Politicamente incorrecto

29-10-2000
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Pires de Lima: o polémico bastonário tem o apoio dos advogados

Na última semana, as críticas subiram de tom. O bastonário acusou António Guterres de «má-fé» e usou a palavra «promiscuidade» para definir as relações entre Cunha Rodrigues e o poder político. Termos considerados «excessivos» pelos membros do Governo e mesmo no seio da própria classe. No entanto, Pires de Lima limitou-se a cumprir... a tradição. «É tradicional o bastonário dos advogados tentar influenciar o ministro da Justiça nas alturas de apresentação dos programas do Governo», esclarece o ex-bastonário e actual ministro da Defesa, Júlio Castro Caldas. Em declarações ao EXPRESSO, o ministro confessou que quando liderava a OA também exerceu o mesmo tipo de pressão, mas «de forma menos ostensiva», acrescentando que «protagonismos políticos não ficam muito bem ao representante dos advogados».

A mesma ideia é partilhada por dois dos candidatos que concorreram com Pires de Lima nas eleições de Dezembro. Soares Machado e Rodolfo Lavrador consideram que o bastonário deve ter uma atitude apolítica, embora subscrevam a maioria das reformas defendidas pelos órgãos actuais da OA.

De facto, as conclusões da reunião da Curia, onde estiveram presentes os representantes de 95% dos advogados inscritos na Ordem, demonstram que as ideias de Pires de Lima obtiveram o acordo dos seus pares. Os advogados insurgiram-se contra o discurso político do excesso de garantias, os adiamentos sucessivos dos julgamentos, o laxismo do Ministério Público e o actual sistema de segredo de justiça. Contudo, não assumiram qualquer posição de força.

A proposta de Pires de Lima de ameaçar com o levantamento do segredo de justiça se o Governo não alterasse a lei ficou sem efeito. Os advogados limitaram-se a elaborar um documento, já entregue ao ministro da Justiça, onde propõem a redução do segredo apenas até ao limite máximo previsto na lei para a duração do inquérito - oito meses em processos sem réus presos ou um ano em casos de especial complexidade. Um prazo raramente cumprido pelo Ministério Público.

Governo fala em «mal-entendido»

Quanto às críticas de Pires de Lima à política do Governo para o sector e ao procurador-geral, António Costa preferiu «não comentar», garantindo apenas que «os contactos pessoais até agora têm sido sempre muito positivos e cordiais».

Mal-entendido ou não, o bastonário interpretou as declarações de António Guterres durante a tomada de posse como «um ataque aos advogados, ainda por cima veiculado através da Comunicação Social, sem nos ter consultado previamente. Limitei-me a responder com a mesma estratégia», sublinha.

De qualquer forma, o representante dos cerca de 18 mil advogados portugueses já pediu uma audiência ao primeiro-ministro, «para esclarecer o assunto e dar-lhe a conhecer o ponto de vista da Ordem», afirma Pires de Lima.

Juízes apoiam, MP minimiza

Quem não gostou das críticas de «laxismo» e de «promiscuidade» com o poder político foram os magistrados do Ministério Público. As declarações de Pires de Lima são, por isso, minimizadas.

«Nem se trata de um alerta ao Governo, porque não é fundamentado. É apenas mais uma expressão de um mal-estar latente na classe», considera António Cluny, ex-presidente do sindicato do MP, acrescentando que «as afirmações do bastonário revelam desconhecimento sobre o próprio estatuto do Ministério Público».

O procurador-geral da República recusou-se a fazer qualquer comentário, mas deixou claro que não ficou satisfeito:

«Nunca me ouvirão uma palavra contra os advogados», afirmou na terça-feira, à saída da reunião com o presidente da Assembleia da República, Almeida Santos, para esclarecer a ida de um magistrado ao Parlamento com a intenção de notificar um deputado.

As explicações de Cunha Rodrigues ao presidente da AR foram, aliás, mais um motivo de crítica para o bastonário dos advogados. No seu estilo irónico e mordaz, António Pires de Lima disse ter ficado «surpreendido».

«Estava convencido de que o PGR não precisava de dar explicações a ninguém... tendo em conta a independência do MP», afirmou.

Advogado há mais de 40 anos, António Pires de Lima define-se como «um conservador que se rege pelos princípios da doutrina católica». Mas foi sempre uma pessoa frontal e como bastonário dos advogados não poupa críticas nem mede palavras quando a classe que representa é atacada. Não lhe é conhecida filiação partidária, mas admite que já votou no CDS e no MRPP.

