Suplemento Mil Folhas

13-02-2002
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O Lugar da Mente

Por PEDRO GALVÃO

Sábado, 9 de Fevereiro de 2002

Este livro de Dennett vale sobretudo pelo modo cativante (e por vezes desconcertante) como introduz o leitor em muitas das questões da filosofia da mente.

De Daniel C. Dennett já existe entre nós "A Ideia Perigosa de Darwin", uma robusta e volumosa defesa do darwinismo. "Tipos de Mentes" é um livro muito diferente, não só pela sua elevada concisão, mas também por se dirigir a um público mais amplo. Não é uma introdução à filosofia da mente, nem mesmo uma introdução à filosofia da mente de Dennett, se por isso entendermos uma exposição sistemática e acabada do pensamento do autor.

"Irei apresentar o conjunto de pressupostos fundamentais que dão unidade ao meu modo de questionar e o configuram num padrão estável e identificável", declara Dennett, "apesar de ser nas suas franjas mutáveis que se encontram as partes mais emocionantes - precisamente aquelas onde o mais importante está a acontecer. O principal objectivo deste livro é apresentar as questões que estou a levantar agora - e, acautele-se o leitor, algumas delas provavelmente não conduzirão a lado algum." Dennett prepara assim o leitor para aquilo que podemos encontrar em "Tipos de Mentes": uma tentativa de encontrar boas perguntas e não tanto um conjunto definido de respostas.

O primeiro capítulo faz-nos perceber as questões principais do livro. Que tipos de mente existem? E como sabemos isso? A primeira pergunta é sobre o que existe; a segunda é acerca do nosso conhecimento. Os filósofos costumam distinguir cuidadosamente estes dois tipos de questões, mas Dennett defende que neste caso não podemos responder a uma das perguntas sem responder à outra.

O capítulo inicial explora muitas das nossas convicções comuns relativas a problemas que colocamos espontaneamente. Até que ponto serão as mentes dos animais como as nossas? Poderá um robô ser alguma vez dotado de mente? Será preciso dominar uma linguagem para possuir uma mente? Dennett sugere que uma boa maneira de ir além das opiniões ingénuas sobre estes assuntos é desenvolver uma investigação evolucionista, ou seja, tentar compreender como a nossa mente, enquanto parte do mundo natural, evoluiu a partir de entidades mais simples.

No segundo capítulo, sem dúvida um dos melhores do livro, Dennett introduz alguns instrumentos filosóficos para essa investigação. Este capítulo permite que o leitor se familiarize com conceitos e teorias que se contam entre os mais importantes e subtis da filosofia da mente. Deve-se destacar aqui a noção de postura ou perspectiva intencional. Adoptar esta postura relativamente a uma certa entidade é vê-la como um agente racional, o que nos leva a tentar prever e explicar o seu comportamento como se esta agisse de acordo com as suas convicções e desejos. Adoptamos esta postura não só em relação aos seres humanos, mas também em relação aos animais e até a certos artefactos, como quando dizemos que um computador "quer" ganhar um jogo de xadrez e "sabe" quais são as regras do jogo. Uma ideia central no pensamento de Dennett é a de que a postura intencional é um atalho muito útil, que fornece "a chave para esclarecer os mistérios da mente - de todo o tipo de mentes".

A partir do terceiro capítulo, Dennett tenta elucidar as questões iniciais do livro. Acaba por apresentar uma história biológica e filosófica da mente que nos mostra como a evolução por selecção natural deu origem ao pensamento. Pelo caminho, examina a origem da autoconsciência, procura esclarecer a relação entre a mente e o corpo e avalia estudos sobre as capacidades cognitivas dos animais. Ao longo do livro somos confrontados com descobertas científicas surpreendentes e argumentos filosóficos engenhosos. E há poucos filósofos que sabem escrever de uma forma tão cativante. Mas o percurso que o autor propõe não é muito claro e estruturado. Por vezes é difícil perceber o que Dennett está a tentar mostrar, a que propósito vem um certo assunto ou se uma certa ideia está a ser simplesmente considerada como hipótese ou sustentada com algum argumento. Isto é uma consequência de o livro incidir em grande parte nas "franjas mutáveis" do seu pensamento. Seja como for, "Tipos de Mentes" pode proporcionar seguramente um primeiro contacto estimulante com algumas das grandes questões da filosofia da mente. No fim do livro encontramos uma lista de leituras complementares muito útil e bem comentada. Mesmo quem se sinta completamente insatisfeito com os resultados de Dennett pode encontrar nessa lista muitos caminhos para compreender melhor o lugar da mente no mundo.

