A "adrenalina" que revitalizou São Bento

02-03-2002
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SEIS ANOS DE MAIORIA SOCIALISTA NO PARLAMENTO

A "Adrenalina" Que Revitalizou São Bento

Por SÃO JOSÉ ALMEIDA

Terça-feira, 12 de Fevereiro de 2002 O PÚBLICO inicia hoje a publicação dos balanços do que foram duas legislaturas de maioria do PS na Assembleia da República. Isola e analisa as principais áreas de actuação dos deputados: economia, sistema político, sociedade e comportamentos. Faz o deve e haver do que foi feito pela AR ou ficou por fazer. E ainda fala com duas figuras que marcaram o Palácio de São Bento durante os últimos seis anos: António de Almeida Santos e Adelina Sá Carvalho. De uma simpatia e energia transbordantes, a conselheira Adelina Sá Carvalho entrou em São Bento há seis anos e revolucionou a AR. Em final de mandato, o PÚBLICO faz o balanço do desempenho de uma alta-funcionária do Estado que tem orgulho de o ser. Quem passa por "aquele metro e meio de gente" nos corredores da Assembleia da República não imagina sequer que é sobretudo a ela que se deve a transformação radical operada no Palácio de São Bento. Quem conheceu e se lembra do ar sorumbático, sujo, usado, desleixado mesmo, que tinham as instalações parlamentares - desde as pinturas enegrecidas pelo tempo aos reposteiros de veludo puído de gasto - não deixa de se deslumbrar com o "lifting" que o palácio sofreu durante os últimos seis anos em que à frente da secretaria-geral esteve Adelina Sá Carvalho. É com um indisfarçável orgulho que Adelina Sá Carvalho, nascida a 17 de Maio de 1942 em Moçambique e criada em Lisboa, fala sobre o seu mandato como secretária-geral, cargo que com ela pela primeira vez foi preenchido, ao longo de seis anos, sempre pela mesma pessoa. Convidada, em finais de 1995, por Almeida Santos - "Não sei por que se lembrou de mim, cruzei-me com ele algumas vezes ao longo da vida profissional, mas temos funcionado magnificamente", diz, enquanto Almeida Santos assume que a conheceu quando era ministro da Justiça e a fixou como "uma técnica excepcional" -, Adelina Sá Carvalho afirma que só pôs "uma condição, a de não ter votos contra nem abstenções no conselho de administração". E, com um estimável currículo de Estado e uma determinação e uma energia invejáveis, só igualáveis pela sua profunda simpatia, intervalou o seu desempenho como juíza do Tribunal de Contas e entrou pela porta grande de São Bento, onde é chamada de "senhora conselheira" e conhecida como "adrenalina" Sá Carvalho. Sem falsa modéstia mas com a humildade segura de quem sabe o que vale, sublinha que gosta de funcionar em equipa e distribui os louros: "Houve uma triangulação que funcionou muito bem entre o presidente da Assembleia, o conselho de administração e a secretária-geral. Eu podia ter ideias giríssimas e não ter o apoio dos membros do conselho ou do presidente. Nos dois conselhos de administração em que pertenci nunca houve luta política." Acerca da si, diz: "Tive sempre funções em épocas em que podia mexer nas coisas, mudar, fazer coisas. Acho que é sempre possível fazer coisas dentro do quadro jurídico existente. Aqui mostrei isso. Foi o último desafio profissional da minha vida." E sobre o modo como desempenhou o seu mandato, acrescenta: "Quis fazer duas coisas. Mostrar que se podem fazer coisas - e fi-las - e provar que a secretária-geral pode ser equidistante de partidos e respeitar todos. A secretária-geral da AR responde não a um titular de órgão de soberania, o ministro, mas a 230 titulares do órgão de soberania que é a AR, que tem de ser respeitado e ouvido e respondido com independência, sensatez e justiça igual à de todos os outros." O que é um facto é que a forma como se apresentou a serviço impressionou tanto ou tão pouco que, durante a discussão de umas contas da AR em plenário na anterior legislatura, o então representante do PSD no conselho de administração, o deputado Silva Marques, ironizou: "A secretária-geral só tem um defeito, não é do PSD." O seu prestígio, esse, vai além fronteiras: por unanimidade, foi eleita presidente da organização internacional que representa os secretários-gerais parlamentares. "Quando o poder é exercido para o bem público..." Hoje sabedora de que o seu mandato depende do presidente da AR - embora haja quem sustente que, face ao trabalho feito, ela deve de ser de novo convidada pelo futuro presidente e continuar -, a própria Adelina Sá Carvalho garante que é de consciência tranquila e com a noção do dever cumprido que volta ao Tribunal de Contas. Prepara-se assim para terminar no seu posto de juíza-conselheira uma carreira de alto-quadro do Estado que se iniciou em 1965 no Fundo de Desenvolvimento de Mão-de-Obra do Ministério das Corporações, depois de se ter licenciado em Direito, no mesmo curso de Sousa Franco. Será o finalizar de um percurso que assume como de "servidora do Estado", depois de, em 1975, ter sido convidada por Costa Brás para directora-geral da função pública - "Era uma directora-geral com poder. Não tenho vergonha de dizer que tinha, quando o poder é exercido para o bem público não há que ter vergonha". Em 1981, é nomeada vice-presidente da Reforma da Administração Pública. Dois anos depois, segue para Macau, para ser secretária-adjunta para a Administração e Justiça, com o almirante Almeida e Costa. À experiência na administração pública soma então a administração interna e a justiça, cargo em que é substituída por António Vitorino em 1986. Garante que adorou estar ligada ao "início da modernização de Macau". De regresso a Lisboa, em 1988, é nomeada secretária-geral da Educação por Roberto Carneiro. Em Janeiro de 1991, de alto-quadro do Estado passa a fiscalizadora do mesmo, após ganhar, por concurso, a cadeira de juíza-conselheira do Tribunal de Contas. Estava então convencida de que tinha terminado a fase executiva da sua carreira. Enganou-se. No final de 1995, António de Almeida Santos, então recém-eleito presidente da AR, convida-a para secretária-geral. Levou dois meses e meio a pensar. Aceitou e até hoje não se arrependeu. E é com um olhar determinado e cheio de brio que garante: "Gosto e gostei sempre de trabalhar para o Estado. Fico muito incomodada quando, acefalamente, se faz críticas aos funcionários públicos, esquecendo que no Estado há gente muito boa. Fazer na administração pública é mais difícil do que no privado. Estar na função pública é fácil, agora fazer..." OUTROS TÍTULOS EM NACIONAL Blair compensa Sampaio com almoço em Downing Street

