Os casos que o Ministério Público ignorou

19-02-2001
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Os Casos Que o Ministério Público Ignorou

Terça-feira, 9 de Janeiro de 2001 A eventual utilização ilegal, por António Saleiro, de cartões que davam direito à aquisição de gasóleo mais barato para fins relacionados com a agricultura foi uma das situações que, embora abordadas pela Judiciária, ficaram por esclarecer devido à decisão de arquivamento do Ministério Público. Num auto de inquirição constante do processo, o agricultor Francisco Diogo garante que o seu cartão foi "abusivamente picado na totalidade" pela M.J. Saleiro, em 1997 - tendo já acontecido situações semelhantes nos dois anos anteriores -, e que, em troca do valor do subsídio do gasóleo, o empresário pretendeu entregar-lhe adubos vendidos na loja da mulher, coisa que ele não aceitou, exigindo o dinheiro respectivo, que Saleiro nunca lhe entregou. O que isto significa é que a M.J. Saleiro (a empresa da mulher do arguido) terá ficado com a possibilidade de vender ao preço do mercado o combustível a que Francisco Diogo tinha direito ao longo do ano, propondo-se compensá-lo do valor do subsídio em adubos. Tal como aconteceu em muitos outros casos, porém, o MP ignorou os indícios reunidos pela polícia e não ordenou a realização de quaisquer diligências complementares nem confrontou o arguido com as declarações do agricultor. O mesmo sucedeu, por exemplo, com a aquisição de um apartamento em Carnide, com a compra de um terreno em Odemira e com a intermediação da venda de uma outra propriedade em Corte Zorrinho, Almodôvar. No caso de Carnide, em Lisboa, António Saleiro comprou, em 1997, um apartamento de quatro assoalhadas pelo valor declarado de 14.500 contos. Ouvida pela PJ sobre este negócio, Maria José Saleiro, a mulher do arguido, declarou que o andar tinha custado 35 mil, havendo, naturalmente, questões a esclarecer em matéria de sisa. Por essa mesma altura, o então governador civil de Beja comprou uma parcela de terreno no concelho de Odemira a António Revés da Silva. Na escritura do negócio ficaram registados cinco mil contos, montante igualmente declarado por Saleiro para efeitos de pagamento de sisa. No auto de declarações assinado pelo vendedor afirma-se que este "não tem dúvidas de que o preço foi de seis mil, preço fixo que pediu e que recusou baixar, e não os ali mencionados cinco mil". Mais complicado é o negócio de Corte Zorrinho. Graças à intermediação de Saleiro, então presidente da câmara local, Augusto Vilhena vendeu em 1992, por 50 mil contos, uma herdade aos donos da empresa que fez o Plano Director Municipal de Almodôvar. Ao que se dizia na região, o autarca teria pedido uma comissão de cinco mil contos ao vendedor. Vilhena negou-o à PJ, mas acabou por dizer que Saleiro lhe tinha pedido, depois da venda do terreno, um empréstimo de cinco mil contos. "Até hoje, cinco anos volvidos, o António Saleiro ainda não lhe pagou esse empréstimo", resume a Judiciária depois de ouvir o vendedor, em Outubro de 97. Três meses depois, ouvido formalmente como testemunha no processo, Augusto Vilhena afirmou que já tinha conseguido resolver o problema com recurso a uma advogada. Segundo declarou, António Saleiro tinha entregue o dinheiro à advogada, e esta, com três cheques da sua conta, tinha-lhe pago os cinco mil contos. Vilhena comprometeu-se a entregar cópia dos cheques à PJ, mas tal nunca veio a acontecer. Mais de 30 mil contos para fins desconhecidos Uma outra situação descrita nos autos e ignorada pelo Ministério Público prende-se com o valor que os chineses pagaram por uma herdade ao agricultor Joaquim Botelho, um negócio que também teve a ver com Saleiro e com Roque Lino, advogado dos compradores, amigo de Saleiro e nalguns casos advogado da Câmara de Almodôvar. Numa carta enviada por Roque Lino aos seus clientes a pedir o envio do dinheiro afirma-se que Joaquim Botelho aceitou a venda por 87.500 contos - em duas prestações de 43.750 contos - e que serão necessários mais cerca de seis mil contos para despesas, incluindo os seus honorários. Conforme demonstram os documentos existentes no processo, os chineses remeteram os 94 mil contos a Roque Lino através de dois cheques. As declarações de Joaquim Botelho e as peritagens feitas às suas contas bancárias indicam, porém, que ele apenas pediu e recebeu 55 mil contos. Igualmente ignorada pelo MP foi a forma como o então autarca conseguiu evitar, no princípio dos anos 90, a instalação de um seu potencial concorrente na aldeia de São Barnabé. De acordo com o testemunho prestado à PJ por José da Silva Reis, a Petrogal, depois da intervenção de Saleiro, retirou-lhe o posto de venda de gasóleo que acabara de instalar na sua propriedade e foi montá-lo umas centenas de metros adiante ao serviço da M.J. Saleiro. Em resposta à Judiciária, a Petrogal remeteu-lhe um "contrato tripartido" que estaria na origem da instalação da bomba da M.J. Saleiro na aldeia. As outras partes no contrato seriam um particular residente em Loulé, David dos Santos, que exploraria directamente o negócio, e a própria Petrogal. O contrato em questão não tem, porém, qualquer data ou timbre e no lugar onde deveria estar a assinatura da Petrogal encontra-se apenas um espaço em branco. Na inquirição feita pelo procurador da República ao arguido nada consta sobre este assunto. J.A.C. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE O arquivamento exemplar do caso Saleiro

