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05-09-2001
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Caso Moderna

Peças processuais relativas à prisão preventiva dos arguidos

I - DESPACHO DA JUÍZA DE DIREITO MARIA EMÍLIA COSTA, DE 14 DE ABRIL DE 2000, QUE FIXA AS MEDIDAS DE COACÇÃO AOS ARGUIDOS

Indiciam fortemente os autos a prática pelo arguidos Júlio Gonçalves, José Braga Gonçalves, João Braga Gonçalves e José Vitoriano de um crime de administração danosa, p.p. pelo artº 235ø do CP, de vários crimes de apropriação, pp pelo artº 234ø do CP, vários crimes de abuso de confiança, p.p. pelo artº 205 nº 1 e 4º alínea b) do CP e ainda, menos fortemente, pelos arguidos Júlio Gonçalves e José Braga Gonçalves de um crime de corrupção activa p.p. pelo artº 374 do CP., e também menos fortemente, pelo arguido José Vitoriano e José Braga Gonçalves de um crime de branqueamento de capitais p.p. pelo artº 2º nº 1 al. a) do Decreto Lei nø 325/95 de 2 de Dezembro com referência ao artº 1º nø 1 da Lei 36/94, de 29.09.

Através da prova carreada para os autos até momento resulta fortemente indicada a utilização de dinheiro desviado da Dinensino/UM em gastos pessoais dos arguidos ou, designadamente no caso do arguido Júlio Gonçalves, na permissão que os demais arguidos se apropriassem dessas verbas. Tais factos resultam designadamente na investigação apurada em contas bancárias e movimentos bancários dos ora interrogados, quer dos demais arguidos já constituídos nestes autos, quer ainda das contas da Dinensino/UM e outras empresas. Apurou-se esse desvio de verbas quer relativamente à facturação, manifestamente exagerada na realização de obras na UM, quer relativamente à facturação exagerada em gastos publicitários, quer na aquisição de um Ferrari ao arguido José Braga Gonçalves, quer na história mal explicada de um empréstimo que a Dinensino concedeu ao arguido Vitoriano para pagamento de um sinal de contrato promessa para compra de um imóvel, compra essa que nunca se veio a realizar, tendo o referido arguido Vitoriano sido reembolsado dos montantes entregues à promitente compradora sem que apesar disso devolvesse tais montantes à Dinensino.

Existem ainda a situação da compra do apartamento nas Amoreiras, onde o arguido José Braga Gonçalves actualmente reside, e a utilização de cerca de 40 milhões de escudos da Dinensino para utilização pessoal dos arguidos José e João Braga Gonçalves de acções da Condessa e Ferreira.

Afigura-se-nos existir em concreto, perigo de continuação da actividade criminosa relativamente ao arguido Júlio Gonçalves, em virtude de o mesmo continuar a exercer funções na Direcção da Dinensino, mantendo situações de privilégio relativamente aos arguidos José Braga Gonçalves e João Braga Gonçalves, apesar dos mesmos já não exercerem qualquer cargo quer na Dinensino quer na UM; relativamente ao arguido José Vitoriano, em virtude do mesmo exercer funções na UM e continuar a não lhe ser cobradas as verbas que inexplicavelmente recebeu e se apropriou e relativamente aos arguidos José Braga Gonçalves e João Braga Gonçalves em virtude dos mesmos continuarem a assistir a gastos pessoais serem pagos pela Dinensino, apesar de formalmente se encontrem afastados desta.

Afigura-se-nos também ainda que de uma forma mais ténue a existência de algum perigo de fuga relativamente ao arguido JBG em virtude do mesmo cada vez mais se encontrar numa situação de quebra dos laços com Portugal, designadamente pelo divórcio que se encontra a correr quer pela situação de desemprego que se vem prolongando.

Quanto aos demais arguidos não se nos afigura a existência deste perigo tanto mais que é preciso ter em atenção que a presente investigação em 5/02/99 e que mais de um ano decorrido, nada fez, prevê ou supôs, a fuga de tais arguidos.

Também relativamente ao perigo de perturbação do decurso do inquérito designadamente para aquisição ou conservação da prova se nos afigura que o mesmo em concreto não existe, tanto mais que com o decurso de presente investigação inúmera diligência foram feitas que permitiram a apreensão de diversos documentos, sendo aliás de prever que decorridos tanto tempo, toda a documentação que ainda não foi apreendida provavelmente já não existirá.

Em face do exposto afigura-se-nos que relativamente a todos os arguidos os perigos que se verificam poderão ser acautelados sem o recurso à medida mais gravosa ou seja de prisão preventiva.

Nesta conformidade e por se entender como adequada e proporcional determina-se:

a) Que os arguidos João Braga G. e José Vitoriano aguardará os ulteriores termos do processo na prestação de caução no montante de 1.000 contos nos termos dos artº 191º a 193ø, 197º e 204º do CPP

b) Que o arguido José Braga Gonçalves aguarde os ulteriores termos do processo sujeito à medida de proibição de se ausentar para o estrangeiro sem autorização prévia do tribunal e da proibição de frequentar o espaço referente à Dinensino/UM (artº 191º a 193ø, 200 nº 1 a) e d) e 204ø a) e c) do CPP) e

c) Que o arguido Júlio Gonçalves aguarde os ulteriores termos do processo sujeito à medida de prestação de caução a prestar no prazo de 5 dias no montante de mil contos e à medida de suspensão do exercício de qualquer cargo de Direcção na Dinensino (artº 191º a 193ø 197, 199 nº 1 e 204 c) do CPP)

d) O arguido José BG deverá proceder à entrega do seu passaporte no prazo de 5 dias, devendo os Serviços de Estrangeiros ser informados do presente despacho.

e) À Direcção da Dinensino deve ser comunicada a suspensão de funções de Júlio Gonçalves.

II - DESPACHO DA JUÍZA DE DIREITO CONCEIÇÃO OLIVEIRA, DE 12 DE JUNHO DE 2001, QUE ORDENA A PRISÃO PREVENTIVA

Os arguidos José António Braga dos Reis Gonçalves, João Manuel Braga dos Reis Gonçalves, José Manuel e Mafra de Sousa Vitoriano e Esmeraldo Rosa Monteiro de Azevedo estão acusados da prática de crimes de associação criminosa, administração danosa e apropriação ilícita p. e p. pelos arts. 299º nº 1 e 3 do C. Penal; 234º e 205º nº 1 al. b; 374º e 235º do referido diploma (este último por referência ao Código Cooperativo).

O despacho judicial de fls. 7166 e 7167 considerou adequadas medidas de coacção não privativas da liberdade, após a realização de interrogatórios judiciais.

No decurso do Inquérito, os indícios dos factos constantes do aludido despacho consolidaram-se e reforçaram-se na acusação deduzida, considerando-se, após a abertura da Instrução, nos termos dos arts. 286º e seguintes do C.P.P., que as medidas impostas são manifestamente insuficientes para acautelar os perigos, a que aludem as alíneas b) e c) do art. 204º do C.P.P.

Com efeito existe perigo para a aquisição, conservação, ou veracidade da prova. Mais existe perigo de continuidade de idêntica actividade criminosa, o que resultou evidenciado nos interrogatórios dos arguidos que prestaram declarações neste tribunal.

Assim, ao abrigo do disposto nos arts. 191º nº 1, 192º, 193º, 202º nº 1 al. a) e referido 204º al. b) e c) todos do C.P.P. determino a prisão preventiva de:

- José António Braga dos Reis Gonçalves

- João Manuel Braga dos Reis Gonçalves

- José Manuel de Sousa Vitoriano

- Esmeraldo Rosa Monteiro de Azevedo

Passe mandados de captura e entregue ao MPº, para cumprimento

III - AUTOS DE INTERROGATÓRIO PARA ONDE REMETE O DESPACHO DE 12 DE JUNHO DE 2001

DE ESMERALDO ROSA MONTEIRO DE AZEVEDO, devidamente identificado a fls. 8929 dos autos.

Quanto aos seus antecedentes criminais disse: que nunca respondeu nem esteve preso.

Perguntado se queria responder sobre os factos que lhe são imputados respondeu que sim, o que passou a fazê-lo da seguinte forma:

À matéria dos autos disse:

Confrontado com os factos articulados no requerimento de instrução sobre os nºs 335, confirmou os mesmos, nomeadamente, que nunca teve conhecimento que os cheques que assinava viessem a ser utilizados para fins estranhos à Cooperativa, em benefício de José Braga Gonçalves ou de qualquer outra pessoa.

Confrontado com os factos articulados sob os nºs 342 a 345, 346 e 347, 360 a 365, 418 a 427, 430 e 431, 435 a 437, 439 e 440, 473 a 476, 477 a 483, confirmou os mesmos, acrescentando que os documentos a que se refere foram juntos aos autos após ter prestado declarações a primeira vez neste processo.

Confrontado com os artigos nºs 484 a 488, 489, 490, 491, 493, 494, 495, 496, 497, 498, 500, 501, 502, 503, 504, 505, 27 a 32, 33 a 36, confirmou os mesmos.

E mais não disse nem lhe foi perguntado.

DE MANUEL JOAQUIM SANTOS RAMOS VAZ, devidamente identificado a fls. 8929 dos autos.

Quanto aos seus antecedentes criminais disse: que nunca foi julgado nem esteve preso.

Perguntado se queria responder sobre os factos que lhe são imputados respondeu que sim, o que passou a fazê-lo da seguinte forma:

À matéria dos autos disse: Confrontado com os factos articulados nos artigos 10º a 12º disse confirmar os mesmos. Confrontado com os factos articulados nos arts. 14º, 17º, 18º, 23º, 24º, 25º, confirma os mesmos, acrescentando que o atraso referido se deveu à reformulação da Direcção Administrativa e Financeira e ainda disse que o facto de terem sido elaboradas nessa data se deveu a uma forte pressão que exerceu, de acordo com as funções que lhe estavam cometidas para que os prazos fossem cumpridos, acrescentado ainda que, ao que sabe, as contas de 1998 ainda não foram encerradas.

Confrontado relativamente aos arts. 55º e 56º e 59º, disse confirmar os mesmos, acrescentando que segundo o que lhe teria sido dado saber a avença auferida anteriormente seria na ordem dos quatrocentos e cinquenta mil escudos.

Questionado sobre a razão pela qual aceitou receber uma avença substancialmente inferior disse que o fez, por tal resultar do seu estatuto.

Confrontados com os arts. 66º, 77º, 78º, 79º, 89º, 90º, 91º, confirmou os mesmos.

Confrontado com o teor do art. 107º, nº 3, 8, 12, 13 e 14, confirmou os factos.

Trabalhou também como professor para a Dinensino desde o ano 1992 até 1999, dando aulas de Contabilidade analítica e de contabilidade geral nos anos de 92, 93 e só de C.G. depois desta data.

Dava aulas em diferentes horários e ao que consegue precisar neste momento auferia Esc. 6.200$00 por hora.

E mais não disse nem lhe foi perguntado.

DE ANTÓNIO COSTA DE ALBUQUERQUE DE SOUSA LARA, identificado a fls. 8929 dos autos.

Quanto aos seus antecedentes criminais disse: que nunca foi julgado nem esteve preso.

Perguntado se queria responder sobre os factos que lhe são imputados respondeu que sim, o que passou a fazê-lo da seguinte forma:

À matéria dos autos disse: Confrontado com os factos articulados nos artigos 27º a 30º, 33º a 36º, 167º a 170º, 172º a 174º, 218º e 219º, 222º a 225º, 226º e 227º, 237º, 238º e 239º, conforma os mesmos.

Confirma os factos articulados nos arts. 244º, acrescentando que tais acções foram adquiridas à posteriori por Meneses Morais, segundo foi informado pelo banco. Confirma os factos articulados nos arts. 245º, 247º, 248º, 252º, 253º, 254º, 255º, 262º, 263º, 264º.

E mais não disse nem lhe foi perguntado.

IV - DESPACHO DA JUÍZA DE DIREITO CONCEIÇÃO OLIVEIRA, DE 14 DE JUNHO DE 2001, QUE MANTÉM A PRISÃO PREVENTIVA

De acordo com o disposto no art. 286º do CPPenal conjugado com o disposto no art. 194º nº 1, entende-se que para aplicação de medidas de coacção na fase instrutória não há necessidade de se verificarem novos factos, mas que seja evidenciado após o 1º despacho judicial que fixou medidas de coacção que as condutas, que já se indiciavam e que vieram a ser investigadas no decurso do inquérito e que mais se evidenciaram no decurso da instrução, com todos os documentos posteriores juntos aos autos, que as condutas de cada um dos arguidos, são de tal modo graves que fazem mais do que, no início do inquérito, recear pela verificação dos perigos a que alude o disposto no art. 204º do CPPenal.

Essa constatação resultou tanto mais evidente, após o disparo mediático que ocorreu a partir de 12.06.01, considera-se que a partir daí começaram a ser usados os meios de informação, em manifesta pressão sobre decisões judiciais.

Concretamente relativamente a João Braga Gonçalves, o seu interrogatório de hoje mais foi esclarecedor quando questionado sobre alguma matéria declarado no seu 1º interrogatório judicial não apresentou explicações plausíveis para aquisição de bens relativamente a dinheiros e a contractos de empréstimo que decorreram nas próprias instalações da Assistente.

Concretamente quanto ao arguido José Vitoriano os seus factos pessoais de que abandonou as suas funções como secretário geral e como docente é de salientar que tal ocorreu após a sua detenção e libertação em 13.04.00 a ordem destes autos. Ainda que as transacções posteriormente efectuadas com a Dinensino se afiguram irrelevantes para os factos que já tinham ocorrido e que estão descritos na acusação pública, alguns anos antes.

Quanto ao arguido José Braga Gonçalves as suas condições psicológicas que o Tribunal desconhece, não lhe permitiram qualquer elucidação, que neste acto se poderia ter ocorrido.

No que diz respeito ao arguido Esmeraldo de Azevedo as suas declarações prestadas no decurso do interrogatório de 12.06.01, são no entender do Tribunal elucidativas de que sabia e conhecia bem os factos que a acusação pública descreve.

Termos em que ao abrigo das disposições legais citadas no despacho judicial de 10748 e 10749, mantenho a prisão preventiva de José Braga Gonçalves, João Braga Gonçalves, José Vitoriano e Esmeraldo de Azevedo.

V - PRIMEIRO PEDIDO DE HABEAS CORPUS

Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa

1º Juízo - A

Proc. nº 2971/99.9TDLSB

Exmo. Senhor Presidente

do Supremo Tribunal de Justiça

JOSÉ ANTÓNIO BRAGA DOS REIS GONÇALVES, JOÃO MANUEL BRAGA DOS REIS GONÇALVES, JOSÉ MANUEL E MAFRA DE SOUSA VITORIANO e ESMERALDO ROSA MONTEIRO DE AZEVEDO, arguidos nos autos à margem indicados, vêm, ao abrigo do art. 31º da Constituição e do art. 222º do C.P.P., requerer que lhes seja concedida a providência de habeas corpus, nos termos e com os fundamentos seguintes:

SUMÁRIO

I - PRESSUPOSTO DE FACTO E FUNDAMENTO JURÍDICO

II - OS FACTOS

III - ADMISSIBILIDADE DA PROVIDÊNCIA

IV - O ABUSO DE PODER

I - PRESSUPOSTO DE FACTO E FUNDAMENTO JURÍDICO

1- O pressuposto de facto deste habeas corpus é a prisão efectiva e actual dos 4 arguidos, como deve ser atestado pelo Tribunal de Instrução Criminal, nos termos do art. 223º nº 1 do C.P.P..

2- O seu fundamento jurídico é o abuso de poder em que se traduz a ordem de prisão dada a 12 de Junho e mantida a 14 de Junho, o que se inscreve no âmbito do art. 31º nº 1 da Constituição e do art. 222º nº 1 e nº 2 al. b) do C.P.P.

II - OS FACTOS

3- Os Requerentes foram constituídos arguidos na fase do inquérito destes autos, tendo sido submetidos às seguintes medidas de coacção:

a) O 1º Requerente à proibição de se ausentar para o estrangeiro sem autorização prévia do tribunal e à proibição de frequentar o espaço referente à Dinensino/UM;

b) O 2º Requerente a caução no montante de 1.000.000$00;

c) O 3º Requerente a caução no montante de 1.000.000$00;

d) O 4º Requerente a termo de identidade e residência.

Os Requerentes têm cumprido escrupulosamente as medidas a que foram sujeitos, não lhes tendo sido imputado pelo tribunal qualquer incumprimento das mesmas.

4- O processo encontra-se na fase de instrução.

No passado dia 12 de Junho de 2001, o Tribunal de Instrução Criminal ouviu Esmeraldo Azevedo, ora 4º Requerente, Manuel Ramos Vaz e António Sousa Lara, todos arguidos.

Tanto quanto os Requerentes julgam saber, trata-se da única diligência instrutória até ao momento realizada nesta fase processual.

Essa inquirição decorreu da parte da tarde do dia 12 de Junho, tendo terminado cerca das 19h.

Apesar de não terem sido notificados para a diligência, alguns dos mandatários ora signatários estiveram presentes e ouviram os interrogatórios, durante os quais tais arguidos se limitaram a confirmar o já anteriormente declarado, acrescido de alguns esclarecimentos, não referindo nenhum facto que tenha qualquer relação com os requisitos gerais da prisão preventiva referidos no art. 204º do C.P.P.

5- Encerrada essa diligência, a Senhora Juíza lavrou o seguinte despacho:

Os arguidos José António Braga dos Reis Gonçalves, João Manuel Braga dos Reis Gonçalves, José Manuel e Mafra de Sousa Vitoriano e Esmeraldo Rosa Monteiro de Azevedo estão acusados da prática de crimes de associação criminosa, administração danosa e apropriação ilícita p. e p. pelos arts. 299º nº 1 e 3 do C. Penal; 234º e 205º nº 1 al. b; 374º e 235º do referido diploma (este último por referência ao Código Cooperativo).

O despacho judicial de fls. 7166 e 7167 considerou adequadas medidas de coacção não privativas da liberdade, após a realização de interrogatórios judiciais.

No decurso do Inquérito, os indícios dos factos constantes do aludido despacho consolidaram-se e reforçaram-se na acusação deduzida, considerando-se, após a abertura da Instrução, nos termos dos arts. 286º e seguintes do C.P.P., que as medidas impostas são manifestamente insuficientes para acautelar os perigos, a que aludem as alíneas b) e c) do art. 204º do C.P.P.

