Inquérito à JAE na Mão de Almeida Santos

18-01-2001
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Presidente da Assembleia vai analisar escusa de revelação de nomes

Inquérito à JAE na Mão de Almeida Santos

Por SÃO JOSÉ ALMEIDA

Sábado, 27 de Março de 1999

O futuro da comissão de inquérito às denúncias de corrupção na Junta Autónoma de Estradas (JAE) está nas mãos do presidente da Assembleia da República (AR), António de Almeida Santos, e da análise que este fará, na próxima semana, sobre os pareceres jurídicos entregues por Rangel de Lima, ex-presidente da JAE, na quinta-feira, àquela comissão de inquérito como fundamento para se escusar, pela segunda vez, a revelar o nome do dirigente partidário que lhe telefonou a perguntar sobre a situação de uma empresa num concurso.

Se Almeida Santos considerar válida a tese apresentada nos dois pareceres a que o PÚBLICO teve acesso - um elaborado pelo penalista Miguel Pedrosa Machado, da Universidade Católica, e outro da lavra de João Medeiros, advogado no escritório de António Maria Pereira, José Miguel Júdice, Oliveira Martins e Saragga Leal - de que Rangel de Lima não é obrigado a revelar nomes de pessoas sem a sua autorização, para se proteger de vir a ser acusado de um crime de difamação, coloca em causa a viabilidade da comissão, para além de acabar com qualquer hipótese de eficácia dos trabalhos do inquérito. Isto porque, se esta tese vingar, a partir daqui, qualquer depoente convocado à comissão pode alegar os mesmos motivos para se escusar a responder.

Segundo o parecer de José Medeiros, "a revelação do nome do autor do telefonema, feita no âmbito de um inquérito parlamentar em que se buscam indícios de corrupção na JAE, é susceptível de, em tese geral, ser um facto ofensivo da honra ou consideração do visado". Isto porque, prossegue o texto, cabe ao visado "o juízo acerca da lesão à sua honra e consideração" e "o nome dessa pessoa, por mais esclarecimentos que fossem prestados, ficaria de forma irremediável ligado a uma comissão que tem por objecto a procura de indícios de corrupção". Mais: como se trata de um caso de palavra contra palavra e o depoente não tem forma de apresentar provas ou testemunhas da existência do dito telefonema, a revelação do nome "fá-lo-á colocar-se em situação de se ver a braços com a imputação de um crime de difamação".

Também o parecer de Miguel Pedrosa Machado sustenta que, se Rangel de Lima dissesse o nome, "sujeitar-se-ia por essa forma o depoente a ver-se confrontado com a hipótese de uma queixa contra si por 'denúncia caluniosa', nos termos do art. 365º do Código Penal".

Face a estes pareceres, os deputados da comissão estão à espera da decisão de Almeida Santos, que na terça ou na quarta-feira irá receber todo o processo Rangel de Lima - as actas das audiências e os pareceres -, seguindo-se mais tarde o envio para o mesmo Almeida Santos do processo Garcia dos Santos. Este, quando ouvido na terça-feira, negou-se a revelar nomes de empreiteiros eventualmente conhecedores de financiamentos a partidos.

O presidente da AR terá então de estudar a questão e decidir sobre se a tese dos pareceres é válida ou se, pelo contrário, se mantém a acusação de crime de desobediência qualificada que recai sobre quem se recusa a prestar informações a uma comissão de inquérito, de acordo com o número 6 do artigo 13º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares e com o número 2 do artigo 132º do Código de Processo Penal. E, consequentemente, se envia a queixa para a Procuradoria-Geral da República.

Mas antes mesmo de Almeida Santos se pronunciar, o deputado socialista Martinho Gonçalves comentou ao PÚBLICO que a tese defendida nos pareceres "é um disparate", pois "significaria o encerramento desta e de todas as comissões de inquérito, bem como dos tribunais, porque todos os que fossem testemunhas únicas de um crime poderiam recusar-se a prestar declarações sob pena de incorrer em denúncia caluniosa."

O mistério do cheque

Na quinta-feira à noite, depois de Rangel de Lima entregar os pareceres, a comissão ouviu Rocio Mendes, que enquanto quadro da JAE pertenceu ao denominado grupo dos "sete magníficos" e que depois desempenhou as funções de chefe gabinete do ex-secretário de Estado das Obras Públicas, Crisóstomo Teixeira. Ouvido durante mais de três horas, Rocio Mendes começou por estranhar a convocação e acusou Ricon Peres de ter movido uma campanha contra a sua pessoa, ao depor na sindicância.

Ao fim de um depoimento sem grande história, Rocio Mendes acabou por tropeçar e não explicar de forma clara a questão relativa a um cheque de cinco mil contos que foi pago pela empresa Pavitraço em 1993. O problema, levantado pelos jornais, foi colocado em cima da mesa da audiência pelo social-democrata Moreira da Silva e Rocio Mendes foi variando a suas explicações. No final, percebeu-se que o cheque dizia respeito ao pagamento de honorários e despesas de serviço prestadas àquela empresa por Rocio Mendes entre 1989 e 1992. O cheque terá sido passado em nome do depoente e endossado por este a um seu amigo, que referiu por engenheiro Salgueiro, para ser "movimentado" através da Projop, empresa de que Rocio Mendes era proprietário. Este cheque terá servido "para regulamentar contas", tendo Rocio Mendes afirmado: "Não sei se recebi algum dinheiro."

Perante as respostas do depoente, Barradas Leitão do PSD requereu a solicitação à Direcção-Geral de Contribuições e Impostos que envie à comissão a documentação relativa às contas da Projop e da Pavitraço referentes a 1992, bem como as informações do IRS de Rocio Mendes.

