partir da Ponte 25 de Abril, as duas colunas de fuzileiros que vieram do Alfeite até ao Copcon. Depois ia reportando para a Emenda. Não se passou nada - mas temia-se o pior, porque os "fuzos" eram afectos ao PCP. Hoje Guterres diz que não era o PCP o "principal inimigo". Eram "todos aqueles que não queriam um regime plenamente democrático em Portugal". O 25 de Novembro, conclui, "foi a consolidação de que a revolução se ia transformar numa democracia plena, representativa, pluralista, com o modelo da União Europeia".

Gama em Bona, Guterres na ponte... e Armando Vara, então com 21 anos, em Bragança, sua cidade natal. Do actual elenco ministerial, Vara é dos poucos que já na altura integravam o PS e a JS. O ministro do Desporto diz que não tem memórias muito precisas desse dia. Mas recorda-se dos ataques às sedes do PCP - e diz que as protegeu. O problema, conta, é que eram os próprios funcionários comunistas a "incendiar" os ânimos. Muitos eram militantes recentes e tentavam mostrar trabalho.

Quem não estava no PS, mas já colaborava, era António Costa. O ministro da Justiça tinha 14 anos mas o ambiente familiar (a mãe, jornalista afecta ao PS, saneada de "O Século", o pai do PCP, o padrasto do MFA) fazia com que na sua própria casa também se vivesse, como no país, em ambiente de "convulsão total". Nesse ano, por vicissitudes várias, ligou muito pouco à escola (4º ano do liceu). Morava no Bairro Alto e tinha quase à porta a sede distrital do PS, onde "passava e perguntava o que havia para fazer, ia distribuir comunicados e coisas assim". No dia 25 propriamente dito recebeu ordens da mãe para ficar em casa, "porque a coisa podia dar para o torto". Foi assim que, na RTP, assistiu "àquele momento extraordinário em que o Duran Clemente foi substituído pelo Danny Kaye". Dois anos depois filiou-se na JS.

Enquanto isto, na Direcção Nacional do PSD, o actual ministro da Defesa, Júlio Castro Caldas (que não quis falar ao PÚBLICO) fazia a ligação entre a direcção nacional do partido e o Grupo dos Nove. Guilherme d''Oliveira Martins era secretário-geral adjunto do partido de Sá Carneiro para as questões de juventude. "Foram semanas decisivas. (...) Não havia dias nem noites", lembra o actual ministro da Presidência. Entre "mil peripécias e riscos" percorreu o país "de lés a lés" com António Rebelo de Sousa. A JSD, conta, mantinha então "um contacto permanente com a direcção da JS", no que Oliveira Martins chama "uma ''convergência de acção'' com efeitos práticos". O dia 25 passou-o na sede do partido, então na Duque de Loulé. Só descansou totalmente quando, no dia 26, os Comandos assaltaram a Polícia Militar. "Concordo com o Vasco Pulido Valente: o 25 de Novembro validou o voto dos portugueses, ''devolveu a soberania ao seu verdadeiro dono e fundou a República democrática'' - que Abril permitiu."

Quem também era muito jovem e também andava pelo PSD - ou melhor, pela JSD - era José Sócrates, que tinha 18 anos. Este foi um dia que não esqueceu - mas também por motivos pessoais: "Foi o dia em que fui para a Universidade de Coimbra pela primeira vez. Era a primeira vez que saía de casa com as malas às costas para ir viver para Coimbra." Grande parte do dia foi passado pelo actual ministro do Ambiente na viagem da Covilhã para Coimbra, conduzido, num Fiat 127, por Luís Patrão, hoje secretário de Estado da Administração Interna. Assim que chegaram foram "para uma assembleia geral, no Gil Vicente, para discutir o que se passava".

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