Clientelismo eloquente

06-12-2000
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EDITORIAL

Clientelismo Eloquente

Por LUÍS MIGUEL VIANA

Quarta-feira, 6 de Dezembro de 2000

Há-de a crise provocada por Camarate estar esquecida e o caso da fundação do Ministério da Administração Interna continuará a fazer mossa a este Governo. O desgaste a que a ameaça de demissão de António Costa sujeitou António Guterres foi tremendo, na medida em que lhe enfraqueceu ainda mais a autoridade e o obrigou a desfazer-se de Sá Fernandes, a estrela da última remodelação. Mas nada supera o confronto do país com um episódio de clientelismo tão eloquente.

É inacreditável que se entreguem num ano 400 mil contos a uma fundação constituída por assessores e amigos dos governantes Armando Vara e Luís Patrão, que esta nasça na improvável localidade de Algés, na residência de um deles, e se instale por fim numa assoalhada de um 7º andar de Lisboa. Os fundadores são em geral pessoas que, nos seus empregos no ministério, tinham por obrigação resolver os problemas e levar a cabo as tarefas a que supostamente se dedicava a fundação. E há o caso do artista Leonel Moura, que depois de ter vendido ao MAI centenas de peças com a esfinge da Amália quando o seu amigo Armando Vara era secretário de Estado, aparece agora, uma vez mais, com o seu destino ligado à Administração Interna.

Praticamente, não há equipamentos, não existem registos conhecidos de telefones ou faxes. Porém, quando se propõem protocolos para a transferência de verbas públicas para a fundação, estes são despachados pelos secretários de Estado no dia seguinte.

É em coisas destas que se revela a natureza de um governo e dos seus membros. Ninguém devia saber melhor disso do que António Guterres, que, em 1995, levou a cabo a campanha eleitoral mais moralista de que há memória: "No jobs for the boys" foi o seu lema contra o "Estado laranja". Lembram-se? Mas nunca como agora proliferaram as fundações e os institutos, com o aparelho socialista a instalar-se através delas nas margens do Estado. E a fazê-lo com a desfaçatez de quem se indigna com as perguntas, como Luís Patrão; ou alguém que fez constar, segundo a Rádio Renascença (ver texto ao lado), que pediu a demissão por não ter recebido do primeiro-ministro o apoio que desejava, como Armando Vara.

Há, ao que parece, um rebate de consciência: a dita Fundação de Prevenção e Segurança, que nunca devia ter existido, deverá ser extinta amanhã. Ou seja: António Guterres já não é capaz de impedir jovens ministros de ameaçarem com a demissão em conferência imprensa; mas ainda consegue obrigar "aparatchiques" a largarem a presa. Do mal, o menos.

EDITORIAL

Clientelismo Eloquente

Por LUÍS MIGUEL VIANA

Quarta-feira, 6 de Dezembro de 2000

Há-de a crise provocada por Camarate estar esquecida e o caso da fundação do Ministério da Administração Interna continuará a fazer mossa a este Governo. O desgaste a que a ameaça de demissão de António Costa sujeitou António Guterres foi tremendo, na medida em que lhe enfraqueceu ainda mais a autoridade e o obrigou a desfazer-se de Sá Fernandes, a estrela da última remodelação. Mas nada supera o confronto do país com um episódio de clientelismo tão eloquente.

É inacreditável que se entreguem num ano 400 mil contos a uma fundação constituída por assessores e amigos dos governantes Armando Vara e Luís Patrão, que esta nasça na improvável localidade de Algés, na residência de um deles, e se instale por fim numa assoalhada de um 7º andar de Lisboa. Os fundadores são em geral pessoas que, nos seus empregos no ministério, tinham por obrigação resolver os problemas e levar a cabo as tarefas a que supostamente se dedicava a fundação. E há o caso do artista Leonel Moura, que depois de ter vendido ao MAI centenas de peças com a esfinge da Amália quando o seu amigo Armando Vara era secretário de Estado, aparece agora, uma vez mais, com o seu destino ligado à Administração Interna.

Praticamente, não há equipamentos, não existem registos conhecidos de telefones ou faxes. Porém, quando se propõem protocolos para a transferência de verbas públicas para a fundação, estes são despachados pelos secretários de Estado no dia seguinte.

É em coisas destas que se revela a natureza de um governo e dos seus membros. Ninguém devia saber melhor disso do que António Guterres, que, em 1995, levou a cabo a campanha eleitoral mais moralista de que há memória: "No jobs for the boys" foi o seu lema contra o "Estado laranja". Lembram-se? Mas nunca como agora proliferaram as fundações e os institutos, com o aparelho socialista a instalar-se através delas nas margens do Estado. E a fazê-lo com a desfaçatez de quem se indigna com as perguntas, como Luís Patrão; ou alguém que fez constar, segundo a Rádio Renascença (ver texto ao lado), que pediu a demissão por não ter recebido do primeiro-ministro o apoio que desejava, como Armando Vara.

Há, ao que parece, um rebate de consciência: a dita Fundação de Prevenção e Segurança, que nunca devia ter existido, deverá ser extinta amanhã. Ou seja: António Guterres já não é capaz de impedir jovens ministros de ameaçarem com a demissão em conferência imprensa; mas ainda consegue obrigar "aparatchiques" a largarem a presa. Do mal, o menos.

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