EXPRESSO: Opinião

02-04-2002
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O cheiro do futebol

Saldanha Sanches*

«Há alguns anos para financiar indirectamente os clubes deram-lhes a exploração dos bingos. São alguns milhões de contos que o Estado perde mas, ao que parece, não chega. Agora fala-se em legalizar a prostituição: porque não legalizar a prostituição e entregar a exploração, em concessão exclusiva, aos clubes de futebol? Haverá alguém no país com uma cultura empresarial mais adequada para uma boa exploração deste ramo de negócio?»

«PECUNIA non olet», dizia o imperador Vespasiano sobre os tributos cobrados nas latrinas de Roma. É o que alguns políticos parecem pensar sobre os votos que querem obter misturando-se com o futebol.

Nem reparam no odor pouco agradável dos negócios entre dirigentes, árbitros e empresários, dos negócios clubes-autarquias-construtores dos jornais veículos de insultos e chantagens.

Em si mesmo, nada disto tem importância: o futebol é tão necessário como as latrinas. As sociedades modernas precisam de espaços de primitivismo e irracionalidade.

Se a bolsa estiver dominada por manipulações impunes não vamos ter um mercado de capitais que funcione. Se os laboratórios farmacêuticos dominam a política de saúde vamos gastar milhões e milhões a mais. Com a corrupção instalada nas obras públicas nunca mais teremos Metro no Porto.

Mas se for verdade que é a influência sobre os árbitros que dá uma vantagem competitiva ao Boavista daí não vem grande mal ao mundo. Grandes golos e trapaças na arbitragem tudo é espectáculo. Dão assunto aos jornais desportivos e a programas de televisão.

É mesmo mais divertido discutir se um certo árbitro estava ou não comprado, se foi ou não grande penalidade do que assistir à entrevista com o vencedor (mesmo se for português) da Maratona da Patagónia.

Preocupante é o alastrar da mancha: há uns dez anos o mundo do futebol era a interface entre a economia subterrânea e a classe política. No consulado guterrista a economia subterrânea, mundo do futebol e grande parte da classe política passaram a coincidir. Sem fronteiras e com migrações preocupantes.

Quando Armando Vara, depois de se dar a conhecer ao país com aquela interessante fundação instituída e financiada exclusivamente pelos generosos contribuintes portugueses, anuncia uma ida para o Benfica parece normal e razoável. Começa a perceber-se porque não reparou o Ministério das Finanças que essa instituição de utilidade pública, com os tais seis milhões de adeptos, se esqueceu de entregar uns 10 milhões de euros de impostos cobrados e retidos na fonte. O pior é se fica na política.

Se Narciso Miranda ou Mesquita Machado resolvessem utilizar os vastos recursos que obtiveram na gestão autárquica (falamos da sua experiência e conhecimentos) nos clubes das suas terras seria um gesto nobre. Mas eles querem continuar nos postos para que foram eleitos um pouco depois da proclamação da República. O cheiro do futebol não ofende certos narizes.

Talvez comecem a ofender depois do Euro-2004.

Com o seu inefável vício de fazer carícias e sorrisos a tudo o que é grupo de interesses o último Governo, com um esplêndido sentido de inoportunidade política, comprometeu-nos com a grande festa.

Que vai ter de ser paga em 2002 e 2003 (belos anos para tais larguezas) e mesmo quando se aproxima o fim dos fundos europeus.

Não é um problema irresolúvel: basta congelar dois ou três anos os salários da função pública, aumentar o IVA ou criar um novo imposto, para conseguir os fundos necessários.

Para dar dinheiro aos autarcas, que depois o dão aos clubes, que o dão aos construtores do Estádio do Benfica e dos outros estádios (os tais milhões de adeptos acham que quem deve pagar tudo isso são os outros). Para pagar à Polícia que tem de criar os mecanismos de segurança que evitem que as claques portuguesas e as claques importadas exibam o seu «fair play» partindo tudo. E outras insignificantes despesas. Mais milhão, menos milhão, não é nada que se não possa resolver.

De modo a estar pronto a tempo. E se quisermos escapar às censuras da UEFA.

Gilberto Madaíl (uma interessante migração da política para o futebol), com aquela cara triste e um pouco espantada com que costuma aparecer na TV, há-de explicar-nos tudo isso, quando for oportuno.

Que houve uma pequena derrapagem (delicioso termo!), que as obras estão atrasadas e é necessário um reforço de verba. Nada que a infinita generosidade dos contribuintes portugueses não possa resolver.

Com um panorama como este talvez aquela maioria que ainda acha que o Euro-2004 tem que ser feito custe o que custar comece a perceber. E talvez depois disto um certo autarca do Porto se torne figura nacional e Pinto da Costa e satélites regressem às cabines. E passem a tratar exclusivamente do circo; foi para isso que foram eleitos.

Adenda: Há alguns anos para financiar indirectamente os clubes deram-lhes a exploração dos bingos. São alguns milhões de contos que o Estado perde mas, ao que parece, não chega.

Agora fala-se em legalizar a prostituição: porque não legalizar a prostituição e entregar a exploração, em concessão exclusiva, aos clubes de futebol? Haverá alguém no país com uma cultura empresarial mais adequada para uma boa exploração deste ramo de negócio?

