Testemunhos sumários anulam provas da PJ

19-02-2001
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Testemunhos Sumários Anulam Provas da PJ

Terça-feira, 9 de Janeiro de 2001 Após a inquirição de António Saleiro pelo Ministério Público (ver texto principal), o seu advogado, João Nabais, pediu a junção aos autos de alguns documentos e sugeriu ao MP a audição de cinco testemunhas que acabaram por ser decisivas no arquivamento do caso. Aceite a solicitação, o procurador da República de Beja, Luís Lança, começou por ouvir os engenheiros técnicos agrários António Loução e Manuel Leão sobre o pagamento a António Saleiro, por Joaquim Botelho, de uma comissão de 2500 contos relacionada com a venda de uma herdade aos chineses do Semblana Golfe. Ambos se limitaram a declarar que, no Verão de 1999, ouviram Botelho dizer a Saleiro que nunca afirmara ter-lhe pago qualquer comissão e que "desmentiria em qualquer lado" quem dissesse o contrário, porque não era verdade ter-lhe pago a comissão. Nos autos consta, porém, um depoimento pormenorizado de Joaquim Botelho, recolhido pela PJ e assinado pelo depoente, a explicar as circunstâncias em que pagara a comissão a Saleiro, bem como a prova documental de que pelo menos 1500 contos desse montante foram depositados numa conta bancária do arguido. A testemunha António Loução é director dos serviços do Ministério da Agricultura em Beja, é dirigente distrital do Partido Socialista e é vereador do PS na câmara da cidade. A testemunha Manuel Leão é também funcionário do Ministério da Agricultura, mas, segundo informação do gabinete do ministro, está suspenso das suas funções em consequência de um processo de averiguações que lhe foi instaurado em 1997 [por práticas ilegais] e que conduziu, em 1998, à abertura de um processo disciplinar e à sua posterior condenação a um ano de inactividade. Os testemunhos de Loução e Leão foram, todavia, considerados pelo MP como a "prova circunstancial" de que Botelho não pagou nada. E este nem sequer voltou a ser ouvido no processo. Dias depois, as testemunhas António Colaço e Leopoldo Gaiolas foram inquiridas sobre o pagamento de uma viagem da família Saleiro pelos chineses. Dólares emprestados pelos amigos O primeiro contou que estava no gabinete do presidente da Câmara de Almodôvar, em Agosto de 1993, juntamente com uma comitiva de chineses, quando António Saleiro lhe pediu "um empréstimo em dólares" para a aquisição dos bilhetes, "uma vez que saíam menos dispendiosos" se comprados em Macau. Como tinha cerca de cinco mil dólares, devido ao facto de a sogra ter sido emigrante nos EUA, Colaço avançou de imediato o dinheiro - que Saleiro terá entregue a um dos chineses. Por isso mesmo, explicou Colaço, "depreendeu" que a viagem foi feita a expensas do arguido. No mesmo sentido se pronunciou Leopoldo Gaiolas, que afirmou ter assistido à entrega dos dólares ao chinês e explicou ter também emprestado 2800 notas verdes ao presidente pelo facto de as de António Colaço serem insuficientes. Nos autos consta, porém, uma factura da viagem da família Saleiro - identificando todos os seus membros - passada por uma agência de Macau ao Concourse Group, mais o recibo referente à mesma, pago por uma outra sociedade dos mesmos chineses, e ainda a documentação da Semblana Golfe Alentejo, uma das empresas portuguesas do grupo, que contabiliza os 1400 contos da deslocação como uma despesa sua. A testemunha António Colaço era vereador na lista de Saleiro e a testemunha Leopoldo Gaiolas era o chefe dos serviços administrativos da autarquia, um homem que já em 1988 havia comprado um apartamento em Telheiras ao lado do de Saleiro. Quando sugeriu ao MP que Colaço e Gaiolas fossem ouvidos, João