ANA ISABEL ABRUNHOSA

Pires de Lima: o polémico bastonário tem o apoio dos advogados

Na última semana, as críticas subiram de tom. O bastonário acusou António Guterres de «má-fé» e usou a palavra «promiscuidade» para definir as relações entre Cunha Rodrigues e o poder político. Termos considerados «excessivos» pelos membros do Governo e mesmo no seio da própria classe. No entanto, Pires de Lima limitou-se a cumprir... a tradição. «É tradicional o bastonário dos advogados tentar influenciar o ministro da Justiça nas alturas de apresentação dos programas do Governo», esclarece o ex-bastonário e actual ministro da Defesa, Júlio Castro Caldas. Em declarações ao EXPRESSO, o ministro confessou que quando liderava a OA também exerceu o mesmo tipo de pressão, mas «de forma menos ostensiva», acrescentando que «protagonismos políticos não ficam muito bem ao representante dos advogados».

A mesma ideia é partilhada por dois dos candidatos que concorreram com Pires de Lima nas eleições de Dezembro. Soares Machado e Rodolfo Lavrador consideram que o bastonário deve ter uma atitude apolítica, embora subscrevam a maioria das reformas defendidas pelos órgãos actuais da OA.

De facto, as conclusões da reunião da Curia, onde estiveram presentes os representantes de 95% dos advogados inscritos na Ordem, demonstram que as ideias de Pires de Lima obtiveram o acordo dos seus pares. Os advogados insurgiram-se contra o discurso político do excesso de garantias, os adiamentos sucessivos dos julgamentos, o laxismo do Ministério Público e o actual sistema de segredo de justiça. Contudo, não assumiram qualquer posição de força.

A proposta de Pires de Lima de ameaçar com o levantamento do segredo de justiça se o Governo não alterasse a lei ficou sem efeito. Os advogados limitaram-se a elaborar um documento, já entregue ao ministro da Justiça, onde propõem a redução do segredo apenas até ao limite máximo previsto na lei para a duração do inquérito - oito meses em processos sem réus presos ou um ano em casos de especial complexidade. Um prazo raramente cumprido pelo Ministério Público.

Governo fala em «mal-entendido»

Quanto às críticas de Pires de Lima à política do Governo para o sector e ao procurador-geral, António Costa preferiu «não comentar», garantindo apenas que «os contactos pessoais até agora têm sido sempre muito positivos e cordiais».

Mal-entendido ou não, o bastonário interpretou as declarações de António Guterres durante a tomada de posse como «um ataque aos advogados, ainda por cima veiculado através da Comunicação Social, sem nos ter consultado previamente. Limitei-me a responder com a mesma estratégia», sublinha.

De qualquer forma, o representante dos cerca de 18 mil advogados portugueses já pediu uma audiência ao primeiro-ministro, «para esclarecer o assunto e dar-lhe a conhecer o ponto de vista da Ordem», afirma Pires de Lima.

Juízes apoiam, MP minimiza

Quem não gostou das críticas de «laxismo» e de «promiscuidade» com o poder político foram os magistrados do Ministério Público. As declarações de Pires de Lima são, por isso, minimizadas.

«Nem se trata de um alerta ao Governo, porque não é fundamentado. É apenas mais uma expressão de um mal-estar latente na classe», considera António Cluny, ex-presidente do sindicato do MP, acrescentando que «as afirmações do bastonário revelam desconhecimento sobre o próprio estatuto do Ministério Público».

O procurador-geral da República recusou-se a fazer qualquer comentário, mas deixou claro que não ficou satisfeito:

«Nunca me ouvirão uma palavra contra os advogados», afirmou na terça-feira, à saída da reunião com o presidente da Assembleia da República, Almeida Santos, para esclarecer a ida de um magistrado ao Parlamento com a intenção de notificar um deputado.

As explicações de Cunha Rodrigues ao presidente da AR foram, aliás, mais um motivo de crítica para o bastonário dos advogados. No seu estilo irónico e mordaz, António Pires de Lima disse ter ficado «surpreendido».

«Estava convencido de que o PGR não precisava de dar explicações a ninguém... tendo em conta a independência do MP», afirmou.

Advogado há mais de 40 anos, António Pires de Lima define-se como «um conservador que se rege pelos princípios da doutrina católica». Mas foi sempre uma pessoa frontal e como bastonário dos advogados não poupa críticas nem mede palavras quando a classe que representa é atacada. Não lhe é conhecida filiação partidária, mas admite que já votou no CDS e no MRPP.

ANA ISABEL ABRUNHOSA

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