EDITORIAL Uma história exemplar

Testemunhos sumários anulam provas da PJ

Os casos que o Ministério Público ignorou

Os Casos Que o Ministério Público Ignorou

Terça-feira, 9 de Janeiro de 2001 A eventual utilização ilegal, por António Saleiro, de cartões que davam direito à aquisição de gasóleo mais barato para fins relacionados com a agricultura foi uma das situações que, embora abordadas pela Judiciária, ficaram por esclarecer devido à decisão de arquivamento do Ministério Público. Num auto de inquirição constante do processo, o agricultor Francisco Diogo garante que o seu cartão foi "abusivamente picado na totalidade" pela M.J. Saleiro, em 1997 - tendo já acontecido situações semelhantes nos dois anos anteriores -, e que, em troca do valor do subsídio do gasóleo, o empresário pretendeu entregar-lhe adubos vendidos na loja da mulher, coisa que ele não aceitou, exigindo o dinheiro respectivo, que Saleiro nunca lhe entregou. O que isto significa é que a M.J. Saleiro (a empresa da mulher do arguido) terá ficado com a possibilidade de vender ao preço do mercado o combustível a que Francisco Diogo tinha direito ao longo do ano, propondo-se compensá-lo do valor do subsídio em adubos. Tal como aconteceu em muitos outros casos, porém, o MP ignorou os indícios reunidos pela polícia e não ordenou a realização de quaisquer diligências complementares nem confrontou o arguido com as declarações do agricultor. O mesmo sucedeu, por exemplo, com a aquisição de um apartamento em Carnide, com a compra de um terreno em Odemira e com a intermediação da venda de uma outra propriedade em Corte Zorrinho, Almodôvar. No caso de Carnide, em Lisboa, António Saleiro comprou, em 1997, um apartamento de quatro assoalhadas pelo valor declarado de 14.500 contos. Ouvida pela PJ sobre este negócio, Maria José Saleiro, a mulher do arguido, declarou que o andar tinha custado 35 mil, havendo, naturalmente, questões a esclarecer em matéria de sisa. Por essa mesma altura, o então governador civil de Beja comprou uma parcela de terreno no concelho de Odemira a António Revés da Silva. Na escritura do negócio ficaram registados cinco mil contos, montante igualmente declarado por Saleiro para efeitos de pagamento de sisa. No auto de declarações assinado pelo vendedor afirma-se que este "não tem dúvidas de que o preço foi de seis mil, preço fixo que pediu e que recusou baixar, e não os ali mencionados cinco mil". Mais complicado é o negócio de Corte Zorrinho. Graças à intermediação de Saleiro, então presidente da câmara local, Augusto Vilhena vendeu em 1992, por 50 mil contos, uma herdade aos donos da empresa que fez o Plano Director Municipal de Almodôvar. Ao que se dizia na região, o autarca teria pedido uma comissão de cinco mil contos ao vendedor. Vilhena negou-o à PJ, mas acabou por dizer que Saleiro lhe tinha pedido, depois da venda do terreno, um empréstimo de cinco mil contos. "Até hoje, cinco anos volvidos, o António Saleiro ainda não lhe pagou esse empréstimo", resume a Judiciária depois de ouvir o vendedor, em Outubro de 97. Três meses depois, ouvido formalmente como testemunha no processo, Augusto Vilhena afirmou que já tinha conseguido resolver o problema com recurso a uma advogada. Segundo declarou, António Saleiro tinha entregue o dinheiro à advogada, e esta, com três cheques da sua conta, tinha-lhe pago os cinco mil contos. Vilhena comprometeu-se a entregar cópia dos cheques à PJ, mas tal nunca veio a acontecer. Mais de 30 mil contos para fins desconhecidos Uma outra situação descrita nos autos e ignorada pelo Ministério Público prende-se com o valor que os chineses pagaram por uma herdade ao agricultor Joaquim Botelho, um negócio que também teve a ver com Saleiro e com Roque Lino, advogado dos compradores, amigo de Saleiro e nalguns casos advogado da Câmara de Almodôvar. Numa carta enviada por Roque Lino aos seus clientes a pedir o envio do dinheiro afirma-se que Joaquim Botelho aceitou a venda por 87.500 contos - em duas prestações de 43.750 contos - e que serão necessários mais cerca de seis mil contos para despesas, incluindo os seus honorários. Conforme demonstram os documentos existentes no processo, os chineses remeteram os 94 mil contos a Roque Lino através de dois cheques. As declarações de Joaquim Botelho e as peritagens feitas às suas contas bancárias indicam, porém, que ele apenas pediu e recebeu 55 mil contos. Igualmente ignorada pelo MP foi a forma como o então autarca conseguiu evitar, no princípio dos anos 90, a instalação de um seu potencial concorrente na aldeia de São Barnabé. De acordo com o testemunho prestado à PJ por José da Silva Reis, a Petrogal, depois da intervenção de Saleiro, retirou-lhe o posto de venda de gasóleo que acabara de instalar na sua propriedade e foi montá-lo umas centenas de metros adiante ao serviço da M.J. Saleiro. Em resposta à Judiciária, a Petrogal remeteu-lhe um "contrato tripartido" que estaria na origem da instalação da bomba da M.J. Saleiro na aldeia. As outras partes no contrato seriam um particular residente em Loulé, David dos Santos, que exploraria directamente o negócio, e a própria Petrogal. O contrato em questão não tem, porém, qualquer data ou timbre e no lugar onde deveria estar a assinatura da Petrogal encontra-se apenas um espaço em branco. Na inquirição feita pelo procurador da República ao arguido nada consta sobre este assunto. J.A.C. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE O arquivamento exemplar do caso Saleiro

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