Nabais juntou aos autos uma declaração relativa à questão da viagem. Trata-se de um escrito em papel timbrado do Concourse Group, tem data de 11 de Maio deste ano e diz que a empresa recebeu 9500 dólares de Saleiro, "no mês de Agosto de 1993", para pagamento da viagem da família. A declaração vem autenticada com uma assinatura ilegível e o papel timbrado apresenta como sede do grupo um escritório de Macau. Segundo um arquitecto que trabalhou para os chineses e foi ouvido pela PJ, esse escritório foi há vários anos incendiado por causa de guerras entre seitas e desde essa altura nunca mais conseguiu encontrar os seus clientes. De acordo com o advogado Roque Lino, citado pela Judiciária em 1999, os chineses "andavam fugidos" e nem sequer conseguia localizar o seu contacto habitual, o macaense James Man. Além disso, a acreditar num relatório da PJ de Macau, naquele escritório não havia quaisquer vestígios, já em 1998, do Concourse Group. Um documento muito especial Acresce que a assinatura que subscreve a declaração deste desaparecido grupo empresarial, para lá de ser ilegível, não é acompanhada de qualquer espécie de reconhecimento da qualidade em que ali está - sendo certo que não parece coincidir com nenhuma das assinaturas dos chineses existentes no processo. Este documento, mais os depoimentos de Colaço e Gaiolas, foram, todavia, considerados pelo procurador da República como a "prova documental e testemunhal" de que foi o arguido quem pagou a viagem em causa. Finalmente, o antigo secretário de Estado da Comunicação Social Roque Lino veio aos autos, depois de ter invocado o sigilo profissional para não ser ouvido, apenas para esclarecer o MP sobre a cobrança, por Saleiro, de rendas devidas aos chineses. Roque Lino explicou que fora ele quem pedira ao arguido, na qualidade de advogado dos chineses, que "recebesse as importâncias referidas através de cheque a fim de [lhe] entregar depois as mesmas quantias (...), o que sucedeu". A razão de ser do pedido, acrescentou, prendia-se com o facto de este sistema ser "mais cómodo" para ele, uma vez que, assim, não tinha de se deslocar "propositadamente a Almodôvar". O depoimento de Saleiro sobre o assunto foi integralmente confirmado por Roque Lino e esclarecia que as quantias em causa eram depois entregues ao advogado "em dinheiro". Nos autos constam, porém, declarações dos dois rendeiros que explicam o envolvimento directo do arguido na gestão das propriedades dos chineses e na cobrança, sem passagem de qualquer recibo, de 4300 contos das rendas em causa. Além disso, a PJ tinha verificado que na contabilidade dos chineses em Portugal não havia qualquer sinal destas entradas de dinheiro e tinha recolhido um depoimento do contabilista a dizer que nunca tinha ouvido falar em tais receitas. As declarações de Saleiro e a sua confirmação por Roque Lino levaram, todavia, o MP a pôr também de lado a questão das rendas. Quanto à concessão dos postos de combustível, o procurador da República contentou-se com as explicações do arguido e dos funcionários da Petrogal que foram ouvidos, todas elas no sentido de que o negócio não tinha nada de irregular. Os numerosos testemunhos e provas reunidos pela polícia para mostrar como é que Saleiro tinha conseguido, numa altura em que era presidente de câmara, que a Petrogal assumisse dívidas e investimentos no valor de quase 315 mil contos para lhe entregar - sem o dispêndio de um tostão e sem sequer apresentar uma garantia bancária, ao contrário do que era normal na empresa - o posto de abastecimento de São Marcos da Serra não mereceram ao MP qualquer consideração. J.A.C. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE O arquivamento exemplar do caso Saleiro