Com efeito existe perigo para a aquisição, conservação, ou veracidade da prova. Mais existe perigo de continuidade de idêntica actividade criminosa, o que resultou evidenciado nos interrogatórios dos arguidos que prestaram declarações neste tribunal.

Assim, ao abrigo do disposto nos arts. 191º nº 1, 192º, 193º, 202º nº 1 al. a) e referido 204º al. b) e c) todos do C.P.P. determino a prisão preventiva de:

a) José António Braga dos Reis Gonçalves

b) João Manuel Braga dos Reis Gonçalves

c) José Manuel de Sousa Vitoriano

d) Esmeraldo Rosa Monteiro de Azevedo

Passe mandados de captura e entregue ao MPº, para cumprimento

6- A partir das 20h desse dia, os Requerentes foram contactados e presos por agentes da Polícia Judiciária devidamente munidos dos respectivos mandados de captura.

Tratando-se de véspera de um ciclo de feriados e considerando a hora - já depois das 19h - a que terá sido lavrado o despacho que ordenou a prisão, seguido do expediente da emissão de mandados de captura, respectiva assinatura e notificação ao Ministério Público para cumprimento, é de presumir que os agentes da Polícia Judiciária que, poucos minutos depois de lavrado tal despacho, desencadearam uma operação concertada, em vários pontos da cidade, estavam prevenidos e avisados para a necessidade de ter de promover tal acção.

É o que decorre das regras da experiência comum.

De resto, o Expresso, citando "fontes da PJ", refere que "os mandados de captura estariam assinados pela juíza desde as três da tarde, apesar de só terem sido accionados depois das audições de Esmeraldo, Sousa Lara e Manuel Vaz" (cf. Doc. 1).

O Supremo Tribunal de Justiça pode, se julgar necessário, ao abrigo dos poderes previstos no art. 223º nº 4 al. b) do C.P.P., proceder a averiguações destinadas a apurar se, ainda antes do interrogatório dos arguidos, se esperava a prisão dos arguidos, o que tudo indica que aconteceu. E, a confirmar-se, reforça o pedido formulado.

De qualquer forma, esta "factualidade horária" nem é decisiva para o decretamento da providência requerida, já que o abuso de poder invocado decorre, de forma manifesta, dos demais elementos existentes no processo.

7- A notícia da prisão dos arguidos foi amplamente difundida pela comunicação social, tendo alguns dos seus mandatários informado da intenção de recorrer e, eventualmente, de desencadear uma providência de habeas corpus, por se considerar ilegal a ordem de prisão, já que destituída, de forma manifesta, de qualquer suporte factual que a justificasse.

A partir do final da manhã de 14 de Junho, dia feriado, os mandatários dos arguidos começaram a ser contactados por telefone e telemóvel a fim de estarem presentes numa diligência de inquirição dos arguidos presos, a realizar às 15,30h desse dia, que se efectuou.

Os arguidos prestaram as seguintes declarações, nada mais lhes tendo sido perguntado:

a) O arguido João Manuel Braga dos Reis Gonçalves:

Que confirma as suas declarações prestadas a fls. 7124, 7125, que neste momento lhe foram integralmente lidas, excepto no que diz respeito ao seu vencimento, pois houve uma alteração, auferindo agora 340 mil escudos mensais, uma vez que é empregado do restaurante e na altura foi admitido como relações públicas.

Não se dedica a qualquer outra actividade. Os seus referidos dois filhos tem quatro e cinco anos. O filho da sua esposa tem dezoito anos e vivem todos em economia comum.

Mais esclarece que os seus dois filhos frequentem um colégio perto de casa. O filho da sua esposa estuda direito na Universidade Moderna.

Questionado sobre a aquisição da casa na Quinta da Marinha, disse que tal ocorreu a insistências do seu irmão, que entendia que o declarante devia deixar de viver na casa onde vivia e que a realização do contracto relativo ao empréstimo, decorreu nas instalações da Dinensino.

Deixou de trabalhar para a Dinensino em Janeiro de 99, quando começaram a sair as primeiras notícias nos jornais. Durante o tempo que trabalhou para a Dinensino tinha um vencimento mensal de cerca de 600 mil escudos, estando-lhe também atribuídos os dois referidos cartões de crédito, para despesas correntes e de representação.

b) O arguido José Manuel e Mafra de Sousa Vitoriano:

Que confirma as declarações prestadas em 13.04.2000 que neste momento lhe foram integralmente lidas, esclarecendo que leccionava também na Universidade, nas disciplinas de História Económica e Social e Economia Política, dando aulas em Setúbal num turno à noite e também em Lisboa.

A atribuição de remuneração pelas aulas era de 6.740$00 por hora, do qual resultava uma média mensal de cerca de 170 contos, estando-lhe também atribuído um veículo automóvel da marca Mercedes e um telemóvel, devido às suas funções de Secretário Geral da Universidade.

Em Outubro de 2000 deixou de ser Secretário Geral da Universidade bem como ali deixou de exercer a docência estando presentemente, como aliás já tinha iniciado em 1999 um doutoramento em Espanha na Universidade da Estremadura, bem como estando na fase de finalização de uma tese de mestrado, no ISCSP, sito na Junqueira.

Vive com ajuda de familiares, nomeadamente as suas duas irmãs e seus pais, e a casa onde actualmente reside e que indicou é de uma das suas irmãs.

Na sequência da cessação do vínculo laboral com a Dinensino, em acção judicial ocorreu uma transacção pela qual lhe seria atribuída a verba de 12 mil contos, dos quais oito mil foram imediatamente retidos pela Dinensino, recebendo na altura cerca de 4 mil e estando em dívida com a mesma entidade na ordem dos sete mil contos.

c) O arguido José António Braga dos Reis Gonçalves:

Que não se encontrava em condições psicológicas para prestar declarações, porque tal como já tinha afirmado em 13.04.2000, e menos neste momento dado a situação em que se encontra de prisão.

d) O arguido Esmeraldo Rosa Monteiro de Azevedo:

Que nada mais tem a acrescentar ao que já declarou a fls. 10740 e 10741, acrescentando que não tem nada a haver com a Dinensino, ou com a Universidade Moderna.

8- Terminados tais interrogatórios, a Senhora Juíza deu a palavra ao Ministério Público e aos mandatários dos arguidos, tendo aquele - sem referir qualquer facto concreto em que fundasse o seu pedido - requerido que os arguidos ficassem sujeitos a prisão preventiva e tendo os advogados, entre outras considerações, sustentado a ilegalidade da prisão já decretada.

Foi vedada aos advogados presentes a possibilidade de consultar as declarações dos arguidos prestadas durante a instrução, para as quais remetia quer o despacho que ordenara a prisão, quer a promoção do Ministério Público acabada de proferir, tendo sido invocado que o processo estava em segredo de justiça.

O mandatário do primeiro Requerente formalizou esse pedido na acta, o qual foi indeferido:

Requerimento - "que pretendia ter acesso aos interrogatórios a que se refere o despacho que determinou a prisão preventiva do arguido, e a promoção do Ministério Público, uma vez que carece de ter acesso a esses documentos para se poder pronunciar sobre os mesmos e sobre a promoção no Ministério Público, o que requer que V. Exa lhe autorize".

Despacho - "ao abrigo do disposto no art. 86º nº 1 conjugado com o disposto no art. 287º nº 1 al. b) do C.P.Penal, indefiro o requerido".

9- Em seguida, a Senhora Juíza, após fazer uma rápida súmula da tramitação processual ocorrida após 12/06/01, manteve a prisão preventiva dos arguidos, nos seguintes termos e fundamentos:

De acordo com o disposto no art. 286º do CPPenal conjugado com o disposto no art. 194º nº 1, entende-se que para aplicação de medidas de coacção na fase instrutória não há necessidade de se verificarem novos factos, mas que seja evidenciado após o 1º despacho judicial que fixou medidas de coacção que as condutas, que já se indiciavam e que vieram a ser investigadas no decurso do inquérito e que mais se evidenciaram no decurso da instrução, com todos os documentos posteriores juntos aos autos, que as condutas de cada um dos arguidos, são de tal modo graves que fazem mais do que, no início do inquérito, recear pela verificação dos perigos a que alude o disposto no art. 204º do CPPenal.

Essa constatação resultou tanto mais evidente, após o disparo mediático que ocorreu a partir de 12.06.01, considera-se que a partir daí começaram a ser usados os meios de informação, em manifesta pressão sobre decisões judiciais.

Concretamente relativamente a João Braga Gonçalves, o seu interrogatório de hoje mais foi esclarecedor quando questionado sobre alguma matéria declarado no seu 1º interrogatório judicial não apresentou explicações plausíveis para aquisição de bens relativamente a dinheiros e a contractos de empréstimo que decorreram nas próprias instalações da Assistente.

Concretamente quanto ao arguido José Vitoriano os seus factos pessoais de que abandonou as suas funções como secretário geral e como docente é de salientar que tal ocorreu após a sua detenção e libertação em 13.04.00 a ordem destes autos. Ainda que as transacções posteriormente efectuadas com a Dinensino se afiguram irrelevantes para os factos que já tinham ocorrido e que estão descritos na acusação pública, alguns anos antes.

Quanto ao arguido José Braga Gonçalves as suas condições psicológicas que o Tribunal desconhece, não lhe permitiram qualquer elucidação, que neste acto se poderia ter ocorrido.

No que diz respeito ao arguido Esmeraldo de Azevedo as suas declarações prestadas no decurso do interrogatório de 12.06.01, são no entender do Tribunal elucidativas de que sabia e conhecia bem os factos que a acusação pública descreve.

Termos em que ao abrigo das disposições legais citadas no despacho judicial de 10748 e 10749, mantenho a prisão preventiva de José Braga Gonçalves, João Braga Gonçalves, José Vitoriano e Esmeraldo de Azevedo.

10- Os arguidos já interpuseram recurso para o Tribunal da Relação dos supra mencionados despachos de 12 de Junho e 14 de Junho, que determinaram e mantiveram as prisões preventivas, nos termos constantes da certidão requerida a final para instruir a presente providência.

Entretanto, foi-lhes vedada a possibilidade - a fim de preparem os seus recursos - de obter cópia das declarações dos arguidos para que remete o despacho de 12/06/01, como expressamente, a 15/06/01, foi pedido pelo 1º Requerente e, a 18/06/01, foi indeferido pelo tribunal, com fundamento no segredo de justiça.

III - ADMISSIBILIDADE DA PROVIDÊNCIA

11- Tem sido discutido se é admissível a providência da habeas corpus quando a ordem de prisão tem origem em decisão judicial recorrível.

E é sabido que a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem adoptado um critério restritivo de acesso ao instituto do habeas corpus, quando a decisão judicial que determinou a prisão é susceptível de recurso.

Contudo, no caso dos autos, não tem lugar a aplicação dessa jurisprudência que surgiu a propósito de situações que não são as de abuso de poder, como ora é invocado.

12- A Constituição consagra que "haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal" (art. 31º nº 1).

O C.P.P., nos seus arts. 220º e 222º, tipifica as situações que podem determinar o recurso ao habeas corpus.

Entre estas, encontra-se a circunstância de a prisão "ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite" (art. 222º nº 2 al-b)).

13- Do art. 219º do C.P.P. resulta que o recurso ordinário não impede que se lance mão da providência de habeas corpus, desde que preenchidos os requisitos específicos desta.

Nem outra interpretação seria admissível - pelo menos, para as situações de abuso de poder - em face do disposto no art. 31º nº 1 da Constituição.

Seria inconstitucional, o que se deve considerar arguido, o entendimento de que, em caso de abuso de poder por virtude de prisão ilegal, não há lugar a habeas corpus, se a decisão judicial que a determinou é recorrível e/ou se dela está pendente recurso ordinário.

14- Como é que então se deve compatibilizar a possibilidade de um recurso ordinário ser cumulável com o habeas corpus?

Segundo o entendimento dos recorrentes, nem todas as situações de prisão ilegal são susceptíveis de habeas corpus.

E sustentam que a mera ilegalidade do decretamento de uma prisão preventiva, se recorrível, não é fundamento da habeas corpus, porque não se inscreve no âmbito do art. 32º nº 1 da C.R.P. e no art. 222º nº 2 do C.P.P.

Porém, em situações de manifesto abuso de poder, seria intolerável não admitir - sempre e em qualquer caso - o recurso ao habeas corpus, porque essa posição corresponderia a liquidar a história e a natureza do instituto.

Vale a pena citar as palavras de Rodrigues Maximiniano:

A temática do habeas corpus sempre me apaixonou. Trata-se de um instituto pertinente ao homem concreto, não de um exercício de estilo. Atende ao homem, ainda que desprotegido, visando a defesa da sua essência de humano: a sua dignidade (in Direito e Justiça, Vol. XI, 1997, p. 197).

O habeas corpus nasceu - há muitos séculos e por imperativo ético da dignidade humana - para não permitir que o arbítrio do poder - de qualquer poder - possa privar os homens da liberdade.

Assim sendo, havendo abuso de poder, há sempre lugar a habeas corpus.

15- É este o parecer da doutrina.

Germano Marques da Silva escreve:

Basta atentar no carácter extraordinário e urgente da providência relativamente aos prazos estabelecidos por lei para a decisão dos recursos para se ter de considerar que o habeas corpus é uma medida extraordinária e urgente que não pode estar condicionada pela possibilidade de interposição do recurso. (in Curso de Processo Penal II, 1993, pág. 264).

No mesmo sentido, Rodrigues Maximiniano:

É concebível o abuso do poder do próprio juiz, atacado hoje pela providência do habeas corpus e não, como no Código de 1929, apenas pela via do recurso. A decisão judicial de prisão é recorrível e impõe decisão célere, mas, se consubstanciar uma situação de prisão ilegal, de abuso de poder, é impugnável pela providência de habeas corpus. (op. cit. Direito e Justiça, Vol. XI, 1997, pág. 188).

16 - Mas, afinal, é também esta a tese do Supremo Tribunal de Justiça.

Foi assim que os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Fevereiro e 20 de Fevereiro de 1997 expressamente consagraram o seguinte:

Um pedido de habeas corpus respeitante a uma decisão determinada por decisão judicial só poderá ter provimento em casos extremos de abuso de poder ou erro grosseiro de aplicação do direito (BMJ 464,338 e BMJ 464,420).

É, por isso, que os Requerentes entendem que a jurisprudência do S.T.J. - alegadamente restritiva - não tem admitido a cumulação do habeas corpus com o recurso ordinário porque, no geral, não tem sido confrontada com situações de abuso de poder.

Porém, o sentido útil dos arestos acima referidos só pode ser o de que o Supremo Tribunal de Justiça - perante um caso de abuso de poder ou erro grosseiro da aplicação do direito - aceita que, nessa situação-limite, a providência de habeas corpus é sempre admissível.

Isso é mesmo um imperativo do instituto do habeas corpus e do próprio Estado de Direito, que tem de consagrar uma válvula de escape para os casos extremos em que o arbítrio atropela o direito.

17- Quando é que se verifica o abuso de poder que justifica o recurso ao habeas corpus?

Nalguns casos, o fundamento é - por assim dizer - formal. Tem a ver com as situações de prisão ordenada por entidade incompetente ou por estarem ultrapassados prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.

Noutros - mais difíceis de comprovar - quando - de forma manifesta, isto é, que uma apreciação mesmo superficial, por um observador comum, pode verificar - a prisão é decretada com desvio do fim para que está prevista ou, em geral, se existe erro grosseiro na aplicação do direito.

Estas situações - de natureza substancial ou material - são as que se inscrevem no âmbito da al. b) do nº 2 do art. 222º do C.P.P.: "ser motivada por facto pelo qual a lei o não permite". Como acontece com a prisão dos ora Requerentes.

IV - O ABUSO DE PODER

18- A prisão preventiva não decorre de um acto discricionário de um juiz.

A prisão preventiva não é um castigo.

A prisão preventiva não é uma antecipação da pena.

19 - A prisão preventiva depende da existência de indícios da prática de crimes graves, mas só pode ser aplicada nas situações em que haja perigo de fuga, de perturbação do inquérito, da instrução ou da ordem e tranquilidades públicas ou de continuação da actividade criminosa, como resulta do art. 204º do C.P.P..

E tal artigo da lei ordinária não faz mais que responder pela natureza excepcional da prisão preventiva, como o art. 28º nº 2 da Constituição impõe, e decorre da exigência de um processo equitativo, tal como o art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem consagra.

20- Ora, no caso dos autos, de forma manifesta - que qualquer observador comum pode, mesmo numa apreciação superficial, verificar - a Senhora Juíza decretou a prisão preventiva não para assegurar qualquer dos perigos a que alude o art. 204º do C.P.P., mas apenas porque, atendendo aos indícios existentes relativamente aos crimes imputados, entendeu - a seu bel-prazer, segundo um juízo eminentemente subjectivo, sem base legal - que os arguidos deviam estar presos.

É certo que a Senhora Juíza - do ponto de vista formal - decretou a prisão preventiva por, alegadamente, haver perigo para a conservação da prova ou de continuidade da actividade criminosa.

Mas os autos fornecem os elementos que permitem concluir, com toda a segurança, de forma objectiva e de acordo com a experiência comum, que - do ponto de vista material - não foram esses critérios que efectivamente presidiram à decisão da Senhora Juíza.

21- Isso decorre de quatro razões fundamentais.

Primeira:

Nem o despacho de 12 de Junho, nem o de 14 de Junho, referem qualquer - mesmo o mais pequeno, irrelevante ou aparente - facto que fundamente os perigos invocados.

Segunda:

Confrontados os interrogatórios dos arguidos efectuados a 12 de Junho1 - e é a esses que, como único fundamento genérico e

puramente remissivo, se refere o despacho desse dia, como expressamente a Senhora Juíza reconhece a fls. 107922 -, tais declarações limitaram-se a confirmar o que já fora dito no inquérito, acrescido de alguns esclarecimentos, não referindo - manifestamente, como qualquer observador comum pode, mesmo numa apreciação superficial, verificar - nenhum facto que tenha qualquer relação com os requisitos gerais da prisão preventiva referidos no art. 204º do C.P.P.