Presidente da Assembleia vai analisar escusa de revelação de nomes

Inquérito à JAE na Mão de Almeida Santos

Por SÃO JOSÉ ALMEIDA

Sábado, 27 de Março de 1999

O futuro da comissão de inquérito às denúncias de corrupção na Junta Autónoma de Estradas (JAE) está nas mãos do presidente da Assembleia da República (AR), António de Almeida Santos, e da análise que este fará, na próxima semana, sobre os pareceres jurídicos entregues por Rangel de Lima, ex-presidente da JAE, na quinta-feira, àquela comissão de inquérito como fundamento para se escusar, pela segunda vez, a revelar o nome do dirigente partidário que lhe telefonou a perguntar sobre a situação de uma empresa num concurso.

Se Almeida Santos considerar válida a tese apresentada nos dois pareceres a que o PÚBLICO teve acesso - um elaborado pelo penalista Miguel Pedrosa Machado, da Universidade Católica, e outro da lavra de João Medeiros, advogado no escritório de António Maria Pereira, José Miguel Júdice, Oliveira Martins e Saragga Leal - de que Rangel de Lima não é obrigado a revelar nomes de pessoas sem a sua autorização, para se proteger de vir a ser acusado de um crime de difamação, coloca em causa a viabilidade da comissão, para além de acabar com qualquer hipótese de eficácia dos trabalhos do inquérito. Isto porque, se esta tese vingar, a partir daqui, qualquer depoente convocado à comissão pode alegar os mesmos motivos para se escusar a responder.

Segundo o parecer de José Medeiros, "a revelação do nome do autor do telefonema, feita no âmbito de um inquérito parlamentar em que se buscam indícios de corrupção na JAE, é susceptível de, em tese geral, ser um facto ofensivo da honra ou consideração do visado". Isto porque, prossegue o texto, cabe ao visado "o juízo acerca da lesão à sua honra e consideração" e "o nome dessa pessoa, por mais esclarecimentos que fossem prestados, ficaria de forma irremediável ligado a uma comissão que tem por objecto a procura de indícios de corrupção". Mais: como se trata de um caso de palavra contra palavra e o depoente não tem forma de apresentar provas ou testemunhas da existência do dito telefonema, a revelação do nome "fá-lo-á colocar-se em situação de se ver a braços com a imputação de um crime de difamação".

Também o parecer de Miguel Pedrosa Machado sustenta que, se Rangel de Lima dissesse o nome, "sujeitar-se-ia por essa forma o depoente a ver-se confrontado com a hipótese de uma queixa contra si por 'denúncia caluniosa', nos termos do art. 365º do Código Penal".

Face a estes pareceres, os deputados da comissão estão à espera da decisão de Almeida Santos, que na terça ou na quarta-feira irá receber todo o processo Rangel de Lima - as actas das audiências e os pareceres -, seguindo-se mais tarde o envio para o mesmo Almeida Santos do processo Garcia dos Santos. Este, quando ouvido na terça-feira, negou-se a revelar nomes de empreiteiros eventualmente conhecedores de financiamentos a partidos.

O presidente da AR terá então de estudar a questão e decidir sobre se a tese dos pareceres é válida ou se, pelo contrário, se mantém a acusação de crime de desobediência qualificada que recai sobre quem se recusa a prestar informações a uma comissão de inquérito, de acordo com o número 6 do artigo 13º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares e com o número 2 do artigo 132º do Código de Processo Penal. E, consequentemente, se envia a queixa para a Procuradoria-Geral da República.

Mas antes mesmo de Almeida Santos se pronunciar, o deputado socialista Martinho Gonçalves comentou ao PÚBLICO que a tese defendida nos pareceres "é um disparate", pois "significaria o encerramento desta e de todas as comissões de inquérito, bem como dos tribunais, porque todos os que fossem testemunhas únicas de um crime poderiam recusar-se a prestar declarações sob pena de incorrer em denúncia caluniosa."

O mistério do cheque

Na quinta-feira à noite, depois de Rangel de Lima entregar os pareceres, a comissão ouviu Rocio Mendes, que enquanto quadro da JAE pertenceu ao denominado grupo dos "sete magníficos" e que depois desempenhou as funções de chefe gabinete do ex-secretário de Estado das Obras Públicas, Crisóstomo Teixeira. Ouvido durante mais de três horas, Rocio Mendes começou por estranhar a convocação e acusou Ricon Peres de ter movido uma campanha contra a sua pessoa, ao depor na sindicância.

Ao fim de um depoimento sem grande história, Rocio Mendes acabou por tropeçar e não explicar de forma clara a questão relativa a um cheque de cinco mil contos que foi pago pela empresa Pavitraço em 1993. O problema, levantado pelos jornais, foi colocado em cima da mesa da audiência pelo social-democrata Moreira da Silva e Rocio Mendes foi variando a suas explicações. No final, percebeu-se que o cheque dizia respeito ao pagamento de honorários e despesas de serviço prestadas àquela empresa por Rocio Mendes entre 1989 e 1992. O cheque terá sido passado em nome do depoente e endossado por este a um seu amigo, que referiu por engenheiro Salgueiro, para ser "movimentado" através da Projop, empresa de que Rocio Mendes era proprietário. Este cheque terá servido "para regulamentar contas", tendo Rocio Mendes afirmado: "Não sei se recebi algum dinheiro."

Perante as respostas do depoente, Barradas Leitão do PSD requereu a solicitação à Direcção-Geral de Contribuições e Impostos que envie à comissão a documentação relativa às contas da Projop e da Pavitraço referentes a 1992, bem como as informações do IRS de Rocio Mendes.

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