Ferro garante objectivo do défice zero

A "adrenalina" que revitalizou São Bento

A revolução do palácio

Sempre à procura de parceiro

Três casos económicos

OPINIÃO

A arrogância de um poder

Rui Rio e o PÚBLICO: um esclarecimento da Direcção Editorial

Breves

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Quem conheceu e se lembra do ar sorumbático, sujo, usado, desleixado mesmo, que tinham as instalações parlamentares - desde as pinturas enegrecidas pelo tempo aos reposteiros de veludo puído de gasto - não deixa de se deslumbrar com o "lifting" que o palácio sofreu durante os últimos seis anos em que à frente da secretaria-geral esteve Adelina Sá Carvalho. É com um indisfarçável orgulho que Adelina Sá Carvalho, nascida a 17 de Maio de 1942 em Moçambique e criada em Lisboa, fala sobre o seu mandato como secretária-geral, cargo que com ela pela primeira vez foi preenchido, ao longo de seis anos, sempre pela mesma pessoa. Convidada, em finais de 1995, por Almeida Santos - "Não sei por que se lembrou de mim, cruzei-me com ele algumas vezes ao longo da vida profissional, mas temos funcionado magnificamente", diz, enquanto Almeida Santos assume que a conheceu quando era ministro da Justiça e a fixou como "uma técnica excepcional" -, Adelina Sá Carvalho afirma que só pôs "uma condição, a de não ter votos contra nem abstenções no conselho de administração". E, com um estimável currículo de Estado e uma determinação e uma energia invejáveis, só igualáveis pela sua profunda simpatia, intervalou o seu desempenho como juíza do Tribunal de Contas e entrou pela porta grande de São Bento, onde é chamada de "senhora conselheira" e conhecida como "adrenalina" Sá Carvalho. Sem falsa modéstia mas com a humildade segura de quem sabe o que vale, sublinha que gosta de funcionar em equipa e distribui os louros: "Houve uma triangulação que funcionou muito bem entre o presidente da Assembleia, o conselho de administração e a secretária-geral. Eu podia ter ideias giríssimas e não ter o apoio dos membros do conselho ou do presidente. Nos dois conselhos de administração em que pertenci nunca houve luta política." Acerca da si, diz: "Tive sempre funções em épocas em que podia mexer nas coisas, mudar, fazer coisas. Acho que é sempre possível fazer coisas dentro do quadro jurídico existente. Aqui mostrei isso. Foi o último desafio profissional da minha vida." E sobre o modo como desempenhou o seu mandato, acrescenta: "Quis fazer duas coisas. Mostrar que se podem fazer coisas - e fi-las - e provar que a secretária-geral pode ser equidistante de partidos e respeitar todos. A secretária-geral da AR responde não a um titular de órgão de soberania, o ministro, mas a 230 titulares do órgão de soberania que é a AR, que tem de ser respeitado e ouvido e respondido com independência, sensatez e justiça igual à de todos os outros." O que é um facto é que a forma como se apresentou a serviço impressionou tanto ou tão pouco que, durante a discussão de umas contas da AR em plenário na anterior legislatura, o então representante do PSD no conselho de administração, o deputado Silva Marques, ironizou: "A secretária-geral só tem um defeito, não é do PSD." O seu prestígio, esse, vai além fronteiras: por unanimidade, foi eleita presidente da organização internacional que representa os secretários-gerais parlamentares. "Quando o poder é exercido para o bem público..." 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Dois anos depois, segue para Macau, para ser secretária-adjunta para a Administração e Justiça, com o almirante Almeida e Costa. À experiência na administração pública soma então a administração interna e a justiça, cargo em que é substituída por António Vitorino em 1986. Garante que adorou estar ligada ao "início da modernização de Macau". De regresso a Lisboa, em 1988, é nomeada secretária-geral da Educação por Roberto Carneiro. Em Janeiro de 1991, de alto-quadro do Estado passa a fiscalizadora do mesmo, após ganhar, por concurso, a cadeira de juíza-conselheira do Tribunal de Contas. Estava então convencida de que tinha terminado a fase executiva da sua carreira. Enganou-se. No final de 1995, António de Almeida Santos, então recém-eleito presidente da AR, convida-a para secretária-geral. Levou dois meses e meio a pensar. Aceitou e até hoje não se arrependeu. E é com um olhar determinado e cheio de brio que garante: "Gosto e gostei sempre de trabalhar para o Estado. Fico muito incomodada quando, acefalamente, se faz críticas aos funcionários públicos, esquecendo que no Estado há gente muito boa. Fazer na administração pública é mais difícil do que no privado. Estar na função pública é fácil, agora fazer..." OUTROS TÍTULOS EM NACIONAL Blair compensa Sampaio com almoço em Downing Street

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