Terceira:

Por outro lado, a fundamentação concreta da decisão de 14 de Junho, que manteve a prisão preventiva, reporta-se a aspectos dos depoimentos dos arguidos ouvidos nesse dia que nada - manifestamente, nada - têm a ver com os perigos do art. 204º do C.P.P.

Quanto ao primeiro Requerente, assaca-lhe o silêncio a que tem direito. No que respeita ao segundo Requerente, reporta-se a dados que só podem ter a ver com o eventual preenchimento do tipo legal do crime. Relativamente ao terceiro Requerente, refere-se a meras circunstâncias atenuantes do seu comportamento, como seja ter cessado funções na UM e ter devolvido dinheiro à Dinensino. Com referência ao quarto Requerente, limita-se a mencionar o seu conhecimento dos factos que a acusação descreve.

Acresce que, para além das referências concretas atrás mencionadas, a Senhora Juíza apenas se refere a um "disparo mediático", ocorrido a partir de 12/06/01, que, pressionando as decisões judiciais, também contribuiria para que aqueles perigos se adensassem, o que é tão absurdo e despropositado que nem merece contra-alegação.

Quarta:

Por último, a Senhora Juíza não quis efectivamente assegurar o princípio do contraditório, naquilo que materialmente é relevante, como impõem os arts. 141º, 142º, 143º e 254º do C.P.P., bem como o art. 32º nºs 1 e 5 da CRP, e decorre da natureza de um processo equitativo, tal como está consagrado nos arts. 5º nº 4 e 6º nº 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Com efeito, a prisão ordenada a 12 de Junho não foi precedida de audição nem do Ministério Público nem dos arguidos. Por outro lado, a diligência de 14 de Junho - que não estava prevista até à manhã desse dia, tendo sido apressadamente decretada, talvez por causa do "disparo mediático" que tanto foi verberado - não confrontou ninguém, directa ou indirectamente, expressa ou implicitamente, com qualquer facto, ou aparência de facto ou até mero rumor, que tivesse a ver com os perigos a que se reporta o art. 204º do C.P.P.. Serviu apenas para cumprir uma formalidade, esvaziando-a de sentido útil.

Finalmente, e na mesma linha de desprezo pelo contraditório, está o entendimento - grosseiramente ilegal3 - de vedar aos arguidos o acesso aos interrogatórios para onde genericamente remete, como se pudesse haver segredo de justiça, durante a instrução, para os próprios arguidos que a requereram e em face de uma prisão preventiva decretada nessa fase processual e por causa desses depoimentos.

Tais violações do contraditório serviram para escamotear os motivos que presidiram à prisão preventiva dos arguidos, que expressamente transpareceriam se eles fossem confrontados com aquilo que, na óptica do tribunal, poderia determinar a alteração das medidas de coacção.4 Mas, tendo ocorrido, devidamente conjugadas com as razões precedentes, reforçam, afinal, o juízo que, com toda a segurança, pode ser formulado acerca daquilo que, objectivamente avaliado, informou a decisão da Senhora Juíza:

* a vontade de prender porque, pura e simplesmente, quis prender, sem que os únicos requisitos legais admissíveis - os do art. 204º do C.P.P. - tivessem sido sequer ponderados.

22- Pelo exposto, ninguém pode duvidar - segundo uma apreciação objectiva e aferida pela experiência comum - que manifestamente a Senhora Juíza não prosseguiu os fins inscritos no art. 204º do C.P.P., quando decretou e manteve a prisão preventiva dos arguidos.

Não se está, pois, perante uma mera situação de completa falta de fundamentação da decisão proferida, o que, só por si, já seria gravíssimo. Mas perante um caso de adulteração de fins.

Ninguém pode entrar na cabeça de ninguém. É irrelevante a razão subjectiva que determinou a Senhora Juíza, que não se põe em causa que tenha agido segundo achou melhor.

Mas seguramente - tal como objectivamente resulta dos autos - que não actuou para acautelar os perigos do art. 204º do C.P.P..

A Senhora Juíza desviou-se dos fins que presidem ao poder que a lei lhe confere para determinar a prisão de quem quer que seja. O que se avalia objectivamente, pelas próprias referências e remissões expressas nos despachos proferidos, bem como pela condução da sequência processual.

É isso que qualquer cidadão comum, mesmo numa avaliação superficial, não deixará de observar.

É, por isso, que a prisão dos arguidos não está no campo do direito, mas do puro arbítrio.

É uma prisão arbitrária.

Estamos perante um caso de manifesto abuso de poder.

É para acautelar situações desta natureza que existe o instituto do habeas corpus.

Termos em que se requer que seja decretada a providência de habeas corpus, restituindo-se imediatamente os arguidos à liberdade.

Requer-se que este requerimento seja instruído com uma certidão donde conste:

a) A menção a que os arguidos se encontram actualmente presos;

b) Os despachos que, antes de 12 de Junho, submeterem os arguidos a medidas de coacção;

c) As actas dos interrogatórios dos arguidos de 12 de Junho e a referência a que não houve mais diligências instrutórias realizadas e, se houve, quais, com cópia dos documentos que as suportam;

d) O despacho de 12 de Junho que ordenou a prisão preventiva;

e) Os mandados de captura e as certidões de cumprimento das capturas;

f) O despacho que ordenou a diligência de 14 de Junho e a acta dos actos processuais praticados nesse dia 14 de Junho;

g) Os pedidos de cópias de documentos formulados a 15 de Junho e o despacho que os indeferiu;

h) Os recursos ordinários interpostos dos despachos de 12 e 14 de Junho.

JUNTA: 1 Doc. e cópia legal

OS ADVOGADOS,

1 - Recorde-se que, apesar da Senhora Juíza ter impedido, no dia 14 de Junho, a consulta das actas respectivas, por alegado segredo de justiça, o certo é que, no dia 12 de Junho, alguns dos mandatários signatários estiveram presentes à diligência e recordam o sentido geral desses depoimentos, que o Supremo Tribunal de Justiça terá oportunidade de avaliar nesta providência.

2 - Linhas 18 a 21 de fls. 10792.

3 - Obviamente que a regra do art. 86º nº 1 do C.P.P. cede perante a tomada de conhecimento de actos processuais daqueles que a isso têm direito, como resulta do art. 86º nº 4 - al. a), do princípio do contraditório (art. 32º nº 5 da CRP) e da natureza de um processo equitativo (art. 5º nº 4 e art. 6º nº 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem). Nesse sentido, veja-se, a título de exemplo, acórdão da Relação do Porto de 24/01/01 (C.J., tomo I, pág. 226) e sentença do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem de 30/03/89 (Sub Judice, Novos Estilos, nº 11, Novembro/94, pág. 201).

4 - Da mesma forma, ao vedar a consulta aos interrogatórios para que remete, "faz de conta" que aí poderiam existir subtis razões, desconhecidas da defesa, que justificariam a prisão. Mas essas razões não existem, porque, como se disse, alguns dos mandatários do arguidos assistiram àquelas inquirições e conhecem o sentido dessas declarações. E o Supremo Tribunal de Justiça terá acesso às mesmas e avaliará de sua justiça.

VI - ACÓRDÃO DE 3 DE JULHO DO S.T.J. (PRIMEIRO PEDIDO DE HABEAS CORPUS) - RELATOR: JUIZ CONSELHEIRO ARMANDO LEANDRO

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I.

José António Braga dos Reis Gonçalves, João Manuel Braga dos Reis Gonçalves, José Manuel e Mafra de Sousa Vitoriano e Esmeraldo Rosa Monteiro de Azevedo, identificados nos autos, arguidos no processo nø 2971/99 .9TDLSB, que corre os seus termos pelo 1ø Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, actualmente em situação de prisão preventiva, vêm, ao abrigo do art. 31º da Constituição e do art. 222ø, nø 2, al. b), do C.P.P., requerer lhes seja concedida a providência de Habeas corpus.

Invocam que a prisão é ilegal, por não se verificar qualquer dos requisitos gerais previstos no art. 204ø do C.P.P., defendendo tratar-se de uma prisão arbitrária, ordenada pelo Juiz com desvio dos fins para que lhe é concedido o poder de determinar a prisão preventiva, constituindo pois o acto que a impôs um manifesto abuso de poder.

Como fundamentação do invocado, alegaram em síntese:

1.

Os Requerentes foram constituídos arguidos na fase de Inquérito desses autos, tendo sido submetidos a medidas de coacção não privativas de liberdade.

2.

Os Requerentes têm cumprido escrupulosamente as medidas de coacção a que foram sujeitos, não lhes tendo sido imputado pelo tribunal qualquer incumprimento das mesmas.

3.

Apesar disso e de não terem ocorrido novos factos reveladores do agravamento de qualquer das circunstâncias que constituem os requisitos gerais de aplicação das medidas de coacção, constantes do art. 204ø do C.P.P., a M.ma Juíza de Instrução impôs aos arguidos ora peticionantes, em

12/06/2001, e manteve, em 14/06/2001, a medida de coacção prisão preventiva, invocando a existência de acrescidos perigos de perturbação do decurso da instrução para a aquisição, conservação ou veracidade da prova e de continuação de actividade criminosa, sem indicação de quaisquer factos suporte dessa conclusão; procurando inferir dos interrogatórios que precederam a decisão de manutenção da prisão preventiva elementos indiciadores do agravamento dos referidos riscos que manifestamente não o justificavam; desrespeitando o contraditório legal antes da decisão de imposição da prisão preventiva; e recusando o acesso ao teor dos interrogatórios com a invocação de segredo de justiça, assim impedindo a oposição fundamentada dos arguidos.

4.

A M.ma Juíza de Instrução agiu assim por puro arbítrio, abuso de poder, com a finalidade de determinar a prisão a seu bel-prazer, com desvio dos fins dos poderes legalmente atribuídos para decidir sobre a imposição de medidas de coacção.

5.

Os arguidos já interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa dos supra mencionados despachos de 12 de Junho e de 14 de Junho, que determinaram e mantiveram as prisões preventivas.

6.

A prisão ilegal por abuso de poder é fundamento de Habeas corpus, nos termos dos arts. 31º da C.R.P. E 222º, nº 2, do C.P.P., mesmo no caso de o despacho que determinou a prisão arguida de ilegal ser susceptível de recurso ordinário ou estar pendente esse recurso, sendo inconstitucional o entendimento contrário, inconstitucionalidade que deve ser considerada arguida pelos peticionantes da presente providência de Habeas corpus.

7.

No caso concreto, é evidente o abuso de poder porque é manifesto - como qualquer observador comum pode verificar, mesmo numa apreciação superficial - que a Senhora Juíza decretou a prisão preventiva não para assegurar qualquer dos perigos a que alude o art. 204º do C.P.P., únicos que podem justificar essa prisão, mas apenas porque, atendendo aos indícios existentes relativamente aos crimes imputados, entendeu, segundo um juízo eminentemente subjectivo, sem base legal, que os arguidos deviam estar presos.

II.

Da informação a que se refere o art. 223º, nºs 1 e 2 do C.P.P., resulta fundamentalmente que a Ex.ma Juíza refuta a existência de qualquer acto discricionário, afirmando que todas as decisões tomadas foram ponderadas, analisadas e sustentadas, ao abrigo do C.P.P. em vigor, nomeadamente dos arts. 191º e seguintes, 202º, nº 1, al.a), 204º, 286º, 288º, 289º, 290º, 291º.

III.

Procedeu-se à audiência com observância do formalismo legal, cumprindo agora apreciar e decidir.

IV.

Resultou provado:

a) Os peticionantes foram constituídos arguidos na fase de inquérito destes autos, tendo sido submetidos às seguintes medidas de coacção:

- Cada um dos arguidos João Braga Gonçalves e José Vitoriano à caução no montante de 1.000.000$00;

- O arguido José Braga Gonçalves às medidas de proibição de se ausentar para o estrangeiro sem autorização prévia do tribunal e de frequentar o espaço referente à Dinensino/UM;

- O arguido Esmeraldo de Azevedo a termo de identidade e residência.

b) O processo encontra-se na fase de instrução, declarada aberta por despacho de 26/03/01, a requerimento da assistente e dos arguidos Júlio Gonçalves, José Vitoriano, Esmeraldo Azevedo, José António Reis Gonçalves, António Sousa Lara, Manuel Vaz, Pedro Rosado e Carlos Fernandes.

c) No despacho de abertura de instrução foi designado o dia 12/06/01 para interrogatórios dos arguidos António Sousa Lara, Esmeraldo Azevedo e Manuel Vaz e referido que oportunamente seria considerada, de acordo com o disposto nos arts. 286ø e 291ø do C.P.P., a necessidade de realizar outros actos instrutórios.

d) No dia 12/06/01, após interrogatório dos três arguidos referidos em c), a Ex.ma Juíza impôs a prisão preventiva aos quatro arguidos ora peticionantes da providência de Habeas corpus, pelo despacho acima referido, certificado a fls. 39 a 40.

e) Nesse mesmo dia, foram passados mandados de captura desses quatro arguidos, que foram cumpridos pela P. J. entre as 20h e 40m e as 23h e 45m.

f) No dia 14/06/01, a Ex.ma Juíza, invocando o disposto no art. 254ø, nø 2, do C.P.P., ordenou o interrogatório dos referidos quatro arguidos e a ele procedeu nesse mesmo dia, na presença dos Ex.mos Magistrado do Ministério Público e Advogados desses arguidos, conforme auto certificado de fls. 46 a 62 deste processo de petição de Habeas corpus, aqui dado como reproduzido.

g) Após os interrogatórios, o Ex.mo Magistrado do Ministério Público proferiu promoção no sentido da manutenção da prisão preventiva dos arguidos agora peticionantes, invocando essencialmente o agravamento dos

indícios de perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova e

de continuação da actividade criminosa.

h) Os Ex.mos Advogados dos quatro arguidos, a quem foi de seguida dada a palavra, para além de outras considerações constantes do respectivo auto, aqui considerado como reproduzido, contrariaram a promoção do Ex.mo Magistrado do Ministério Público, salientando a falta de factos -supervenientes ao anterior despacho que impôs as medidas de coacção não

privativas da liberdade - indiciadores dos requisitos ou condições exigidos

pela lei para que possa ser determinada a prisão preventiva e sustentando,

em conformidade, a ilegalidade da prisão já decretada.

i) Requereram ainda o acesso aos interrogatórios que a Ex.ma Juíza no seu despacho de 12 de Junho e o Digno Magistrado do Ministério Público na sua promoção referiram deles resultar o avolumar do perigo de perturbação da instrução nas vertentes da aquisição, conservação ou veracidade da prova, e ainda do perigo de continuidade de actividade criminosa, argumentando com a necessidade do seu conhecimento para poderem pronunciar-se sobre os mesmos e sobre a promoção do Ministério Público.

j) Tal requerimento foi indeferido por despacho da Ex.ma Juíza, invocando o disposto no art. 86º, nº 1, conjugado com o que dispõe o art. 287ø, nø 1, al. b), ambos do C.P.P.;

l) Seguidamente, na mesma data de 14/06/01, a Ex.ma Juíza proferiu o despacho certificado a fls. 58 a 61, no qual, depois de uma súmula do processado a partir do despacho de 12/06, salientando a regularidade da actualização ordenada e cumprida, manteve a prisão preventiva anteriormente ordenada, invocando fundamentalmente o agravamento dos já acima referidos riscos previsto nas alíneas b) e c) do art. 204ø do C.P.P.

m) Os arguidos ora peticionantes recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa, impugnando quer o despacho de 12/06/01 que ordenou a prisão preventiva de todos eles, quer o de 14/06/01 que a manteve.

V.

Presente este circunstancialismo provado, apreciemos.

1. Mesmo nas sociedades democráticas e plurais, existe uma tensão complexa e instável nas relações entre o poder concreto e a liberdade individual.

Essa tensão impõe, como desenvolvimento cultural e de sedimentação de valores próprios dessas sociedades, institutos que possam, frenando o exercício ilegítimo do poder, fazer cessar rapidamente as limitações ilegítimas do direito fundamental à liberdade.

Trata-se de institutos ou providências que funcionem como forma célere e eficaz de defesa da liberdade e dignidade do homem concreta e comunitariamente inserido, uma das fontes essenciais da legitimidade da intervenção societária punitiva.

E que, para além de honrar e salvaguardar o direito fundamental da 1iberdade, actuem igualmente como meio de prosseguir a justiça.

Entre esses institutos, sobressai, também pela sua bem conhecida raiz cultural e histórica, a providência de Habeas corpus.1

Esta providência tem entre nós compreensível dignidade constitucional ao nível dos "Direitos, liberdades e garantias pessoais". Constitui um verdadeiro "direito garantia"2, visando reagir "contra o abuso do poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal" - art. 31ø, nø 1, da C.R.P.3

Trata-se de uma garantia privilegiada do direito à liberdade, reconhecido nos termos dos arts. 27ø e 28ø da C.R.P.4. Constitui urna providência a decretar apenas nos casos de atentado ilegítimo à liberdade individual - grave e em princípio grosseiro e rapidamente verificável - que integrem as hipóteses de causas de ilegalidade da detenção ou da prisão taxativamente indicadas nas disposições legais que desenvolvem o preceito constitucional.

No que respeita à prisão, a providência só poderá ser decretada, conforme estatui o art. 222ø, nø 2, als. a), b) e c), do C.P.P.5, no caso de se verificar a sua ilegalidade proveniente de:

a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.

Providência que deverá ser requerida ao S.T.J. e por este decidida nos oito dias subsequentes (art. 223ø), podendo ser peticionada pelo próprio ou por qualquer cidadão (art. 31º, nº 2, da C.R.P.). O que revela o eminente interesse público ínsito ao instituto e a sua intrínseca ligação aos aspectos da cidadania global comunitariamente integrada6 como instrumento de efectivação dos direitos fundamentais.

Toda esta concepção e regulamentação do instituto de Habeas corpus - como providência expedita para fazer cessar a violação, grave e com sinais de evidência, do direito fundamental à liberdade, nas hipóteses taxativamente previstas nas referidas alíneas do art. 222ø, nø 2 - revela que não é a providência adequada a reagir e a pôr termo à ilegalidade da prisão por violação dos requisitos e condições impostos pela lei para que possa ser decretada a prisão preventiva, nomeadamente os prescritos no art. 204º e na 1ª parte da al. a) do nº 1 do art. 202º (existência de fortes indícios).