EDITORIAL Uma história exemplar

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Os casos que o Ministério Público ignorou

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Terça-feira, 9 de Janeiro de 2001 Após a inquirição de António Saleiro pelo Ministério Público (ver texto principal), o seu advogado, João Nabais, pediu a junção aos autos de alguns documentos e sugeriu ao MP a audição de cinco testemunhas que acabaram por ser decisivas no arquivamento do caso. Aceite a solicitação, o procurador da República de Beja, Luís Lança, começou por ouvir os engenheiros técnicos agrários António Loução e Manuel Leão sobre o pagamento a António Saleiro, por Joaquim Botelho, de uma comissão de 2500 contos relacionada com a venda de uma herdade aos chineses do Semblana Golfe. Ambos se limitaram a declarar que, no Verão de 1999, ouviram Botelho dizer a Saleiro que nunca afirmara ter-lhe pago qualquer comissão e que "desmentiria em qualquer lado" quem dissesse o contrário, porque não era verdade ter-lhe pago a comissão. Nos autos consta, porém, um depoimento pormenorizado de Joaquim Botelho, recolhido pela PJ e assinado pelo depoente, a explicar as circunstâncias em que pagara a comissão a Saleiro, bem como a prova documental de que pelo menos 1500 contos desse montante foram depositados numa conta bancária do arguido. A testemunha António Loução é director dos serviços do Ministério da Agricultura em Beja, é dirigente distrital do Partido Socialista e é vereador do PS na câmara da cidade. A testemunha Manuel Leão é também funcionário do Ministério da Agricultura, mas, segundo informação do gabinete do ministro, está suspenso das suas funções em consequência de um processo de averiguações que lhe foi instaurado em 1997 [por práticas ilegais] e que conduziu, em 1998, à abertura de um processo disciplinar e à sua posterior condenação a um ano de inactividade. Os testemunhos de Loução e Leão foram, todavia, considerados pelo MP como a "prova circunstancial" de que Botelho não pagou nada. E este nem sequer voltou a ser ouvido no processo. Dias depois, as testemunhas António Colaço e Leopoldo Gaiolas foram inquiridas sobre o pagamento de uma viagem da família Saleiro pelos chineses. Dólares emprestados pelos amigos O primeiro contou que estava no gabinete do presidente da Câmara de Almodôvar, em Agosto de 1993, juntamente com uma comitiva de chineses, quando António Saleiro lhe pediu "um empréstimo em dólares" para a aquisição dos bilhetes, "uma vez que saíam menos dispendiosos" se comprados em Macau. Como tinha cerca de cinco mil dólares, devido ao facto de a sogra ter sido emigrante nos EUA, Colaço avançou de imediato o dinheiro - que Saleiro terá entregue a um dos chineses. Por isso mesmo, explicou Colaço, "depreendeu" que a viagem foi feita a expensas do arguido. No mesmo sentido se pronunciou Leopoldo Gaiolas, que afirmou ter assistido à entrega dos dólares ao chinês e explicou ter também emprestado 2800 notas verdes ao presidente pelo facto de as de António Colaço serem insuficientes. Nos autos consta, porém, uma factura da viagem da família Saleiro - identificando todos os seus membros - passada por uma agência de Macau ao Concourse Group, mais o recibo referente à mesma, pago por uma outra sociedade dos mesmos chineses, e ainda a documentação da Semblana Golfe Alentejo, uma das empresas portuguesas do grupo, que contabiliza os 1400 contos da deslocação como uma despesa sua. A testemunha António Colaço era vereador na lista de Saleiro e a testemunha Leopoldo Gaiolas era o chefe dos serviços administrativos da autarquia, um homem que já em 1988 havia comprado um apartamento em Telheiras ao lado do de Saleiro. Quando sugeriu ao MP que Colaço e Gaiolas fossem ouvidos, João Nabais juntou aos autos uma declaração relativa à questão da viagem. Trata-se de um escrito em papel timbrado do Concourse Group, tem data de 11 de Maio deste ano e diz que a empresa recebeu 9500 dólares de Saleiro, "no mês de Agosto de 1993", para pagamento da viagem da família. A declaração vem autenticada com uma assinatura ilegível e o papel timbrado apresenta como sede do grupo um escritório de Macau. Segundo um arquitecto que trabalhou para os chineses e foi ouvido pela PJ, esse escritório foi há vários anos incendiado por causa de guerras entre seitas e desde essa altura nunca mais conseguiu encontrar os seus clientes. De acordo com o advogado Roque Lino, citado pela Judiciária em 1999, os chineses "andavam fugidos" e nem sequer conseguia localizar o seu contacto habitual, o macaense James Man. Além disso, a acreditar num relatório da PJ de Macau, naquele escritório não havia quaisquer vestígios, já em 1998, do Concourse Group. Um documento muito especial Acresce que a assinatura que subscreve a declaração deste desaparecido grupo empresarial, para lá de ser ilegível, não é acompanhada de qualquer espécie de reconhecimento da qualidade em que ali está - sendo certo que não parece coincidir com nenhuma das assinaturas dos chineses existentes no processo. Este documento, mais os depoimentos de Colaço e Gaiolas, foram, todavia, considerados pelo procurador da República como a "prova documental e testemunhal" de que foi o arguido quem pagou a viagem em causa. Finalmente, o antigo secretário de Estado da Comunicação Social Roque Lino veio aos autos, depois de ter invocado o sigilo profissional para não ser ouvido, apenas para esclarecer o MP sobre a cobrança, por Saleiro, de rendas devidas aos chineses. Roque Lino explicou que fora ele quem pedira ao arguido, na qualidade de advogado dos chineses, que "recebesse as importâncias referidas através de cheque a fim de [lhe] entregar depois as mesmas quantias (...), o que sucedeu". A razão de ser do pedido, acrescentou, prendia-se com o facto de este sistema ser "mais cómodo" para ele, uma vez que, assim, não tinha de se deslocar "propositadamente a Almodôvar". O depoimento de Saleiro sobre o assunto foi integralmente confirmado por Roque Lino e esclarecia que as quantias em causa eram depois entregues ao advogado "em dinheiro". Nos autos constam, porém, declarações dos dois rendeiros que explicam o envolvimento directo do arguido na gestão das propriedades dos chineses e na cobrança, sem passagem de qualquer recibo, de 4300 contos das rendas em causa. Além disso, a PJ tinha verificado que na contabilidade dos chineses em Portugal não havia qualquer sinal destas entradas de dinheiro e tinha recolhido um depoimento do contabilista a dizer que nunca tinha ouvido falar em tais receitas. As declarações de Saleiro e a sua confirmação por Roque Lino levaram, todavia, o MP a pôr também de lado a questão das rendas. Quanto à concessão dos postos de combustível, o procurador da República contentou-se com as explicações do arguido e dos funcionários da Petrogal que foram ouvidos, todas elas no sentido de que o negócio não tinha nada de irregular. Os numerosos testemunhos e provas reunidos pela polícia para mostrar como é que Saleiro tinha conseguido, numa altura em que era presidente de câmara, que a Petrogal assumisse dívidas e investimentos no valor de quase 315 mil contos para lhe entregar - sem o dispêndio de um tostão e sem sequer apresentar uma garantia bancária, ao contrário do que era normal na empresa - o posto de abastecimento de São Marcos da Serra não mereceram ao MP qualquer consideração. J.A.C. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE O arquivamento exemplar do caso Saleiro

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