O Lugar da Mente

Por PEDRO GALVÃO

Sábado, 9 de Fevereiro de 2002

Este livro de Dennett vale sobretudo pelo modo cativante (e por vezes desconcertante) como introduz o leitor em muitas das questões da filosofia da mente.

De Daniel C. Dennett já existe entre nós "A Ideia Perigosa de Darwin", uma robusta e volumosa defesa do darwinismo. "Tipos de Mentes" é um livro muito diferente, não só pela sua elevada concisão, mas também por se dirigir a um público mais amplo. Não é uma introdução à filosofia da mente, nem mesmo uma introdução à filosofia da mente de Dennett, se por isso entendermos uma exposição sistemática e acabada do pensamento do autor.

"Irei apresentar o conjunto de pressupostos fundamentais que dão unidade ao meu modo de questionar e o configuram num padrão estável e identificável", declara Dennett, "apesar de ser nas suas franjas mutáveis que se encontram as partes mais emocionantes - precisamente aquelas onde o mais importante está a acontecer. O principal objectivo deste livro é apresentar as questões que estou a levantar agora - e, acautele-se o leitor, algumas delas provavelmente não conduzirão a lado algum." Dennett prepara assim o leitor para aquilo que podemos encontrar em "Tipos de Mentes": uma tentativa de encontrar boas perguntas e não tanto um conjunto definido de respostas.

O primeiro capítulo faz-nos perceber as questões principais do livro. Que tipos de mente existem? E como sabemos isso? A primeira pergunta é sobre o que existe; a segunda é acerca do nosso conhecimento. Os filósofos costumam distinguir cuidadosamente estes dois tipos de questões, mas Dennett defende que neste caso não podemos responder a uma das perguntas sem responder à outra.

O capítulo inicial explora muitas das nossas convicções comuns relativas a problemas que colocamos espontaneamente. Até que ponto serão as mentes dos animais como as nossas? Poderá um robô ser alguma vez dotado de mente? Será preciso dominar uma linguagem para possuir uma mente? Dennett sugere que uma boa maneira de ir além das opiniões ingénuas sobre estes assuntos é desenvolver uma investigação evolucionista, ou seja, tentar compreender como a nossa mente, enquanto parte do mundo natural, evoluiu a partir de entidades mais simples.

No segundo capítulo, sem dúvida um dos melhores do livro, Dennett introduz alguns instrumentos filosóficos para essa investigação. Este capítulo permite que o leitor se familiarize com conceitos e teorias que se contam entre os mais importantes e subtis da filosofia da mente. Deve-se destacar aqui a noção de postura ou perspectiva intencional. Adoptar esta postura relativamente a uma certa entidade é vê-la como um agente racional, o que nos leva a tentar prever e explicar o seu comportamento como se esta agisse de acordo com as suas convicções e desejos. Adoptamos esta postura não só em relação aos seres humanos, mas também em relação aos animais e até a certos artefactos, como quando dizemos que um computador "quer" ganhar um jogo de xadrez e "sabe" quais são as regras do jogo. Uma ideia central no pensamento de Dennett é a de que a postura intencional é um atalho muito útil, que fornece "a chave para esclarecer os mistérios da mente - de todo o tipo de mentes".

A partir do terceiro capítulo, Dennett tenta elucidar as questões iniciais do livro. Acaba por apresentar uma história biológica e filosófica da mente que nos mostra como a evolução por selecção natural deu origem ao pensamento. Pelo caminho, examina a origem da autoconsciência, procura esclarecer a relação entre a mente e o corpo e avalia estudos sobre as capacidades cognitivas dos animais. Ao longo do livro somos confrontados com descobertas científicas surpreendentes e argumentos filosóficos engenhosos. E há poucos filósofos que sabem escrever de uma forma tão cativante. Mas o percurso que o autor propõe não é muito claro e estruturado. Por vezes é difícil perceber o que Dennett está a tentar mostrar, a que propósito vem um certo assunto ou se uma certa ideia está a ser simplesmente considerada como hipótese ou sustentada com algum argumento. Isto é uma consequência de o livro incidir em grande parte nas "franjas mutáveis" do seu pensamento. Seja como for, "Tipos de Mentes" pode proporcionar seguramente um primeiro contacto estimulante com algumas das grandes questões da filosofia da mente. No fim do livro encontramos uma lista de leituras complementares muito útil e bem comentada. Mesmo quem se sinta completamente insatisfeito com os resultados de Dennett pode encontrar nessa lista muitos caminhos para compreender melhor o lugar da mente no mundo.

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