Mas nem por isso deixa de estar acautelado o direito fundamental da liberdade proventura posto em crise por violação dos requisitos e condições impostos pela lei para que a prisão preventiva possa ser decretada.

Para além da providência de Habeas corpus, prevê a lei expressamente, no art. 219º, outro modo de impugnação - a possibilidade de recurso ordinário de todas as decisões que apliquem ou mantenham medidas de coacção (portanto também a de prisão preventiva), a julgar no prazo máximo de 30 dias.

Mas, afigura-se-nos, a lei não exclui a possibilidade da providência de Habeas corpus se os factos, ou parte deles, que constituem fundamento da interposição de recurso ordinário, integrarem as hipóteses das als. a), b) e c) do nº 2 do art. 222º.

Isto é, a admissibilidade de recurso ordinário da decisão judicial que determinou a prisão não impossibilita a petição e o decretamento da providência de Habeas corpus.

Afigura-se-nos efectivamente, salvo o muito respeito devido pela jurisprudência prevalente, em sentido contrário, do S.T.J., resultar dos princípios e normas relativos ao instituto do Habeas corpus, às medidas de coacção, em especial da prisão preventiva, e aos recursos das decisões que aplicarem ou mantiverem essas medidas, que não é impeditivo da providência de Habeas corpus a admissibilidade de recurso da decisão que determinou a prisão. Assim:

A letra da lei, conjugada com o elemento histórico de interpretação, não exclui esse entendimento e antes de alguma forma o sugere, na medida em que:

- o art. 219ø dispõe expressamente que a possibilidade de recurso da decisão que mantiver ou aplicar medidas de coacção (incluindo portanto a

prisão preventiva) é prevista sem prejuízo da providência de Habeas corpus, regulada nos artigos seguintes;

- a legislação actual não faz expressamente depender de insusceptibilidade de recurso a admissibilidade da providência de Habeas corpus relativamente a prisão ordenada e mantida por ordem de autoridade judicial, ao contrário do que sucedia com a lei anterior7 e constava ainda do Anteprojecto do C.P.P. de 1987.

Particularmente significativo no sentido que defendemos é o resultado da consideração do elemento teleológico ou racional de interpretação:

A natureza da providência de Habeas corpus - tal como resulta das leis constitucional e ordinária - caracteriza-a como modo de impugnação de carácter extraordinário no sentido de se destinar a reagir, de forma muito urgente, expedita, a situações de excepcional gravidade8, por clamorosamente ilegais. Não faria, por isso, sentido fazer depender a sua apreciação e decisão da insusceptibilidade ou da não interposição de recurso da decisão que impusera a prisão preventiva, a decidir em tempo relativamente breve mas muito superior ao previsto para decisão da providência de Habeas corpus. Esse condicionamento comprometeria o elemento fundamental da urgência da decisão, ínsita a este instituto, e conduziria ao esvaziamento da sua específica função de garantia excepcional, que não de aplicação residual.

É este o entendimento da doutrina dominante.9

A jurisprudência do S. T.J .tem-se orientado prevalentemente, como se disse, no sentido contrário de que não pode haver lugar à providência de Habeas corpus se a decisão que tiver determinado ou mantido a prisão que o peticionante pretende ser ilegal for susceptível de recurso ordinário10.

Afigura-se-nos, salvo o devido respeito, igualmente não impeditivo da providência de Habeas corpus a pendência de recurso ordinário da decisão que tiver ordenado ou mantido a prisão preventiva.

Trata-se de modos distintos de impugnação, até de natureza diversa, configurando a providência de Habeas corpus não um recurso mas um remédio excepcional, extraordinário, autónomo, fora e acima do sistema de

recursos, da competência exclusiva do Supremo Tribunal de Justiça, para proteger a liberdade individual contra o abuso de poder, pondo imediatamente termo a situações de prisões ilegais provenientes de alguma da situações previstas no citado nø 2 do art. 222ø. De modo que não é configurável situação de litispendência no caso da simultaneidade do procedimento de Habeas corpus e de recurso, mesmo no caso de coincidência essencial de fundamentos.

2.

Apreciemos agora, à luz das anteriores considerações e tendo em conta o factualismo acima referido como apurado, a providência de Habeas corpus peticionada nos autos pelos quatro arguidos.

2.1

Em harmonia com o entendimento que perfilhamos, acima exposto, é admissível a petição de Habeas corpus, apesar da interposição do recurso dos despachos de 12/06/01, que ordenou a prisão, e de 14/06/01, que a manteve.

2.2

É manifesto que não se verificam as hipóteses das als. a) e c) do nø 2 do art. 222ø, aliás não invocadas.

Importa apreciar da verificação da alegada alínea b), integrável por ilegalidade da prisão proveniente de ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite.

Revela-se nestes autos que os arguidos encontram-se acusados da prática de crimes de associação criminosa, administração danosa, apropriação ilícita e corrupção activa, p. e p. pelos arts. 299ø, nºs 1 e 3,235ø (com referência ao Código Cooperativo), 234ø e 205ø, nº 4, al. b), e 374ø, todos do C.P.

Todos estes crimes são dolosos e puníveis com pena de prisão de máximo superior a três anos, pelo que permitem a imposição de prisão preventiva [art. 202ø, nø 1, al. a)], razão por que, considerando esse aspecto, não está preenchida a referida hipótese da al. b) do nø 2 do art. 222ø.

Subjacente à argumentação dos peticionantes está o entendimento de que o "facto" referido em tal hipótese legal não compreende somente o aspecto do preenchimento de tipo legal de crime, mas também [para além dos fortes indícios da pratica do crime a que se alude na 1ª parte da al. a) do nø 1 do art. 202ø] os elementos relativos à concretização de algum ou alguns dos requisitos gerais da aplicação das medidas de coacção exigidos no art. 204ø, no caso concretamente o da alínea b) - Perigo de perturbação do decurso... .da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova - e o da alínea c) - Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, ... de continuação da actividade criminosa.

E pretendem sustentar, com base nos argumentos acima transcritos, que essas componentes do "facto" não se verificam efectivamente e que a afirmação da sua existência - nos referidos despachos que determinaram ou mantiveram a sua prisão preventiva como fundamentos dessas decisões - resulta de abuso de poder, de arbitrariedade, de desvio dos fins para que são

por lei outorgados os poderes judiciais para decisão sobre as medidas de coacção, por parte da Ex.ma Juíza que os proferiu no exercício das suas funções de Juiz de Instrução.

Comecemos por apreciar se os elementos relativos à concretização dos referidos requisitos gerais da aplicação das medidas de coacção exigidos no art. 204ø integram o "facto" considerado na hipótese do fundamento de Habeas corpus constante da al. b) do nø 2 do art. 222ø.

Em harmonia com as considerações que a propósito expusemos em abstracto, afigura-se-nos, salvo o devido respeito, que a já caracterizada especificidade da natureza do instituto do Habeas corpus faz pender fortemente para uma solução negativa, que por isso perfilhamos.

Efectivamente, as questões relativas à verificação desses requisitos, bem como à de fortes indícios da prática de crime [art. 202ø, nø 1, al. a)], tal como igualmente à da necessidade e proporcionalidade da medida (arts. 191ø e 193ø), não se quadram com a especificidade da providência de Habeas corpus, caracterizada pela evidência da ilegalidade, a justificar o seu consequente carácter expedito, em consonância com a gravidade e carácter grosseiro do erro fonte da violação a que pretende pôr termo. Exigem antes uma comprovação normalmente incompatível com as referidas características de evidência da ilegalidade e da urgência na sua apreciação, o que não é contrariado pelo disposto o art. 223ø, nø 4, al. d), que deve ser interpretado em harmonia com essa característica de resposta urgente a situações de grave e evidente violação da liberdade individual. Entendimento diferente poderia desvirtuar essas características da providência, comprometendo a realização dos seus fins muito específicos e relevantes.

A apreciação sobre tais requisitos tem a sua sede própria no recurso a que alude o art. 219ø11.

Há que ter porém em atenção que, no caso dos autos, os peticionantes não discutem a interpretação de factos considerados em decisão judicial como reveladores dos referidos perigos que, nos termos do art. 204ø, als. b) e c), constituem requisitos gerais imprescindíveis de aplicação de medidas de coacção.

Invocam a ausência total de factos com esse significado e imputam a imposição da prisão preventiva, apesar de tal ausência, a um acto puramente arbitrário, de abuso de poder por parte da Ex.ma Juíza, que teria ordenado a prisão por qualquer razão subjectiva alheia aos fins legais inerentes ao disposto no art. 204º, assim se verificando desvio e adulteração dos fins próprios dos poderes que a lei lhe confere para decidir sobre a prisão preventiva.

Ora tal importa a invocação de violação do direito fundamental à liberdade com significado e gravidade tais que não pode deixar de se considerar como cognoscível em providência de Habeas corpus, por tocar a sua essência de reacção ao abuso de poder, traduzido na determinação de prisão preventiva por "facto" que a lei não permite [art. 222ø, al. b )] .

Na verdade, atentos os termos da invocação, não poderia considerar-se existente "facto" que permitisse a prisão, na medida em que esse "facto" assume uma complexidade que, além do preenchimento de crime doloso punível com pena de prisão superior a três anos, integra, para além dos fortes indícios exigidos no art. 202º, nº 1 al. a), o preenchimento dos requisitos gerais previstos no art. 204º, estes totalmente inexistentes na tese dos peticionantes.

Os autos não permitem, porém, decidir pela efectiva existência do invocado abuso de poder, arbítrio ou desvio de fins.

Os despachos em questão invocam reiteradamente a existência dos aludidos perigos, o segundo em consonância com a posição do Ex.mo Magistrado do Ministério Público, não sendo possível concluir no sentido de que a Ex-ma Juíza agiu, ao impor a prisão preventiva, por arbítrio, abuso de poder ou adulteração dos fins.

Ausência de factos suficientemente reveladores dos aludidos riscos, erros de apreciação, deficiências de fundamentação ou preterição de suficiente contraditório que porventura tenham existido, não podem, na falta de elementos minimanente concludentes, levar a considerar verificado a invocada actuação por arbítrio, abuso de poder ou adulteração dos fins que tornassem a imposição da prisão preventiva manifestamente ilegal - passível portanto de lhe ser posto termo pela providência de Habeas corpus - e não porventura somente injustificada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto (art. 225ø, nø 2).

Em conformidade, conclui-se que não pode considerar-se verificado o invocado fundamento das providências de Habeas corpus peticionadas.

Por isso se indeferem.

Custas pelos peticionantes, fixando-se a taxa de justiça devida por cada um deles.

1 - Em todo este sentido, cf. José de Faria Costa, Habeas Corpus: Ou a análise de um longo e ininterrupto "diálogo" entre o poder e a liberdade, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. LXXV, 1999, pp. 357 e ss., que seguimos de perto.

2 - Cf. Vieira de Andrade, Os Direitos .fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, pp. 171 e 172, e Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, pp. 110 a 112.

3 - Recebido pela primeira vez no nosso direito na Constituição de 1911 (art. 3ø, nø 31). Reconhecido também pela Constituição de 1933, o instituto do Habeas corpus só veio a ser regulado pelo Dec.-Lei nø 35.043, de 20/10/45, sob a marcada influência do ensinamento e da intervenção de Cavaleiro de Ferreira.

4 - Cf., v.g., Gomes Canotilho/Vital Moreira, lugar citado, p. 199.

5 - Inserem-se no Código de Processo Penal de 1987 as disposições legais que a partir de agora se citarem sem indicação do diploma legal em que se integram.

6 - Cf. Faria Costa, lugar citado, pp. 549.

7 - Cf. o aI1. 315ø do C.P.P. de 1929, na redacção introduzida pelo Dec.-Lei nø 185/72, de 31/05, não alterado nesse ponto pelo Dec.-Lei nø 320/76, de 04/05. Cf, no mesmo sentido, o art. 7ø do Dec.-Lei nø 35.043, de 20/10/45.

8 - Cf., v.g., Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, Lisboa, 1986, p. 273.

9 - Cf., v.g., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 1999, pp. 301 e 302; Rodrigues Maximiano, Habeas corpus, em virtude de prisão ilegal - art. 222ø do C.P.P., 1987- Da Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça. Reflexões e subsídios para a Comissão Revisora do Código de Processo Penal, in Direito e Justiça, Vol. XI, Tomo I, 1997, pp. 194 a 200; Cláudia Cruz Santos, Prisão Preventiva - Habeas Corpus - Recurso Ordinário, em anotação ao Ac. do S.T.J. de 20/02/97, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 10, Fasc. 2ø, Abril-Junho 2000, pp. 303 e ss.; Gil Moreira dos Santos, O recurso extraordinário de Habeas Corpus, ACS STJ, Ano II, Tomo II, pp. 11 e 12.

10 - Cf., v.g., Acs. do S.T.J. de 28/06/89, AJ, nº 0, p. 52, de 03/07/97, proc. nº 948/97, de 18/09/97, proc. nº 1066/97, de 09/10/97, proc. nº 1263/97, de 14/10/99, proc. nº 1084/99; em sentido de certo modo discordante, cf. Ac. do S.T.J. de 21/04/2001, proc. nº 1604/01-5ª.

11 - Neste sentido, cf, v.g., Cláudia Cruz Santos, lugar citado, p. 310, Rodrigues Maximiano, lugar citado, p. 199, e Ac. do S. T.J. de 26/04/01, proc. nø 1604/01-3ª.

VII - CONCLUSÕES DO RECURSO DE JOSÉ BRAGA GONÇALVES RELATIVAMENTE AOS DESPACHOS DE 12 E 14 DE JUNHO

Em conclusão:

1) Quanto ao despacho de 12 de Junho de 2001 que ordenou a prisão preventiva do recorrente

a) Por despacho judicial de 13 de Abril de 2000 foram impostas ao arguido as medidas de coacção de proibição de se ausentar para o estrangeiro sem autorização prévia do Tribunal e de proibição de frequentar o espaço referente à Dinensino/UM, com fundamento nos arts. 191º a 193º, 200º/1/b e d, e 204º/a e c, todos do CPC;

b) O despacho recorrido, de 12 de Junho de 2001, veio agora determinar "a prisão preventiva do arguido", nos termos dos arts. 191º/1, 192º, 193º, 202º/1/a e 204º/b e c, do CPP, por ter considerado que as medidas de coacção que antes lhe haviam sido impostas pelo referido despacho judicial de fls. 7166 e 7167 "são manifestamente insuficientes para acautelar os perigos, a que aludem as alíneas b) e c) do art. 204º do CPP";

c) Tal despacho é nulo por ter sido proferido sem prévia audição do Ministério Público e do próprio arguido, por violação do disposto nos arts. 194º/1, 61º/1/b e 194º/2, do CPP, omissões que constituem nulidades processuais insanáveis, nos termos dos arts. 118º e 119º/b e c, do CPP, com a consequência da invalidade quer do despacho recorrido quer dos actos posteriores afectados por este e dele directamente dependentes, nos termos do art. 122º/1 do CPP, particularmente do despacho de 14 de Junho de 2001, que confirmou a prisão preventiva;

d) Esgotando-se os fundamentos do despacho recorrido nas afirmações de que "no decurso do Inquérito, os indícios dos factos constantes do aludido despacho consolidaram-se e reforçaram-se na acusação deduzida" e o apuro da medida de prisão preventiva "resultou evidenciado nos interrogatórios dos arguidos que prestaram declarações neste Tribunal" em 12 de Junho de 2001, aquele é completamente conclusivo, não indicando ou individualizando os factos concretos, localizados no tempo e no espaço e referenciando o grau de participação que neles teve o agente, constantes daquela peça processual ou afirmados nos referidos interrogatórios que possam fundamentar a alteração das medidas de coacção anteriormente determinadas e/ou a imposição da ordenada medida de prisão preventiva;

e) Assim, é nulo por falta de fundamentação, violando o disposto nos arts. 205º/1 da CRP e 97º/4 do CPP;

f) E, porque também impede o arguido sequer de conhecer, quanto mais de contraditar, os fundamentos da sua prisão, é ilegal, por violação dos arts. 61º/1/b, 141º/4 e 5, 191º, 202º e 204º/b e c, do CPP, e dos art. 32º/1 e 5 da CRP, alcançando objectivamente as fronteiras do puro arbítrio por corresponder à mera antecipação de uma verdadeira pena;

g) É também ilegal porque não faz uma ponderação concreta entre as diversas medidas de coacção legalmente previstas, justificando que as restantes medidas de coacção se mostravam concretamente inadequadas ou insuficientes para o caso em apreço, assim violando o disposto nos arts. 202º do CPP e nos arts. 27º/3 e 28º/2 da CRP, que conferem à medida de coacção da prisão preventiva uma natureza excepcional e subsidiária;

h) Deste modo, o despacho recorrido violou o disposto nos arts. 27º/3, 28º/2, 32º/1 e 5, e 205º/1 da CRP e nos arts. 61º/1/b, 97º/4, 191º, 202º e 204º do CPP, o que deve determinar a sua revogação e nova aplicação das medidas de coacção antes aplicadas ao recorrente, nos termos do art. 202º/1 e 2 do CPP;

i) Acresce que os receios invocados pelo despacho recorrido para determinar a prisão preventiva do arguido tinham já sido apreciados pelo despacho judicial de fls. 7166 e 7167, que julgou não existir então perigo e perturbação da prova e, no demais, decidiu serem suficientes as medidas de coacção mencionadas no ponto a) destas conclusões;

j) Assim, não tendo havido, como não houve, violação das anteriores medidas de coacção, nem uma alteração fundamental ou significativa dos pressupostos que a as determinaram, não podiam estas ser substituídas por outra mais grave;

k) Os autos não indiciam minimamente o receio de perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova ou de continuidade de idêntica actividade criminosa, nem o Ministério Público promoveu antes de 12 de Junho de 2001 a prisão preventiva do recorrente, antes se tendo limitado, em Fevereiro de 2001, a promover o reforço das cauções prestadas, nem a decisão recorrida se funda em algo de concreto que o justifique;

l) Por conseguinte, a decisão que ordenou a prisão preventiva deve ser revogada e o arguido restituído imediatamente à liberdade, na situação de sujeição a termo de identidade e residência e às demais medidas de coacção que antes lhe tinham sido impostas;

