A grande conspiração

14-01-2001
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«Mas se eu estou farto de dizer que sim, que há aí uma enorme conspiração!» - explodiu Guterres, impaciente. - «Por isso mesmo é que quero que baseemos o nosso contra-ataque na Portugal Global».

«Cheira-me cada vez mais a conspiração!» - continuava Vara, farejando agora o lado do corredor que dá para as cozinhas. E, apontando esse corredor, afirmou: «E vem dali! A conspiração vem da cozinha!»

«Isso é perigoso, Armando!» - Guterres remexeu-se na cadeira, com desconforto. - «Achas que o cozinheiro nos quer envenenar?!»

«Vamos lá ver» - decidiu Vara com determinação, arrastando António Guterres atrás de si.

E intensificando as aspirações sincopadas, com o nariz apontado para a frente, passou o balcão do bar, conduzindo o primeiro-ministro para a cozinha. Passaram a porta de batentes e deram com Marcelo Rebelo de Sousa e José Miguel Júdice, ali, na cozinha, juntos, a falarem com o cozinheiro.

«Ahá! Apanhei-os!» - clamou Vara, triunfante, apontando-os aos três, perante a surpresa dos outros empregados.

«Estou estupefacto! Estou varado!» - queixou-se Guterres, verdadeiramente condoído. - «Vocês, de quem me julgava amigo, não só me atacam nas televisões, e ainda por cima vêm aqui, à cozinha do Grémio, conluiados com esse cozinheiro, para...»

«Como?!» - cortou o cozinheiro, perplexo. - «Aqui não há conluios! Estamos só a discutir a ementa do almoço que vai haver aqui com o grupo do Nicola!»

«Grupo do Nicola?!» - A pergunta foi atirada por Guterres num gemido agudo. - «Armando: é a conspiração!»

«É melhor pedir ao Gomes que investigue» - decidiu Vara.

«Nunca!» - assustou-se Guterres. - «Já chegam estes! Não agraves a coisa com o Gomes.»

«Não é daqui, é dali!» - disse finalmente Armando Vara, voltando a puxar fungadelas curtas e ruidosas e apontando para fora da cozinha. - «Cheira-me a conspiração, e vem dali.»

Vara regressou para trás pelas portas-batentes, sempre a fungar e levando consigo o primeiro-ministro. Com o nariz franzido, a pressentir odores de tramas, guiou Guterres pelas escadas acima, até ao 1º andar. Mas, logo no patamar, Armando Vara estancou repentinamente, fazendo com que Guterres chocasse com ele, e exclamou a meia voz: «Ahá! Agora é que os apanhei.»

De facto, olhando à direita, para a biblioteca, através da porta de vidro, viram ao fundo, à volta de uma mesa, os principais directores de jornais. Avançaram os dois pé ante pé e entreabriram a porta de vidro da biblioteca sem serem vistos pelos jornalistas. De dentro, para além de umas cartas de jogar atiradas para a mesa, ouviam-se palavras soltas: «Passo; vou; subo para...; fico-me; quero ver; baralho eu; dá-me duas.»

«Parece pocker!» - sussurrou Vara.

«Um jogo suspeito» - opinou baixo Guterres. - «Não te parece maquinação?»

«Vou avisar o Fernando Gomes» - propôs-se Vara.

«Nunca!» - E este nunca saiu a Guterres estridente, quase guinchado.

Foi então que os jornalistas os viram. E convidaram-nos para o jogo. Mas Guterres recusou, num tom amuado: «Nunca!»

Pegou então em Vara e desceram para o bar. E aí Guterres admoestou o ministro-adjunto: «Quando me falas em chamar o Gomes, chego a desconfiar se não estás também a querer entrar na conspiração.» E depois explicou-lhe: «O que precisamos é de arranjar, na Portugal Global, algum comentador melhor do que esses tipos todos. Alguém sólido e seguro. Alguém que esteja connosco.»

«Para ser seguro, vou procurar no nosso grupo parlamentar.»

«Isto é realmente a grande conspiração!»