* Professor Universitário

E-mail: ssanches@netcabo.pt

O cheiro do futebol

Saldanha Sanches*

«Há alguns anos para financiar indirectamente os clubes deram-lhes a exploração dos bingos. São alguns milhões de contos que o Estado perde mas, ao que parece, não chega. Agora fala-se em legalizar a prostituição: porque não legalizar a prostituição e entregar a exploração, em concessão exclusiva, aos clubes de futebol? Haverá alguém no país com uma cultura empresarial mais adequada para uma boa exploração deste ramo de negócio?»

«PECUNIA non olet», dizia o imperador Vespasiano sobre os tributos cobrados nas latrinas de Roma. É o que alguns políticos parecem pensar sobre os votos que querem obter misturando-se com o futebol.

Nem reparam no odor pouco agradável dos negócios entre dirigentes, árbitros e empresários, dos negócios clubes-autarquias-construtores dos jornais veículos de insultos e chantagens.

Em si mesmo, nada disto tem importância: o futebol é tão necessário como as latrinas. As sociedades modernas precisam de espaços de primitivismo e irracionalidade.

Se a bolsa estiver dominada por manipulações impunes não vamos ter um mercado de capitais que funcione. Se os laboratórios farmacêuticos dominam a política de saúde vamos gastar milhões e milhões a mais. Com a corrupção instalada nas obras públicas nunca mais teremos Metro no Porto.

Mas se for verdade que é a influência sobre os árbitros que dá uma vantagem competitiva ao Boavista daí não vem grande mal ao mundo. Grandes golos e trapaças na arbitragem tudo é espectáculo. Dão assunto aos jornais desportivos e a programas de televisão.

É mesmo mais divertido discutir se um certo árbitro estava ou não comprado, se foi ou não grande penalidade do que assistir à entrevista com o vencedor (mesmo se for português) da Maratona da Patagónia.

Preocupante é o alastrar da mancha: há uns dez anos o mundo do futebol era a interface entre a economia subterrânea e a classe política. No consulado guterrista a economia subterrânea, mundo do futebol e grande parte da classe política passaram a coincidir. Sem fronteiras e com migrações preocupantes.

Quando Armando Vara, depois de se dar a conhecer ao país com aquela interessante fundação instituída e financiada exclusivamente pelos generosos contribuintes portugueses, anuncia uma ida para o Benfica parece normal e razoável. Começa a perceber-se porque não reparou o Ministério das Finanças que essa instituição de utilidade pública, com os tais seis milhões de adeptos, se esqueceu de entregar uns 10 milhões de euros de impostos cobrados e retidos na fonte. O pior é se fica na política.

Se Narciso Miranda ou Mesquita Machado resolvessem utilizar os vastos recursos que obtiveram na gestão autárquica (falamos da sua experiência e conhecimentos) nos clubes das suas terras seria um gesto nobre. Mas eles querem continuar nos postos para que foram eleitos um pouco depois da proclamação da República. O cheiro do futebol não ofende certos narizes.

Talvez comecem a ofender depois do Euro-2004.

Com o seu inefável vício de fazer carícias e sorrisos a tudo o que é grupo de interesses o último Governo, com um esplêndido sentido de inoportunidade política, comprometeu-nos com a grande festa.

Que vai ter de ser paga em 2002 e 2003 (belos anos para tais larguezas) e mesmo quando se aproxima o fim dos fundos europeus.

Não é um problema irresolúvel: basta congelar dois ou três anos os salários da função pública, aumentar o IVA ou criar um novo imposto, para conseguir os fundos necessários.

Para dar dinheiro aos autarcas, que depois o dão aos clubes, que o dão aos construtores do Estádio do Benfica e dos outros estádios (os tais milhões de adeptos acham que quem deve pagar tudo isso são os outros). Para pagar à Polícia que tem de criar os mecanismos de segurança que evitem que as claques portuguesas e as claques importadas exibam o seu «fair play» partindo tudo. E outras insignificantes despesas. Mais milhão, menos milhão, não é nada que se não possa resolver.

De modo a estar pronto a tempo. E se quisermos escapar às censuras da UEFA.

Gilberto Madaíl (uma interessante migração da política para o futebol), com aquela cara triste e um pouco espantada com que costuma aparecer na TV, há-de explicar-nos tudo isso, quando for oportuno.

Que houve uma pequena derrapagem (delicioso termo!), que as obras estão atrasadas e é necessário um reforço de verba. Nada que a infinita generosidade dos contribuintes portugueses não possa resolver.

Com um panorama como este talvez aquela maioria que ainda acha que o Euro-2004 tem que ser feito custe o que custar comece a perceber. E talvez depois disto um certo autarca do Porto se torne figura nacional e Pinto da Costa e satélites regressem às cabines. E passem a tratar exclusivamente do circo; foi para isso que foram eleitos.

Adenda: Há alguns anos para financiar indirectamente os clubes deram-lhes a exploração dos bingos. São alguns milhões de contos que o Estado perde mas, ao que parece, não chega.

Agora fala-se em legalizar a prostituição: porque não legalizar a prostituição e entregar a exploração, em concessão exclusiva, aos clubes de futebol? Haverá alguém no país com uma cultura empresarial mais adequada para uma boa exploração deste ramo de negócio?

* Professor Universitário

E-mail: ssanches@netcabo.pt

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