2) Quanto ao despacho de 14 de Junho de 2001 que manteve a prisão preventiva do recorrente

m) Em 14 de Junho de 2001, a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo procedeu à inquirição dos arguidos presos, nomeadamente do recorrente, com base nos arts. 254º/2, 141º e 144º do CPP, e proferiu depois o despacho de fls. 10791 a 10795 que manteve a prisão preventiva;

n) Tal interrogatório visa garantir o contraditório, ou seja, destina-se a ouvir o arguido sobre as razões que determinaram a prisão preventiva de modo a habilitar o Tribunal a, sendo caso disso, reponderar a medida privativa da liberdade antes determinada;

o) Não tendo sido consentido que o recorrente tivesse durante aquele acto acesso aos interrogatórios dos arguidos ocorridos em 12 de Junho de 2001 a que se refere e para os quais remete a decisão que ordenou a sua prisão preventiva, e tendo posteriormente impedido o acesso dos respectivos mandatários aos autos para prepararem o presente recurso, e considerando ainda as circunstâncias de não ter sido confrontado, durante o seu interrogatório, com qualquer facto concreto que pudesse integrar os alegados receios, e de o despacho determinativo da prisão ser totalmente conclusivo, verifica-se que não foi assegurado o contraditório, em violação do disposto nos arts. 31º/1 e 5 da CRP e nos arts. 61º/1/b e 141º/4 e 5 do CPP, com a consequência da revogação de tal despacho e nova aplicação das medidas de coacção antes aplicadas ao recorrente, nos termos do art. 202º/1 e 2 do CPP;

p) O despacho ora impugnado é também ilegal por ser inteiramente conclusivo, não indicando os factos concretos e determinados, localizados no tempo e no espaço e referenciando o grau de participação que neles teve o agente, assim impedindo o arguido sequer de conhecer, quanto mais de contraditar, os fundamentos da sua prisão, violando o disposto nos arts. 32º/1 e 2 e 204º do CPP;

q) O despacho recorrido violou também o disposto nos arts. 27º/3 e 28º/2 da CRP e nos arts. 191º e 202º do CPP, por não fazer uma ponderação concreta entre as diversas medidas de coacção legalmente previstas e que, em concretização dos princípios constitucionais da excepcionalidade e da necessidade da prisão preventiva conferem a esta medida de coacção um carácter excepcional e subsidiário, também com a consequência da sua revogação e nova aplicação das medidas de coacção antes aplicadas ao recorrente, nos termos do art. 202º/1 e 2 do CPP;

r) A decisão recorrida procura validar a prisão do recorrente afirmando que "as suas condições psicológicas que o Tribunal desconhece, não lhe permitiram qualquer elucidação, que neste acto poderia ter ocorrido";

s) Deste modo a decisão recorrida penaliza o arguido por este exercer um direito ao silêncio, justificado pelo elementos já alegados e que lhe é conferido pela lei, assim, violando o disposto no art. 61º/1/c do CPP;

t) A decisão que manteve a prisão preventiva é, pois, igualmente ilegal, devendo por isso ser revogada e o arguido restituído imediatamente à liberdade, na situação de sujeição a termo de identidade e residência e às demais medidas que lhe foram impostas e que sempre cumpriu escrupulosamente, nos termos do art. 212º/1/a e 2 do CPP;

u) Por todo o exposto, a prisão ilegal ora em causa consubstancia ainda uma violação dos princípios atinentes ao direito à liberdade e à segurança e à obrigatoriedade da prisão se conformar com um procedimento legal, tal como constam do art. 5º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

VIII - EXTRACTO DO DESPACHO INTERLOCUTÓRIO DE 3 DE AGOSTO DA SENHORA JUÍZA DESEMBARGADORA DE TURNO (ISABEL PAIS MARTINS) PROFERIDO NO RECURSO DE JOSÉ VITORIANO (EM TUDO IDÊNTICO AO DE JOSÉ BRAGA GONÇALVES)

O recurso aos meios de coacção em processo penal respeita os princípios da legalidade, necessidade, adequação e proporcionalidade como emanação do princípio constitucional da presunção da inocência do arguido, contido no artigo 32º, nº 2, da Constituição.

O artigo 191º, nº 1, do CPP, ao mesmo tempo que consagra o princípio da legalidade ou da tipicidade das medidas, afirma o princípio da sua necessidade ao estatuir que "a liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar".

Os princípios constitucionais da excepcionalidade e da necessidade da prisão preventiva (artigos 27º, nº 3 e 28º, nº 2) conferem à mais gravosa das medidas de coacção uma natureza excepcional, não obrigatória e subsidiária, consagrada no nº 2 do artigo 193º do CPP.

Esta natureza significa que a aplicabilidade da prisão preventiva se restringe aos casos em que, verificados qualquer dos requisitos gerais do artigo 204º e o requisito especial do artigo 202º, ambos do CPP, as restantes medidas de coacção se mostram inadequadas ou insuficientes.

O juiz, face ao caso concreto, tem de decidir, em prudente critério, sobre a necessidade da prisão preventiva, impondo-se a "necessidade da injustiça de uma prisão antes do julgamento quando se mostrem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção, quando não baste a imposição ao arguido de outro tipo de restrições à sua liberdade ou à sua esfera jurídica".1

Se os autos de recurso contêm os elementos necessários à decisão da questão da invocada nulidade do despacho recorrido, o mesmo não se verifica quanto à questão fulcral da pretendida revogação da medida de prisão preventiva aplicada ao recorrente.

Com efeito, para a decisão desta última questão importa averiguar, em primeiro lugar, se existem indícios da prática pelo recorrente de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a três anos, depois, se se verifica em concreto algum, ou alguns, dos requisitos gerais de aplicação de medidas de coacção, à excepção da que se contém no artigo 196º do CPP, por fim, se apenas a prisão preventiva se revela adequada e suficiente, no caso.

Se se pode considerar fortemente indiciado o requisito especial de aplicação da medida, os autos não revelam, de forma suficiente, a verificação dos requisitos gerais nem que as restantes medidas de coacção se mostram inadequadas e insuficientes.

Neste aspecto, não pode deixar de salientar-se que o despacho recorrido se mostra pouco esclarecedor na medida em que não observou a exigência de fundamentação, com a enunciação dos motivos de facto da decisão, que, se em geral já resultava do disposto no artigo 97º, nº 4, do CPP, foi reafirmada na actual redacção do nº 3 do artigo 194º, do mesmo diploma, para o despacho de aplicação de medidas de coacção.

Porém, não se pode afirmar, desde já, que não se verificam, em concreto, os requisitos gerais de aplicação de medidas de coacção, nem que outras medidas de coacção que não a prisão preventiva são suficientes e adequadas no caso, na medida em que os autos de recurso não se mostram instruídos com certidão de todas as peças processuais que se mostram necessárias à boa decisão da causa, como antes foi sendo destacado à medida em que se analisavam os elementos que acompanharam o recurso.

Entende-se necessário à decisão da causa o conhecimento das seguintes peças:

- despacho de 13 de Abril de 2000, versão integral;

- interrogatório do recorrente de 14 de junho de 2001 e eventuais elementos, designadamente documentais, que confirmem ou infirmem as declarações prestadas;

- interrogatórios dos arguidos referidos no despacho recorrido de 12 de Junho de 2001 - a identificar pela Exma. Juiz, enquanto evidenciadores dos requisitos gerais de aplicação de medidas de coacção, como ali se invoca

Entende-se, ainda, necessário à boa decisão saber se os factos alegados no requerimento da assistente de 23 de Janeiro de 2001 foram de qualquer modo corrobados ou infirmados pela realização de diligências posteriores, na sua sequência.

Entende-se também que poderá assumir relevância o conhecimento:

- do documento que foi junto pelo recorrente com a motivação de recurso,

- do requerimento apresentado pelo recorrente em 15 de Junho de 2001 e do despacho judicial que o indeferiu,

- do documento mencionado pelo recorrente na sua motivação, de pagamento de 8 000 000$00 à Dinensino, que refere encontrar-se a fls. 10772.

- do requerimento do recorrente de fls. 10633, referido pelo Ministério Público na sua promoção de 12 de Fevereiro de 2001.

Nos termos expostos, com cópia deste despacho, solicite à 1ª instância, a fim de instruir o apenso de recurso, certidão donde constem as peças processuais antes mencionadas - legíveis e devidamente identificadas -, e onde seja certificado narrativamente a que interrogatórios se refere o despacho de 12 de Junho de 2001 e se foram realizadas quaisquer diligências ou obtidos quaisquer outros elementos na sequência do requerimento da assistente de 23 de Janeiro de 2001 sobre os factos nele aduzidos e, em caso, afirmativo, cópia deles.

Solicite, ainda, a maior brevidade no cumprimento.

Notifique

1 - JOÃO CASTRO E SOUSA, "Os meios de coacção no novo Código de Processo Penal", Jornadas de Direito Processual Penal, Livraria Almedina, Coimbra, 1986, p. 152.

IX - ACÓRDÃO DE 7 DE AGOSTO DE 2001 PROFERIDO NO RECURSO DE JOSÉ BRAGA GONÇALVES (OS OUTROS TRÊS RECURSOS DE JOÃO BRAGA GONÇALVES, ESMERALDO AZEVEDO E JOSÉ VITORIANO MERECERAM ACÓRDÃOS IDÊNTICOS) - RELATORA: JUÍZA DESEMBARGADORA MARGARIDA VIEIRA DE ALMEIDA

1. José António Braga dos Reis Gonçalves veio interpor recurso dos despachos de 12.06.01 e de 14.06.2001 nos quais foi decidido aplicar ao arguido a medida de coacção de prisão preventiva.

Em síntese, conclui que

...o despacho de 12.06.2001 ... bem como o de 14.06.2001 não evidenciam quaisquer factos que possam fundamentar a alteração das medidas de coacção...

...da instrução não resultaram factos que consubstanciassem a alteração dos que já eram imputados na acusação...

...os despachos recorridos são ilegais por falta de fundamentação...

...não indicam quaisquer circunstâncias concretas em razão dos factos e da personalidade do arguido, não permitem pelos seus termos que o interessado conheça as razões determinantes que a decisão encerra...

...não refere um só facto que fundamente o perigo de perturbação do inquérito ou da continuação da actividade criminosa...

Devem, pois, ser revogados...

1. O MºPº conclui em sentido contrário.

2. Vejamos:

A questão objecto do presente recurso é, em síntese, a de saber se os despachos recorridos são nulos por falta de fundamentação ou se, ao invés, estão fundamentados e os factos são suficientes para representar uma alteração de circunstâncias com consequente alteração da medida de coacção imposta.

O arguido José António Braga dos Reis Gonçalves está acusado pelo MºPº da prática de um crime de associação criminosa p.p. pelo artº 299ø, nº 1 e 3 do Código Penal, de um crime de administração danosa p.p. pelo artº 235ø do C. Penal, com referência aos artºs 3ø e 63ø do C. Cooperativo, aprovado pelo DL 454/80, de 9.10., e de 65 crimes de apropriação ilicita, com referência ao abuso de confiança, p.p. pelo artº 234ø e artº 205ø no 1 b) todos do C.Penal, 5 crimes de falsificação de documento p.p. pelos artºs 256ø, nº 1 al. a) e b) do C.Penal, 2 crimes de burla qualificada p.p. pelos artºs 217ø, nº 1 e 218ø, nº 2 a) e c) do Código Penal e de um crime de corrupção activa p.p. pelo artº 374ø do C.Penal.

Vejamos:

No despacho de 12 de Junho de 2001 que o recorrido veio pôr em causa, entendeu a Mma Juiz que ..."o despacho judicial de fls. 7166 e 7167 considerou adequadas medidas de coacção não privativas da liberdade após a realização de interrogatórios judiciais.

No decurso do inquérito, os indícios dos factos constantes do aludido despacho consolidaram-se e reforçaram-se na acusação deduzida (sublinhado nosso), considerando-se, após a abertura de instrução... que as medidas impostas são manifestamente insuficientes para acautelar os perigos a que aludem as alíneas b) e c) do artº 204ø do C.P.P.

Com efeito, existe perigo para a aquisição, conservação ou veracidade (idem) da prova. Mais existe perigo de continuação da actividade criminosa, o que resultou evidenciado nos interrogatórios dos arguidos..."

Foram estes os fundamentos da decisão de 12 de Junho de 2001, depois reforçada pela decisão de dia 14 de Junho, dia em que o arguido foi ouvido.

E, ressalta, desde logo, que essa decisão não considerou consolidados e reforçados os indícios "tout cour" como vem alegado no recurso. Antes remeteu para factos concretos, ainda que não discriminados no despacho por comodidade, dado o volume dos autos e o tamanho da acusação, mas bem conhecidos do recorrente pois constavam da acusação que já lhe havia sido notificada e relativamente à qual (aos factos nelas descritos, bem entendido) viera requerer, em tempo, a abertura de instrução.

Ora, se os factos eram já conhecidos do arguido e ora recorrente, desnecessário se tornava enumerá-los exaustivamente e a fundamentação expendida era (é!) suficiente para que o recorrente pudesse entender (ainda que não concordando) os motivos aduzidos pela Mma Juíza para ordenar a sua prisão preventiva .

Concluído que está que o despacho de 12 de Junho de 2001 não padece de falta de fundamentação, cumpre agora analisar se se verificaram circunstâncias posteriores que justifiquem a alteração da medida de coacção imposta.

A enumeração das despesas efectuadas pelos arguidos e indevidamente pagas pela Dinensino abrangia ainda os gastos feitos com a Amostra e ainda com as participações na Média Capital, (205 000 000$00) Prodiário, grupo Euronotícias, etc.

De todos estes factos, fácil se torna retirar a ideia de que a Mma Juiz ao analisar o requerimento de abertura de instrução apresentado se apercebeu da insuficiência das medidas impostas designadamente no que concerne à garantia da conservação e veracidade da prova recolhida.

Daí o despacho proferido em 12.06.2001, que refere expressamente que os factos que determinam a alteração das medidas impostas são os constantes da acusação, portanto já conhecidos dos arguidos, préviamente notificados da mesma.

Ainda assim, entendeu a Mma Juiz ouvir os arguidos em 14.06.2001, e, nessa ocasião, os arguidos pronunciaram-se sobre a medida imposta, bem sabendo então que os factos que justificavam tal alteração eram, segundo a Mma JIC, os constantes da acusação, ou seja, factos que já eram do seu conhecimento e em relação aos quais já haviam até pedido a abertura de instrução.

Não foi violado qualquer direito do contraditório, nem foi coartado qualquer direito de defesa aos arguidos, antes foram notificados da acusação e só após a apresentação do requerimento de instrução e ao analisar os fundamentos do mesmo, se decidiu que aqueles factos justificavam uma alteração da medida.

Ora, as medidas de coacção devem obedecer aos princípios da adequação e da proporcionalidade, ponderadas ainda a gravidade dos ilícitos e as sanções que previsivelmente podem vir a ser aplicadas.

A prisão preventiva só pode ser aplicada quando se revelarem inadequadas e insuficientes as outras medidas de coacção, o que é o caso dos autos.

Nesta apreciação, são tidos em conta não só os direitos dos arguidos mas ainda os direitos dos restantes elementos que integram a sociedade de que todos fazem parte e em relação à qual também, têm pelas Convenções Internacionais que invocam, deveres, que não só direitos.

Os ilícitos indiciados nos autos pelos elevados montantes que atingiram, pelo que significaram na vida de todos os jovens que apostaram na Universidade, pela repercussão social de que se revestem e pelo perigo que toda esta actuação parece revestir na conservação e veracidade da prova recolhida são de molde a justificar a alteração da medida imposta.

Por outro lado, os arguidos já haviam sido interrogados e foram-no novamente.

Os despachos recorridos são suficientemente esclarecedores, quando conjugados com a acusação, peça processual para a qual remetem, para justificar a alteração da medida.

E, repete-se, já eram do conhecimento dos arguidos que até requereram abertura de instrução.

Não estão, pois, eivados de nenhum dos vícios apontados e são de manter.

5. Nestes termos, acordam em conferência em negar provimento ao recurso interposto daqueles dois despachos que se mantêm na íntegra.

É devida taxa de justiça que se fixa em 10 Ucs.

Notifique.

X - SEGUNDO PEDIDO DE HABEAS CORPUS

Tribunal da Relação de Lisboa

9ª Secção - Proc. nº 9095/01

3ª Secção - Proc. nº 9097/01

3ª Secção - Proc. nº 9096/01

3ª Secção - Proc. nº 9098/01

Exmo. Senhor Presidente

do Supremo Tribunal de Justiça

JOSÉ ANTÓNIO BRAGA DOS REIS GONÇALVES, JOÃO MANUEL BRAGA DOS REIS GONÇALVES, JOSÉ MANUEL E MAFRA DE SOUSA VITORIANO e ESMERALDO ROSA MONTEIRO DE AZEVEDO, arguidos nos autos à margem indicados, vêm, ao abrigo do art. 31º da Constituição e do art. 222º do C.P.P., requerer que lhes seja concedida a providência de habeas corpus, nos termos e com os fundamentos seguintes:

SUMÁRIO

I - PRESSUPOSTO DE FACTO E FUNDAMENTO JURÍDICO

II - OS FACTOS

III - ADMISSIBILIDADE DA PROVIDÊNCIA

IV - ERRO GROSSEIRO NA APLICAÇÃO DO DIREITO

I - PRESSUPOSTO DE FACTO E FUNDAMENTO JURÍDICO

1- O pressuposto de facto deste habeas corpus é a prisão efectiva e actual dos 4 arguidos, como deve ser atestado pelo Tribunal da Relação, nos termos do art. 223º nº 1 do C.P.P., uma vez que ainda aí se encontram os autos de recurso à margem indicados, cujos respectivos acórdãos determinam o presente pedido.

2- O seu fundamento jurídico são os erros grosseiros na aplicação do direito praticados pelos acórdãos de 7 de Agosto proferidos nos autos de recurso à margem indicados, os quais negaram provimento aos recursos interpostos e mantiveram a prisão preventiva dos arguidos, que havia sido ordenada a 12 de Junho e confirmada a 14 de Junho, no âmbito do proc. nº 2971/99.9TDLSB do 1º Juízo A do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, o que se inscreve no âmbito do art. 31º nº 1 da Constituição e do art. 222º nº 1 e nº 2 al. b) do C.P.P.