Relatos do PEDRO BRAGANÇA

«Mas se eu estou farto de dizer que sim, que há aí uma enorme conspiração!» - explodiu Guterres, impaciente. - «Por isso mesmo é que quero que baseemos o nosso contra-ataque na Portugal Global».

«Cheira-me cada vez mais a conspiração!» - continuava Vara, farejando agora o lado do corredor que dá para as cozinhas. E, apontando esse corredor, afirmou: «E vem dali! A conspiração vem da cozinha!»

«Isso é perigoso, Armando!» - Guterres remexeu-se na cadeira, com desconforto. - «Achas que o cozinheiro nos quer envenenar?!»

«Vamos lá ver» - decidiu Vara com determinação, arrastando António Guterres atrás de si.

E intensificando as aspirações sincopadas, com o nariz apontado para a frente, passou o balcão do bar, conduzindo o primeiro-ministro para a cozinha. Passaram a porta de batentes e deram com Marcelo Rebelo de Sousa e José Miguel Júdice, ali, na cozinha, juntos, a falarem com o cozinheiro.

«Ahá! Apanhei-os!» - clamou Vara, triunfante, apontando-os aos três, perante a surpresa dos outros empregados.

«Estou estupefacto! Estou varado!» - queixou-se Guterres, verdadeiramente condoído. - «Vocês, de quem me julgava amigo, não só me atacam nas televisões, e ainda por cima vêm aqui, à cozinha do Grémio, conluiados com esse cozinheiro, para...»

«Como?!» - cortou o cozinheiro, perplexo. - «Aqui não há conluios! Estamos só a discutir a ementa do almoço que vai haver aqui com o grupo do Nicola!»

«Grupo do Nicola?!» - A pergunta foi atirada por Guterres num gemido agudo. - «Armando: é a conspiração!»

«É melhor pedir ao Gomes que investigue» - decidiu Vara.

«Nunca!» - assustou-se Guterres. - «Já chegam estes! Não agraves a coisa com o Gomes.»

«Não é daqui, é dali!» - disse finalmente Armando Vara, voltando a puxar fungadelas curtas e ruidosas e apontando para fora da cozinha. - «Cheira-me a conspiração, e vem dali.»

Vara regressou para trás pelas portas-batentes, sempre a fungar e levando consigo o primeiro-ministro. Com o nariz franzido, a pressentir odores de tramas, guiou Guterres pelas escadas acima, até ao 1º andar. Mas, logo no patamar, Armando Vara estancou repentinamente, fazendo com que Guterres chocasse com ele, e exclamou a meia voz: «Ahá! Agora é que os apanhei.»

De facto, olhando à direita, para a biblioteca, através da porta de vidro, viram ao fundo, à volta de uma mesa, os principais directores de jornais. Avançaram os dois pé ante pé e entreabriram a porta de vidro da biblioteca sem serem vistos pelos jornalistas. De dentro, para além de umas cartas de jogar atiradas para a mesa, ouviam-se palavras soltas: «Passo; vou; subo para...; fico-me; quero ver; baralho eu; dá-me duas.»

«Parece pocker!» - sussurrou Vara.

«Um jogo suspeito» - opinou baixo Guterres. - «Não te parece maquinação?»

«Vou avisar o Fernando Gomes» - propôs-se Vara.

«Nunca!» - E este nunca saiu a Guterres estridente, quase guinchado.

Foi então que os jornalistas os viram. E convidaram-nos para o jogo. Mas Guterres recusou, num tom amuado: «Nunca!»

Pegou então em Vara e desceram para o bar. E aí Guterres admoestou o ministro-adjunto: «Quando me falas em chamar o Gomes, chego a desconfiar se não estás também a querer entrar na conspiração.» E depois explicou-lhe: «O que precisamos é de arranjar, na Portugal Global, algum comentador melhor do que esses tipos todos. Alguém sólido e seguro. Alguém que esteja connosco.»

«Para ser seguro, vou procurar no nosso grupo parlamentar.»

«Isto é realmente a grande conspiração!»

Relatos do PEDRO BRAGANÇA

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