II - OS FACTOS

3- Os Requerentes foram constituídos arguidos na fase do inquérito destes autos, tendo sido submetidos às seguintes medidas de coacção:

a) O 1º Requerente à proibição de se ausentar para o estrangeiro sem autorização prévia do tribunal e à proibição de frequentar o espaço referente à Dinensino/UM;

b) O 2º Requerente a caução no montante de 1.000.000$00;

c) O 3º Requerente a caução no montante de 1.000.000$00;

d) O 4º Requerente a termo de identidade e residência (cf. Doc. 1, que não abrange o 4º Requerente atenta a natureza da medida a que este estava submetido).

Os Requerentes cumpriram escrupulosamente as medidas a que foram sujeitos, não lhes tendo sido imputado pelo tribunal qualquer incumprimento das mesmas.

4- O processo encontra-se na fase de instrução.

No passado dia 12 de Junho de 2001, o Tribunal de Instrução Criminal ouviu Esmeraldo Azevedo, ora 4º Requerente, Manuel Ramos Vaz e António Sousa Lara, todos arguidos.

Até ao momento da interposição dos recursos a que se referem os acórdãos de 7 de Agosto, foi vedado aos arguidos e aos mandatários o direito a consultar tais declarações (a não ser as do 4º Requerente a que o próprio naturalmente teve acesso), sob a alegação que o processo estaria em segredo de justiça, como mais à frente se indica.

Contudo, posteriormente, os arguidos vieram a ter acesso a essas declarações, que ora se juntam como Doc. 2.

Como decorre do seu teor, os arguidos ouvidos limitaram-se a confirmar o já anteriormente declarado, acrescido de alguns esclarecimentos, não referindo nenhum facto que possa ter qualquer relação - mesmo que remota - com os requisitos gerais da prisão preventiva referidos no art. 204º do C.P.P.

5- Encerrada essa diligência, a Senhora Juíza lavrou o seguinte despacho:

Os arguidos José António Braga dos Reis Gonçalves, João Manuel Braga dos Reis Gonçalves, José Manuel e Mafra de Sousa Vitoriano e Esmeraldo Rosa Monteiro de Azevedo estão acusados da prática de crimes de associação criminosa, administração danosa e apropriação ilícita p. e p. pelos arts. 299º nº 1 e 3 do C. Penal; 234º e 205º nº 1 al. b; 374º e 235º do referido diploma (este último por referência ao Código Cooperativo).

O despacho judicial de fls. 7166 e 7167 considerou adequadas medidas de coacção não privativas da liberdade, após a realização de interrogatórios judiciais.

No decurso do Inquérito, os indícios dos factos constantes do aludido despacho consolidaram-se e reforçaram-se na acusação deduzida, considerando-se, após a abertura da Instrução, nos termos dos arts. 286º e seguintes do C.P.P., que as medidas impostas são manifestamente insuficientes para acautelar os perigos, a que aludem as alíneas b) e c) do art. 204º do C.P.P.

Com efeito existe perigo para a aquisição, conservação, ou veracidade da prova. Mais existe perigo de continuidade de idêntica actividade criminosa, o que resultou evidenciado nos interrogatórios dos arguidos1 que prestaram declarações neste tribunal.

Assim, ao abrigo do disposto nos arts. 191º nº 1, 192º, 193º, 202º nº 1 al. a) e referido 204º al. b) e c) todos do C.P.P. determino a prisão preventiva de:

a) José António Braga dos Reis Gonçalves

b) João Manuel Braga dos Reis Gonçalves

c) José Manuel de Sousa Vitoriano

d) Esmeraldo Rosa Monteiro de Azevedo

Passe mandados de captura e entregue ao MPº, para cumprimento (cf. Doc. 3).

6- A partir do final da manhã de 14 de Junho, dia feriado, os mandatários dos arguidos começaram a ser contactados por telefone e telemóvel a fim de estarem presentes numa diligência de inquirição dos arguidos presos, a realizar às 15,30h desse dia, que se efectuou.

Os arguidos prestaram as seguintes declarações, nada mais lhes tendo sido perguntado:

a) O arguido João Manuel Braga dos Reis Gonçalves:

Que confirma as suas declarações prestadas a fls. 7124, 7125, que neste momento lhe foram integralmente lidas, excepto no que diz respeito ao seu vencimento, pois houve uma alteração, auferindo agora 340 mil escudos mensais, uma vez que é empregado do restaurante e na altura foi admitido como relações públicas.

Não se dedica a qualquer outra actividade. Os seus referidos dois filhos tem quatro e cinco anos. O filho da sua esposa tem dezoito anos e vivem todos em economia comum.

Mais esclarece que os seus dois filhos frequentem um colégio perto de casa. O filho da sua esposa estuda direito na Universidade Moderna.

Questionado sobre a aquisição da casa na Quinta da Marinha, disse que tal ocorreu a insistências do seu irmão, que entendia que o declarante devia deixar de viver na casa onde vivia e que a realização do contracto relativo ao empréstimo, decorreu nas instalações da Dinensino.

Deixou de trabalhar para a Dinensino em Janeiro de 99, quando começaram a sair as primeiras notícias nos jornais. Durante o tempo que trabalhou para a Dinensino tinha um vencimento mensal de cerca de 600 mil escudos, estando-lhe também atribuídos os dois referidos cartões de crédito, para despesas correntes e de representação (cf. Doc. 4).

b) O arguido José Manuel e Mafra de Sousa Vitoriano:

Que confirma as declarações prestadas em 13.04.2000 que neste momento lhe foram integralmente lidas, esclarecendo que leccionava também na Universidade, nas disciplinas de História Económica e Social e Economia Política, dando aulas em Setúbal num turno à noite e também em Lisboa.

A atribuição de remuneração pelas aulas era de 6.740$00 por hora, do qual resultava uma média mensal de cerca de 170 contos, estando-lhe também atribuído um veículo automóvel da marca Mercedes e um telemóvel, devido às suas funções de Secretário Geral da Universidade.

Em Outubro de 2000 deixou de ser Secretário Geral da Universidade bem como ali deixou de exercer a docência estando presentemente, como aliás já tinha iniciado em 1999 um doutoramento em Espanha na Universidade da Estremadura, bem como estando na fase de finalização de uma tese de mestrado, no ISCSP, sito na Junqueira.

Vive com ajuda de familiares, nomeadamente as suas duas irmãs e seus pais, e a casa onde actualmente reside e que indicou é de uma das suas irmãs.

Na sequência da cessação do vínculo laboral com a Dinensino, em acção judicial ocorreu uma transacção pela qual lhe seria atribuída a verba de 12 mil contos, dos quais oito mil foram imediatamente retidos pela Dinensino, recebendo na altura cerca de 4 mil e estando em dívida com a mesma entidade na ordem dos sete mil contos (cf. Doc. 5).

c) O arguido José António Braga dos Reis Gonçalves:

Que não se encontrava em condições psicológicas para prestar declarações, porque tal como já tinha afirmado em 13.04.2000, e menos neste momento dado a situação em que se encontra de prisão (cf. Doc. 6).

d) O arguido Esmeraldo Rosa Monteiro de Azevedo:

Que nada mais tem a acrescentar ao que já declarou a fls. 10740 e 10741, acrescentando que não tem nada a haver com a Dinensino, ou com a Universidade Moderna (cf. Doc. 7).

8- Terminados tais interrogatórios, a Senhora Juíza deu a palavra ao Ministério Público e aos mandatários dos arguidos, tendo aquele - sem referir qualquer facto concreto em que fundasse o seu pedido - requerido que os arguidos ficassem sujeitos a prisão preventiva e tendo os advogados, entre outras considerações, sustentado a ilegalidade da prisão já decretada.

Como já atrás se referiu, foi vedada aos advogados presentes a possibilidade de consultar as declarações dos arguidos prestadas durante a instrução, para as quais remetia quer o despacho que ordenara a prisão, quer a promoção do Ministério Público acabada de proferir, tendo sido invocado que o processo estava em segredo de justiça.

O mandatário do primeiro Requerente formalizou esse pedido na acta, o qual foi indeferido:

Requerimento - "que pretendia ter acesso aos interrogatórios a que se refere o despacho que determinou a prisão preventiva do arguido, e a promoção do Ministério Público, uma vez que carece de ter acesso a esses documentos para se poder pronunciar sobre os mesmos e sobre a promoção no Ministério Público, o que requer que V. Exa lhe autorize".

Despacho - "ao abrigo do disposto no art. 86º nº 1 conjugado com o disposto no art. 287º nº 1 al. b) do C.P.Penal, indefiro o requerido" (cf. Doc. 8, fls. 10789 do proc. principal).

9- Em seguida, a Senhora Juíza, após fazer uma rápida súmula da tramitação processual ocorrida após 12/06/01, manteve a prisão preventiva dos arguidos, nos seguintes termos e fundamentos:

De acordo com o disposto no art. 286º do CPPenal conjugado com o disposto no art. 194º nº 1, entende-se que para aplicação de medidas de coacção na fase instrutória não há necessidade de se verificarem novos factos, mas que seja evidenciado após o 1º despacho judicial que fixou medidas de coacção que as condutas, que já se indiciavam e que vieram a ser investigadas no decurso do inquérito e que mais se evidenciaram no decurso da instrução, com todos os documentos posteriores juntos aos autos, que as condutas de cada um dos arguidos, são de tal modo graves que fazem mais do que, no início do inquérito, recear pela verificação dos perigos a que alude o disposto no art. 204º do CPPenal.

Essa constatação resultou tanto mais evidente, após o disparo mediático que ocorreu a partir de 12.06.01, considera-se que a partir daí começaram a ser usados os meios de informação, em manifesta pressão sobre decisões judiciais.

Concretamente relativamente a João Braga Gonçalves, o s

Caso Moderna

Peças processuais relativas à prisão preventiva dos arguidos

I - DESPACHO DA JUÍZA DE DIREITO MARIA EMÍLIA COSTA, DE 14 DE ABRIL DE 2000, QUE FIXA AS MEDIDAS DE COACÇÃO AOS ARGUIDOS

Indiciam fortemente os autos a prática pelo arguidos Júlio Gonçalves, José Braga Gonçalves, João Braga Gonçalves e José Vitoriano de um crime de administração danosa, p.p. pelo artº 235ø do CP, de vários crimes de apropriação, pp pelo artº 234ø do CP, vários crimes de abuso de confiança, p.p. pelo artº 205 nº 1 e 4º alínea b) do CP e ainda, menos fortemente, pelos arguidos Júlio Gonçalves e José Braga Gonçalves de um crime de corrupção activa p.p. pelo artº 374 do CP., e também menos fortemente, pelo arguido José Vitoriano e José Braga Gonçalves de um crime de branqueamento de capitais p.p. pelo artº 2º nº 1 al. a) do Decreto Lei nø 325/95 de 2 de Dezembro com referência ao artº 1º nø 1 da Lei 36/94, de 29.09.

Através da prova carreada para os autos até momento resulta fortemente indicada a utilização de dinheiro desviado da Dinensino/UM em gastos pessoais dos arguidos ou, designadamente no caso do arguido Júlio Gonçalves, na permissão que os demais arguidos se apropriassem dessas verbas. Tais factos resultam designadamente na investigação apurada em contas bancárias e movimentos bancários dos ora interrogados, quer dos demais arguidos já constituídos nestes autos, quer ainda das contas da Dinensino/UM e outras empresas. Apurou-se esse desvio de verbas quer relativamente à facturação, manifestamente exagerada na realização de obras na UM, quer relativamente à facturação exagerada em gastos publicitários, quer na aquisição de um Ferrari ao arguido José Braga Gonçalves, quer na história mal explicada de um empréstimo que a Dinensino concedeu ao arguido Vitoriano para pagamento de um sinal de contrato promessa para compra de um imóvel, compra essa que nunca se veio a realizar, tendo o referido arguido Vitoriano sido reembolsado dos montantes entregues à promitente compradora sem que apesar disso devolvesse tais montantes à Dinensino.

Existem ainda a situação da compra do apartamento nas Amoreiras, onde o arguido José Braga Gonçalves actualmente reside, e a utilização de cerca de 40 milhões de escudos da Dinensino para utilização pessoal dos arguidos José e João Braga Gonçalves de acções da Condessa e Ferreira.

Afigura-se-nos existir em concreto, perigo de continuação da actividade criminosa relativamente ao arguido Júlio Gonçalves, em virtude de o mesmo continuar a exercer funções na Direcção da Dinensino, mantendo situações de privilégio relativamente aos arguidos José Braga Gonçalves e João Braga Gonçalves, apesar dos mesmos já não exercerem qualquer cargo quer na Dinensino quer na UM; relativamente ao arguido José Vitoriano, em virtude do mesmo exercer funções na UM e continuar a não lhe ser cobradas as verbas que inexplicavelmente recebeu e se apropriou e relativamente aos arguidos José Braga Gonçalves e João Braga Gonçalves em virtude dos mesmos continuarem a assistir a gastos pessoais serem pagos pela Dinensino, apesar de formalmente se encontrem afastados desta.

Afigura-se-nos também ainda que de uma forma mais ténue a existência de algum perigo de fuga relativamente ao arguido JBG em virtude do mesmo cada vez mais se encontrar numa situação de quebra dos laços com Portugal, designadamente pelo divórcio que se encontra a correr quer pela situação de desemprego que se vem prolongando.

Quanto aos demais arguidos não se nos afigura a existência deste perigo tanto mais que é preciso ter em atenção que a presente investigação em 5/02/99 e que mais de um ano decorrido, nada fez, prevê ou supôs, a fuga de tais arguidos.

Também relativamente ao perigo de perturbação do decurso do inquérito designadamente para aquisição ou conservação da prova se nos afigura que o mesmo em concreto não existe, tanto mais que com o decurso de presente investigação inúmera diligência foram feitas que permitiram a apreensão de diversos documentos, sendo aliás de prever que decorridos tanto tempo, toda a documentação que ainda não foi apreendida provavelmente já não existirá.

Em face do exposto afigura-se-nos que relativamente a todos os arguidos os perigos que se verificam poderão ser acautelados sem o recurso à medida mais gravosa ou seja de prisão preventiva.

Nesta conformidade e por se entender como adequada e proporcional determina-se:

a) Que os arguidos João Braga G. e José Vitoriano aguardará os ulteriores termos do processo na prestação de caução no montante de 1.000 contos nos termos dos artº 191º a 193ø, 197º e 204º do CPP

b) Que o arguido José Braga Gonçalves aguarde os ulteriores termos do processo sujeito à medida de proibição de se ausentar para o estrangeiro sem autorização prévia do tribunal e da proibição de frequentar o espaço referente à Dinensino/UM (artº 191º a 193ø, 200 nº 1 a) e d) e 204ø a) e c) do CPP) e

c) Que o arguido Júlio Gonçalves aguarde os ulteriores termos do processo sujeito à medida de prestação de caução a prestar no prazo de 5 dias no montante de mil contos e à medida de suspensão do exercício de qualquer cargo de Direcção na Dinensino (artº 191º a 193ø 197, 199 nº 1 e 204 c) do CPP)

d) O arguido José BG deverá proceder à entrega do seu passaporte no prazo de 5 dias, devendo os Serviços de Estrangeiros ser informados do presente despacho.

e) À Direcção da Dinensino deve ser comunicada a suspensão de funções de Júlio Gonçalves.

II - DESPACHO DA JUÍZA DE DIREITO CONCEIÇÃO OLIVEIRA, DE 12 DE JUNHO DE 2001, QUE ORDENA A PRISÃO PREVENTIVA

Os arguidos José António Braga dos Reis Gonçalves, João Manuel Braga dos Reis Gonçalves, José Manuel e Mafra de Sousa Vitoriano e Esmeraldo Rosa Monteiro de Azevedo estão acusados da prática de crimes de associação criminosa, administração danosa e apropriação ilícita p. e p. pelos arts. 299º nº 1 e 3 do C. Penal; 234º e 205º nº 1 al. b; 374º e 235º do referido diploma (este último por referência ao Código Cooperativo).

O despacho judicial de fls. 7166 e 7167 considerou adequadas medidas de coacção não privativas da liberdade, após a realização de interrogatórios judiciais.

No decurso do Inquérito, os indícios dos factos constantes do aludido despacho consolidaram-se e reforçaram-se na acusação deduzida, considerando-se, após a abertura da Instrução, nos termos dos arts. 286º e seguintes do C.P.P., que as medidas impostas são manifestamente insuficientes para acautelar os perigos, a que aludem as alíneas b) e c) do art. 204º do C.P.P.

Com efeito existe perigo para a aquisição, conservação, ou veracidade da prova. Mais existe perigo de continuidade de idêntica actividade criminosa, o que resultou evidenciado nos interrogatórios dos arguidos que prestaram declarações neste tribunal.

Assim, ao abrigo do disposto nos arts. 191º nº 1, 192º, 193º, 202º nº 1 al. a) e referido 204º al. b) e c) todos do C.P.P. determino a prisão preventiva de:

- José António Braga dos Reis Gonçalves

- João Manuel Braga dos Reis Gonçalves

- José Manuel de Sousa Vitoriano

- Esmeraldo Rosa Monteiro de Azevedo

Passe mandados de captura e entregue ao MPº, para cumprimento

III - AUTOS DE INTERROGATÓRIO PARA ONDE REMETE O DESPACHO DE 12 DE JUNHO DE 2001

DE ESMERALDO ROSA MONTEIRO DE AZEVEDO, devidamente identificado a fls. 8929 dos autos.

Quanto aos seus antecedentes criminais disse: que nunca respondeu nem esteve preso.

Perguntado se queria responder sobre os factos que lhe são imputados respondeu que sim, o que passou a fazê-lo da seguinte forma:

À matéria dos autos disse:

Confrontado com os factos articulados no requerimento de instrução sobre os nºs 335, confirmou os mesmos, nomeadamente, que nunca teve conhecimento que os cheques que assinava viessem a ser utilizados para fins estranhos à Cooperativa, em benefício de José Braga Gonçalves ou de qualquer outra pessoa.

Confrontado com os factos articulados sob os nºs 342 a 345, 346 e 347, 360 a 365, 418 a 427, 430 e 431, 435 a 437, 439 e 440, 473 a 476, 477 a 483, confirmou os mesmos, acrescentando que os documentos a que se refere foram juntos aos autos após ter prestado declarações a primeira vez neste processo.

Confrontado com os artigos nºs 484 a 488, 489, 490, 491, 493, 494, 495, 496, 497, 498, 500, 501, 502, 503, 504, 505, 27 a 32, 33 a 36, confirmou os mesmos.

E mais não disse nem lhe foi perguntado.

DE MANUEL JOAQUIM SANTOS RAMOS VAZ, devidamente identificado a fls. 8929 dos autos.

Quanto aos seus antecedentes criminais disse: que nunca foi julgado nem esteve preso.

Perguntado se queria responder sobre os factos que lhe são imputados respondeu que sim, o que passou a fazê-lo da seguinte forma:

À matéria dos autos disse: Confrontado com os factos articulados nos artigos 10º a 12º disse confirmar os mesmos. Confrontado com os factos articulados nos arts. 14º, 17º, 18º, 23º, 24º, 25º, confirma os mesmos, acrescentando que o atraso referido se deveu à reformulação da Direcção Administrativa e Financeira e ainda disse que o facto de terem sido elaboradas nessa data se deveu a uma forte pressão que exerceu, de acordo com as funções que lhe estavam cometidas para que os prazos fossem cumpridos, acrescentado ainda que, ao que sabe, as contas de 1998 ainda não foram encerradas.

Confrontado relativamente aos arts. 55º e 56º e 59º, disse confirmar os mesmos, acrescentando que segundo o que lhe teria sido dado saber a avença auferida anteriormente seria na ordem dos quatrocentos e cinquenta mil escudos.

Questionado sobre a razão pela qual aceitou receber uma avença substancialmente inferior disse que o fez, por tal resultar do seu estatuto.

Confrontados com os arts. 66º, 77º, 78º, 79º, 89º, 90º, 91º, confirmou os mesmos.

Confrontado com o teor do art. 107º, nº 3, 8, 12, 13 e 14, confirmou os factos.

Trabalhou também como professor para a Dinensino desde o ano 1992 até 1999, dando aulas de Contabilidade analítica e de contabilidade geral nos anos de 92, 93 e só de C.G. depois desta data.

Dava aulas em diferentes horários e ao que consegue precisar neste momento auferia Esc. 6.200$00 por hora.

E mais não disse nem lhe foi perguntado.

DE ANTÓNIO COSTA DE ALBUQUERQUE DE SOUSA LARA, identificado a fls. 8929 dos autos.

Quanto aos seus antecedentes criminais disse: que nunca foi julgado nem esteve preso.

Perguntado se queria responder sobre os factos que lhe são imputados respondeu que sim, o que passou a fazê-lo da seguinte forma:

À matéria dos autos disse: Confrontado com os factos articulados nos artigos 27º a 30º, 33º a 36º, 167º a 170º, 172º a 174º, 218º e 219º, 222º a 225º, 226º e 227º, 237º, 238º e 239º, conforma os mesmos.

Confirma os factos articulados nos arts. 244º, acrescentando que tais acções foram adquiridas à posteriori por Meneses Morais, segundo foi informado pelo banco. Confirma os factos articulados nos arts. 245º, 247º, 248º, 252º, 253º, 254º, 255º, 262º, 263º, 264º.

E mais não disse nem lhe foi perguntado.

IV - DESPACHO DA JUÍZA DE DIREITO CONCEIÇÃO OLIVEIRA, DE 14 DE JUNHO DE 2001, QUE MANTÉM A PRISÃO PREVENTIVA

De acordo com o disposto no art. 286º do CPPenal conjugado com o disposto no art. 194º nº 1, entende-se que para aplicação de medidas de coacção na fase instrutória não há necessidade de se verificarem novos factos, mas que seja evidenciado após o 1º despacho judicial que fixou medidas de coacção que as condutas, que já se indiciavam e que vieram a ser investigadas no decurso do inquérito e que mais se evidenciaram no decurso da instrução, com todos os documentos posteriores juntos aos autos, que as condutas de cada um dos arguidos, são de tal modo graves que fazem mais do que, no início do inquérito, recear pela verificação dos perigos a que alude o disposto no art. 204º do CPPenal.

Essa constatação resultou tanto mais evidente, após o disparo mediático que ocorreu a partir de 12.06.01, considera-se que a partir daí começaram a ser usados os meios de informação, em manifesta pressão sobre decisões judiciais.

Concretamente relativamente a João Braga Gonçalves, o seu interrogatório de hoje mais foi esclarecedor quando questionado sobre alguma matéria declarado no seu 1º interrogatório judicial não apresentou explicações plausíveis para aquisição de bens relativamente a dinheiros e a contractos de empréstimo que decorreram nas próprias instalações da Assistente.

Concretamente quanto ao arguido José Vitoriano os seus factos pessoais de que abandonou as suas funções como secretário geral e como docente é de salientar que tal ocorreu após a sua detenção e libertação em 13.04.00 a ordem destes autos. Ainda que as transacções posteriormente efectuadas com a Dinensino se afiguram irrelevantes para os factos que já tinham ocorrido e que estão descritos na acusação pública, alguns anos antes.

Quanto ao arguido José Braga Gonçalves as suas condições psicológicas que o Tribunal desconhece, não lhe permitiram qualquer elucidação, que neste acto se poderia ter ocorrido.

No que diz respeito ao arguido Esmeraldo de Azevedo as suas declarações prestadas no decurso do interrogatório de 12.06.01, são no entender do Tribunal elucidativas de que sabia e conhecia bem os factos que a acusação pública descreve.

Termos em que ao abrigo das disposições legais citadas no despacho judicial de 10748 e 10749, mantenho a prisão preventiva de José Braga Gonçalves, João Braga Gonçalves, José Vitoriano e Esmeraldo de Azevedo.

V - PRIMEIRO PEDIDO DE HABEAS CORPUS

Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa

1º Juízo - A

Proc. nº 2971/99.9TDLSB

Exmo. Senhor Presidente

do Supremo Tribunal de Justiça

JOSÉ ANTÓNIO BRAGA DOS REIS GONÇALVES, JOÃO MANUEL BRAGA DOS REIS GONÇALVES, JOSÉ MANUEL E MAFRA DE SOUSA VITORIANO e ESMERALDO ROSA MONTEIRO DE AZEVEDO, arguidos nos autos à margem indicados, vêm, ao abrigo do art. 31º da Constituição e do art. 222º do C.P.P., requerer que lhes seja concedida a providência de habeas corpus, nos termos e com os fundamentos seguintes:

SUMÁRIO

I - PRESSUPOSTO DE FACTO E FUNDAMENTO JURÍDICO

II - OS FACTOS

III - ADMISSIBILIDADE DA PROVIDÊNCIA

IV - O ABUSO DE PODER

I - PRESSUPOSTO DE FACTO E FUNDAMENTO JURÍDICO

1- O pressuposto de facto deste habeas corpus é a prisão efectiva e actual dos 4 arguidos, como deve ser atestado pelo Tribunal de Instrução Criminal, nos termos do art. 223º nº 1 do C.P.P..

2- O seu fundamento jurídico é o abuso de poder em que se traduz a ordem de prisão dada a 12 de Junho e mantida a 14 de Junho, o que se inscreve no âmbito do art. 31º nº 1 da Constituição e do art. 222º nº 1 e nº 2 al. b) do C.P.P.

II - OS FACTOS

3- Os Requerentes foram constituídos arguidos na fase do inquérito destes autos, tendo sido submetidos às seguintes medidas de coacção:

a) O 1º Requerente à proibição de se ausentar para o estrangeiro sem autorização prévia do tribunal e à proibição de frequentar o espaço referente à Dinensino/UM;

b) O 2º Requerente a caução no montante de 1.000.000$00;

c) O 3º Requerente a caução no montante de 1.000.000$00;

d) O 4º Requerente a termo de identidade e residência.

Os Requerentes têm cumprido escrupulosamente as medidas a que foram sujeitos, não lhes tendo sido imputado pelo tribunal qualquer incumprimento das mesmas.

4- O processo encontra-se na fase de instrução.

No passado dia 12 de Junho de 2001, o Tribunal de Instrução Criminal ouviu Esmeraldo Azevedo, ora 4º Requerente, Manuel Ramos Vaz e António Sousa Lara, todos arguidos.

Tanto quanto os Requerentes julgam saber, trata-se da única diligência instrutória até ao momento realizada nesta fase processual.

Essa inquirição decorreu da parte da tarde do dia 12 de Junho, tendo terminado cerca das 19h.

Apesar de não terem sido notificados para a diligência, alguns dos mandatários ora signatários estiveram presentes e ouviram os interrogatórios, durante os quais tais arguidos se limitaram a confirmar o já anteriormente declarado, acrescido de alguns esclarecimentos, não referindo nenhum facto que tenha qualquer relação com os requisitos gerais da prisão preventiva referidos no art. 204º do C.P.P.

5- Encerrada essa diligência, a Senhora Juíza lavrou o seguinte despacho:

Os arguidos José António Braga dos Reis Gonçalves, João Manuel Braga dos Reis Gonçalves, José Manuel e Mafra de Sousa Vitoriano e Esmeraldo Rosa Monteiro de Azevedo estão acusados da prática de crimes de associação criminosa, administração danosa e apropriação ilícita p. e p. pelos arts. 299º nº 1 e 3 do C. Penal; 234º e 205º nº 1 al. b; 374º e 235º do referido diploma (este último por referência ao Código Cooperativo).

O despacho judicial de fls. 7166 e 7167 considerou adequadas medidas de coacção não privativas da liberdade, após a realização de interrogatórios judiciais.

No decurso do Inquérito, os indícios dos factos constantes do aludido despacho consolidaram-se e reforçaram-se na acusação deduzida, considerando-se, após a abertura da Instrução, nos termos dos arts. 286º e seguintes do C.P.P., que as medidas impostas são manifestamente insuficientes para acautelar os perigos, a que aludem as alíneas b) e c) do art. 204º do C.P.P.

Com efeito existe perigo para a aquisição, conservação, ou veracidade da prova. Mais existe perigo de continuidade de idêntica actividade criminosa, o que resultou evidenciado nos interrogatórios dos arguidos que prestaram declarações neste tribunal.

Assim, ao abrigo do disposto nos arts. 191º nº 1, 192º, 193º, 202º nº 1 al. a) e referido 204º al. b) e c) todos do C.P.P. determino a prisão preventiva de:

a) José António Braga dos Reis Gonçalves

b) João Manuel Braga dos Reis Gonçalves

c) José Manuel de Sousa Vitoriano

d) Esmeraldo Rosa Monteiro de Azevedo

Passe mandados de captura e entregue ao MPº, para cumprimento

6- A partir das 20h desse dia, os Requerentes foram contactados e presos por agentes da Polícia Judiciária devidamente munidos dos respectivos mandados de captura.

Tratando-se de véspera de um ciclo de feriados e considerando a hora - já depois das 19h - a que terá sido lavrado o despacho que ordenou a prisão, seguido do expediente da emissão de mandados de captura, respectiva assinatura e notificação ao Ministério Público para cumprimento, é de presumir que os agentes da Polícia Judiciária que, poucos minutos depois de lavrado tal despacho, desencadearam uma operação concertada, em vários pontos da cidade, estavam prevenidos e avisados para a necessidade de ter de promover tal acção.

É o que decorre das regras da experiência comum.

De resto, o Expresso, citando "fontes da PJ", refere que "os mandados de captura estariam assinados pela juíza desde as três da tarde, apesar de só terem sido accionados depois das audições de Esmeraldo, Sousa Lara e Manuel Vaz" (cf. Doc. 1).

O Supremo Tribunal de Justiça pode, se julgar necessário, ao abrigo dos poderes previstos no art. 223º nº 4 al. b) do C.P.P., proceder a averiguações destinadas a apurar se, ainda antes do interrogatório dos arguidos, se esperava a prisão dos arguidos, o que tudo indica que aconteceu. E, a confirmar-se, reforça o pedido formulado.

De qualquer forma, esta "factualidade horária" nem é decisiva para o decretamento da providência requerida, já que o abuso de poder invocado decorre, de forma manifesta, dos demais elementos existentes no processo.

7- A notícia da prisão dos arguidos foi amplamente difundida pela comunicação social, tendo alguns dos seus mandatários informado da intenção de recorrer e, eventualmente, de desencadear uma providência de habeas corpus, por se considerar ilegal a ordem de prisão, já que destituída, de forma manifesta, de qualquer suporte factual que a justificasse.

A partir do final da manhã de 14 de Junho, dia feriado, os mandatários dos arguidos começaram a ser contactados por telefone e telemóvel a fim de estarem presentes numa diligência de inquirição dos arguidos presos, a realizar às 15,30h desse dia, que se efectuou.

Os arguidos prestaram as seguintes declarações, nada mais lhes tendo sido perguntado:

a) O arguido João Manuel Braga dos Reis Gonçalves:

Que confirma as suas declarações prestadas a fls. 7124, 7125, que neste momento lhe foram integralmente lidas, excepto no que diz respeito ao seu vencimento, pois houve uma alteração, auferindo agora 340 mil escudos mensais, uma vez que é empregado do restaurante e na altura foi admitido como relações públicas.

Não se dedica a qualquer outra actividade. Os seus referidos dois filhos tem quatro e cinco anos. O filho da sua esposa tem dezoito anos e vivem todos em economia comum.

Mais esclarece que os seus dois filhos frequentem um colégio perto de casa. O filho da sua esposa estuda direito na Universidade Moderna.

Questionado sobre a aquisição da casa na Quinta da Marinha, disse que tal ocorreu a insistências do seu irmão, que entendia que o declarante devia deixar de viver na casa onde vivia e que a realização do contracto relativo ao empréstimo, decorreu nas instalações da Dinensino.

Deixou de trabalhar para a Dinensino em Janeiro de 99, quando começaram a sair as primeiras notícias nos jornais. Durante o tempo que trabalhou para a Dinensino tinha um vencimento mensal de cerca de 600 mil escudos, estando-lhe também atribuídos os dois referidos cartões de crédito, para despesas correntes e de representação.

b) O arguido José Manuel e Mafra de Sousa Vitoriano:

Que confirma as declarações prestadas em 13.04.2000 que neste momento lhe foram integralmente lidas, esclarecendo que leccionava também na Universidade, nas disciplinas de História Económica e Social e Economia Política, dando aulas em Setúbal num turno à noite e também em Lisboa.

A atribuição de remuneração pelas aulas era de 6.740$00 por hora, do qual resultava uma média mensal de cerca de 170 contos, estando-lhe também atribuído um veículo automóvel da marca Mercedes e um telemóvel, devido às suas funções de Secretário Geral da Universidade.

Em Outubro de 2000 deixou de ser Secretário Geral da Universidade bem como ali deixou de exercer a docência estando presentemente, como aliás já tinha iniciado em 1999 um doutoramento em Espanha na Universidade da Estremadura, bem como estando na fase de finalização de uma tese de mestrado, no ISCSP, sito na Junqueira.

Vive com ajuda de familiares, nomeadamente as suas duas irmãs e seus pais, e a casa onde actualmente reside e que indicou é de uma das suas irmãs.

Na sequência da cessação do vínculo laboral com a Dinensino, em acção judicial ocorreu uma transacção pela qual lhe seria atribuída a verba de 12 mil contos, dos quais oito mil foram imediatamente retidos pela Dinensino, recebendo na altura cerca de 4 mil e estando em dívida com a mesma entidade na ordem dos sete mil contos.

c) O arguido José António Braga dos Reis Gonçalves:

Que não se encontrava em condições psicológicas para prestar declarações, porque tal como já tinha afirmado em 13.04.2000, e menos neste momento dado a situação em que se encontra de prisão.

d) O arguido Esmeraldo Rosa Monteiro de Azevedo:

Que nada mais tem a acrescentar ao que já declarou a fls. 10740 e 10741, acrescentando que não tem nada a haver com a Dinensino, ou com a Universidade Moderna.

8- Terminados tais interrogatórios, a Senhora Juíza deu a palavra ao Ministério Público e aos mandatários dos arguidos, tendo aquele - sem referir qualquer facto concreto em que fundasse o seu pedido - requerido que os arguidos ficassem sujeitos a prisão preventiva e tendo os advogados, entre outras considerações, sustentado a ilegalidade da prisão já decretada.

Foi vedada aos advogados presentes a possibilidade de consultar as declarações dos arguidos prestadas durante a instrução, para as quais remetia quer o despacho que ordenara a prisão, quer a promoção do Ministério Público acabada de proferir, tendo sido invocado que o processo estava em segredo de justiça.

O mandatário do primeiro Requerente formalizou esse pedido na acta, o qual foi indeferido:

Requerimento - "que pretendia ter acesso aos interrogatórios a que se refere o despacho que determinou a prisão preventiva do arguido, e a promoção do Ministério Público, uma vez que carece de ter acesso a esses documentos para se poder pronunciar sobre os mesmos e sobre a promoção no Ministério Público, o que requer que V. Exa lhe autorize".

Despacho - "ao abrigo do disposto no art. 86º nº 1 conjugado com o disposto no art. 287º nº 1 al. b) do C.P.Penal, indefiro o requerido".

9- Em seguida, a Senhora Juíza, após fazer uma rápida súmula da tramitação processual ocorrida após 12/06/01, manteve a prisão preventiva dos arguidos, nos seguintes termos e fundamentos:

De acordo com o disposto no art. 286º do CPPenal conjugado com o disposto no art. 194º nº 1, entende-se que para aplicação de medidas de coacção na fase instrutória não há necessidade de se verificarem novos factos, mas que seja evidenciado após o 1º despacho judicial que fixou medidas de coacção que as condutas, que já se indiciavam e que vieram a ser investigadas no decurso do inquérito e que mais se evidenciaram no decurso da instrução, com todos os documentos posteriores juntos aos autos, que as condutas de cada um dos arguidos, são de tal modo graves que fazem mais do que, no início do inquérito, recear pela verificação dos perigos a que alude o disposto no art. 204º do CPPenal.

Essa constatação resultou tanto mais evidente, após o disparo mediático que ocorreu a partir de 12.06.01, considera-se que a partir daí começaram a ser usados os meios de informação, em manifesta pressão sobre decisões judiciais.

Concretamente relativamente a João Braga Gonçalves, o seu interrogatório de hoje mais foi esclarecedor quando questionado sobre alguma matéria declarado no seu 1º interrogatório judicial não apresentou explicações plausíveis para aquisição de bens relativamente a dinheiros e a contractos de empréstimo que decorreram nas próprias instalações da Assistente.

Concretamente quanto ao arguido José Vitoriano os seus factos pessoais de que abandonou as suas funções como secretário geral e como docente é de salientar que tal ocorreu após a sua detenção e libertação em 13.04.00 a ordem destes autos. Ainda que as transacções posteriormente efectuadas com a Dinensino se afiguram irrelevantes para os factos que já tinham ocorrido e que estão descritos na acusação pública, alguns anos antes.

Quanto ao arguido José Braga Gonçalves as suas condições psicológicas que o Tribunal desconhece, não lhe permitiram qualquer elucidação, que neste acto se poderia ter ocorrido.

No que diz respeito ao arguido Esmeraldo de Azevedo as suas declarações prestadas no decurso do interrogatório de 12.06.01, são no entender do Tribunal elucidativas de que sabia e conhecia bem os factos que a acusação pública descreve.

Termos em que ao abrigo das disposições legais citadas no despacho judicial de 10748 e 10749, mantenho a prisão preventiva de José Braga Gonçalves, João Braga Gonçalves, José Vitoriano e Esmeraldo de Azevedo.

10- Os arguidos já interpuseram recurso para o Tribunal da Relação dos supra mencionados despachos de 12 de Junho e 14 de Junho, que determinaram e mantiveram as prisões preventivas, nos termos constantes da certidão requerida a final para instruir a presente providência.

Entretanto, foi-lhes vedada a possibilidade - a fim de preparem os seus recursos - de obter cópia das declarações dos arguidos para que remete o despacho de 12/06/01, como expressamente, a 15/06/01, foi pedido pelo 1º Requerente e, a 18/06/01, foi indeferido pelo tribunal, com fundamento no segredo de justiça.

III - ADMISSIBILIDADE DA PROVIDÊNCIA

11- Tem sido discutido se é admissível a providência da habeas corpus quando a ordem de prisão tem origem em decisão judicial recorrível.

E é sabido que a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem adoptado um critério restritivo de acesso ao instituto do habeas corpus, quando a decisão judicial que determinou a prisão é susceptível de recurso.

Contudo, no caso dos autos, não tem lugar a aplicação dessa jurisprudência que surgiu a propósito de situações que não são as de abuso de poder, como ora é invocado.

12- A Constituição consagra que "haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal" (art. 31º nº 1).

O C.P.P., nos seus arts. 220º e 222º, tipifica as situações que podem determinar o recurso ao habeas corpus.

Entre estas, encontra-se a circunstância de a prisão "ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite" (art. 222º nº 2 al-b)).

13- Do art. 219º do C.P.P. resulta que o recurso ordinário não impede que se lance mão da providência de habeas corpus, desde que preenchidos os requisitos específicos desta.

Nem outra interpretação seria admissível - pelo menos, para as situações de abuso de poder - em face do disposto no art. 31º nº 1 da Constituição.

Seria inconstitucional, o que se deve considerar arguido, o entendimento de que, em caso de abuso de poder por virtude de prisão ilegal, não há lugar a habeas corpus, se a decisão judicial que a determinou é recorrível e/ou se dela está pendente recurso ordinário.

14- Como é que então se deve compatibilizar a possibilidade de um recurso ordinário ser cumulável com o habeas corpus?

Segundo o entendimento dos recorrentes, nem todas as situações de prisão ilegal são susceptíveis de habeas corpus.

E sustentam que a mera ilegalidade do decretamento de uma prisão preventiva, se recorrível, não é fundamento da habeas corpus, porque não se inscreve no âmbito do art. 32º nº 1 da C.R.P. e no art. 222º nº 2 do C.P.P.

Porém, em situações de manifesto abuso de poder, seria intolerável não admitir - sempre e em qualquer caso - o recurso ao habeas corpus, porque essa posição corresponderia a liquidar a história e a natureza do instituto.

Vale a pena citar as palavras de Rodrigues Maximiniano:

A temática do habeas corpus sempre me apaixonou. Trata-se de um instituto pertinente ao homem concreto, não de um exercício de estilo. Atende ao homem, ainda que desprotegido, visando a defesa da sua essência de humano: a sua dignidade (in Direito e Justiça, Vol. XI, 1997, p. 197).

O habeas corpus nasceu - há muitos séculos e por imperativo ético da dignidade humana - para não permitir que o arbítrio do poder - de qualquer poder - possa privar os homens da liberdade.

Assim sendo, havendo abuso de poder, há sempre lugar a habeas corpus.

15- É este o parecer da doutrina.

Germano Marques da Silva escreve:

Basta atentar no carácter extraordinário e urgente da providência relativamente aos prazos estabelecidos por lei para a decisão dos recursos para se ter de considerar que o habeas corpus é uma medida extraordinária e urgente que não pode estar condicionada pela possibilidade de interposição do recurso. (in Curso de Processo Penal II, 1993, pág. 264).

No mesmo sentido, Rodrigues Maximiniano:

É concebível o abuso do poder do próprio juiz, atacado hoje pela providência do habeas corpus e não, como no Código de 1929, apenas pela via do recurso. A decisão judicial de prisão é recorrível e impõe decisão célere, mas, se consubstanciar uma situação de prisão ilegal, de abuso de poder, é impugnável pela providência de habeas corpus. (op. cit. Direito e Justiça, Vol. XI, 1997, pág. 188).

16 - Mas, afinal, é também esta a tese do Supremo Tribunal de Justiça.

Foi assim que os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Fevereiro e 20 de Fevereiro de 1997 expressamente consagraram o seguinte:

Um pedido de habeas corpus respeitante a uma decisão determinada por decisão judicial só poderá ter provimento em casos extremos de abuso de poder ou erro grosseiro de aplicação do direito (BMJ 464,338 e BMJ 464,420).

É, por isso, que os Requerentes entendem que a jurisprudência do S.T.J. - alegadamente restritiva - não tem admitido a cumulação do habeas corpus com o recurso ordinário porque, no geral, não tem sido confrontada com situações de abuso de poder.

Porém, o sentido útil dos arestos acima referidos só pode ser o de que o Supremo Tribunal de Justiça - perante um caso de abuso de poder ou erro grosseiro da aplicação do direito - aceita que, nessa situação-limite, a providência de habeas corpus é sempre admissível.

Isso é mesmo um imperativo do instituto do habeas corpus e do próprio Estado de Direito, que tem de consagrar uma válvula de escape para os casos extremos em que o arbítrio atropela o direito.

17- Quando é que se verifica o abuso de poder que justifica o recurso ao habeas corpus?

Nalguns casos, o fundamento é - por assim dizer - formal. Tem a ver com as situações de prisão ordenada por entidade incompetente ou por estarem ultrapassados prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.

Noutros - mais difíceis de comprovar - quando - de forma manifesta, isto é, que uma apreciação mesmo superficial, por um observador comum, pode verificar - a prisão é decretada com desvio do fim para que está prevista ou, em geral, se existe erro grosseiro na aplicação do direito.

Estas situações - de natureza substancial ou material - são as que se inscrevem no âmbito da al. b) do nº 2 do art. 222º do C.P.P.: "ser motivada por facto pelo qual a lei o não permite". Como acontece com a prisão dos ora Requerentes.

IV - O ABUSO DE PODER

18- A prisão preventiva não decorre de um acto discricionário de um juiz.

A prisão preventiva não é um castigo.

A prisão preventiva não é uma antecipação da pena.

19 - A prisão preventiva depende da existência de indícios da prática de crimes graves, mas só pode ser aplicada nas situações em que haja perigo de fuga, de perturbação do inquérito, da instrução ou da ordem e tranquilidades públicas ou de continuação da actividade criminosa, como resulta do art. 204º do C.P.P..

E tal artigo da lei ordinária não faz mais que responder pela natureza excepcional da prisão preventiva, como o art. 28º nº 2 da Constituição impõe, e decorre da exigência de um processo equitativo, tal como o art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem consagra.

20- Ora, no caso dos autos, de forma manifesta - que qualquer observador comum pode, mesmo numa apreciação superficial, verificar - a Senhora Juíza decretou a prisão preventiva não para assegurar qualquer dos perigos a que alude o art. 204º do C.P.P., mas apenas porque, atendendo aos indícios existentes relativamente aos crimes imputados, entendeu - a seu bel-prazer, segundo um juízo eminentemente subjectivo, sem base legal - que os arguidos deviam estar presos.

É certo que a Senhora Juíza - do ponto de vista formal - decretou a prisão preventiva por, alegadamente, haver perigo para a conservação da prova ou de continuidade da actividade criminosa.

Mas os autos fornecem os elementos que permitem concluir, com toda a segurança, de forma objectiva e de acordo com a experiência comum, que - do ponto de vista material - não foram esses critérios que efectivamente presidiram à decisão da Senhora Juíza.

21- Isso decorre de quatro razões fundamentais.

Primeira:

Nem o despacho de 12 de Junho, nem o de 14 de Junho, referem qualquer - mesmo o mais pequeno, irrelevante ou aparente - facto que fundamente os perigos invocados.

Segunda:

Confrontados os interrogatórios dos arguidos efectuados a 12 de Junho1 - e é a esses que, como único fundamento genérico e

puramente remissivo, se refere o despacho desse dia, como expressamente a Senhora Juíza reconhece a fls. 107922 -, tais declarações limitaram-se a confirmar o que já fora dito no inquérito, acrescido de alguns esclarecimentos, não referindo - manifestamente, como qualquer observador comum pode, mesmo numa apreciação superficial, verificar - nenhum facto que tenha qualquer relação com os requisitos gerais da prisão preventiva referidos no art. 204º do C.P.P.

Terceira:

Por outro lado, a fundamentação concreta da decisão de 14 de Junho, que manteve a prisão preventiva, reporta-se a aspectos dos depoimentos dos arguidos ouvidos nesse dia que nada - manifestamente, nada - têm a ver com os perigos do art. 204º do C.P.P.

Quanto ao primeiro Requerente, assaca-lhe o silêncio a que tem direito. No que respeita ao segundo Requerente, reporta-se a dados que só podem ter a ver com o eventual preenchimento do tipo legal do crime. Relativamente ao terceiro Requerente, refere-se a meras circunstâncias atenuantes do seu comportamento, como seja ter cessado funções na UM e ter devolvido dinheiro à Dinensino. Com referência ao quarto Requerente, limita-se a mencionar o seu conhecimento dos factos que a acusação descreve.

Acresce que, para além das referências concretas atrás mencionadas, a Senhora Juíza apenas se refere a um "disparo mediático", ocorrido a partir de 12/06/01, que, pressionando as decisões judiciais, também contribuiria para que aqueles perigos se adensassem, o que é tão absurdo e despropositado que nem merece contra-alegação.

Quarta:

Por último, a Senhora Juíza não quis efectivamente assegurar o princípio do contraditório, naquilo que materialmente é relevante, como impõem os arts. 141º, 142º, 143º e 254º do C.P.P., bem como o art. 32º nºs 1 e 5 da CRP, e decorre da natureza de um processo equitativo, tal como está consagrado nos arts. 5º nº 4 e 6º nº 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Com efeito, a prisão ordenada a 12 de Junho não foi precedida de audição nem do Ministério Público nem dos arguidos. Por outro lado, a diligência de 14 de Junho - que não estava prevista até à manhã desse dia, tendo sido apressadamente decretada, talvez por causa do "disparo mediático" que tanto foi verberado - não confrontou ninguém, directa ou indirectamente, expressa ou implicitamente, com qualquer facto, ou aparência de facto ou até mero rumor, que tivesse a ver com os perigos a que se reporta o art. 204º do C.P.P.. Serviu apenas para cumprir uma formalidade, esvaziando-a de sentido útil.

Finalmente, e na mesma linha de desprezo pelo contraditório, está o entendimento - grosseiramente ilegal3 - de vedar aos arguidos o acesso aos interrogatórios para onde genericamente remete, como se pudesse haver segredo de justiça, durante a instrução, para os próprios arguidos que a requereram e em face de uma prisão preventiva decretada nessa fase processual e por causa desses depoimentos.

Tais violações do contraditório serviram para escamotear os motivos que presidiram à prisão preventiva dos arguidos, que expressamente transpareceriam se eles fossem confrontados com aquilo que, na óptica do tribunal, poderia determinar a alteração das medidas de coacção.4 Mas, tendo ocorrido, devidamente conjugadas com as razões precedentes, reforçam, afinal, o juízo que, com toda a segurança, pode ser formulado acerca daquilo que, objectivamente avaliado, informou a decisão da Senhora Juíza:

* a vontade de prender porque, pura e simplesmente, quis prender, sem que os únicos requisitos legais admissíveis - os do art. 204º do C.P.P. - tivessem sido sequer ponderados.

22- Pelo exposto, ninguém pode duvidar - segundo uma apreciação objectiva e aferida pela experiência comum - que manifestamente a Senhora Juíza não prosseguiu os fins inscritos no art. 204º do C.P.P., quando decretou e manteve a prisão preventiva dos arguidos.

Não se está, pois, perante uma mera situação de completa falta de fundamentação da decisão proferida, o que, só por si, já seria gravíssimo. Mas perante um caso de adulteração de fins.

Ninguém pode entrar na cabeça de ninguém. É irrelevante a razão subjectiva que determinou a Senhora Juíza, que não se põe em causa que tenha agido segundo achou melhor.

Mas seguramente - tal como objectivamente resulta dos autos - que não actuou para acautelar os perigos do art. 204º do C.P.P..

A Senhora Juíza desviou-se dos fins que presidem ao poder que a lei lhe confere para determinar a prisão de quem quer que seja. O que se avalia objectivamente, pelas próprias referências e remissões expressas nos despachos proferidos, bem como pela condução da sequência processual.

É isso que qualquer cidadão comum, mesmo numa avaliação superficial, não deixará de observar.

É, por isso, que a prisão dos arguidos não está no campo do direito, mas do puro arbítrio.

É uma prisão arbitrária.

Estamos perante um caso de manifesto abuso de poder.

É para acautelar situações desta natureza que existe o instituto do habeas corpus.

Termos em que se requer que seja decretada a providência de habeas corpus, restituindo-se imediatamente os arguidos à liberdade.

Requer-se que este requerimento seja instruído com uma certidão donde conste:

a) A menção a que os arguidos se encontram actualmente presos;

b) Os despachos que, antes de 12 de Junho, submeterem os arguidos a medidas de coacção;

c) As actas dos interrogatórios dos arguidos de 12 de Junho e a referência a que não houve mais diligências instrutórias realizadas e, se houve, quais, com cópia dos documentos que as suportam;

d) O despacho de 12 de Junho que ordenou a prisão preventiva;

e) Os mandados de captura e as certidões de cumprimento das capturas;

f) O despacho que ordenou a diligência de 14 de Junho e a acta dos actos processuais praticados nesse dia 14 de Junho;

g) Os pedidos de cópias de documentos formulados a 15 de Junho e o despacho que os indeferiu;

h) Os recursos ordinários interpostos dos despachos de 12 e 14 de Junho.

JUNTA: 1 Doc. e cópia legal

OS ADVOGADOS,

1 - Recorde-se que, apesar da Senhora Juíza ter impedido, no dia 14 de Junho, a consulta das actas respectivas, por alegado segredo de justiça, o certo é que, no dia 12 de Junho, alguns dos mandatários signatários estiveram presentes à diligência e recordam o sentido geral desses depoimentos, que o Supremo Tribunal de Justiça terá oportunidade de avaliar nesta providência.

2 - Linhas 18 a 21 de fls. 10792.

3 - Obviamente que a regra do art. 86º nº 1 do C.P.P. cede perante a tomada de conhecimento de actos processuais daqueles que a isso têm direito, como resulta do art. 86º nº 4 - al. a), do princípio do contraditório (art. 32º nº 5 da CRP) e da natureza de um processo equitativo (art. 5º nº 4 e art. 6º nº 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem). Nesse sentido, veja-se, a título de exemplo, acórdão da Relação do Porto de 24/01/01 (C.J., tomo I, pág. 226) e sentença do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem de 30/03/89 (Sub Judice, Novos Estilos, nº 11, Novembro/94, pág. 201).

4 - Da mesma forma, ao vedar a consulta aos interrogatórios para que remete, "faz de conta" que aí poderiam existir subtis razões, desconhecidas da defesa, que justificariam a prisão. Mas essas razões não existem, porque, como se disse, alguns dos mandatários do arguidos assistiram àquelas inquirições e conhecem o sentido dessas declarações. E o Supremo Tribunal de Justiça terá acesso às mesmas e avaliará de sua justiça.

VI - ACÓRDÃO DE 3 DE JULHO DO S.T.J. (PRIMEIRO PEDIDO DE HABEAS CORPUS) - RELATOR: JUIZ CONSELHEIRO ARMANDO LEANDRO

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I.

José António Braga dos Reis Gonçalves, João Manuel Braga dos Reis Gonçalves, José Manuel e Mafra de Sousa Vitoriano e Esmeraldo Rosa Monteiro de Azevedo, identificados nos autos, arguidos no processo nø 2971/99 .9TDLSB, que corre os seus termos pelo 1ø Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, actualmente em situação de prisão preventiva, vêm, ao abrigo do art. 31º da Constituição e do art. 222ø, nø 2, al. b), do C.P.P., requerer lhes seja concedida a providência de Habeas corpus.

Invocam que a prisão é ilegal, por não se verificar qualquer dos requisitos gerais previstos no art. 204ø do C.P.P., defendendo tratar-se de uma prisão arbitrária, ordenada pelo Juiz com desvio dos fins para que lhe é concedido o poder de determinar a prisão preventiva, constituindo pois o acto que a impôs um manifesto abuso de poder.

Como fundamentação do invocado, alegaram em síntese:

1.

Os Requerentes foram constituídos arguidos na fase de Inquérito desses autos, tendo sido submetidos a medidas de coacção não privativas de liberdade.

2.

Os Requerentes têm cumprido escrupulosamente as medidas de coacção a que foram sujeitos, não lhes tendo sido imputado pelo tribunal qualquer incumprimento das mesmas.

3.

Apesar disso e de não terem ocorrido novos factos reveladores do agravamento de qualquer das circunstâncias que constituem os requisitos gerais de aplicação das medidas de coacção, constantes do art. 204ø do C.P.P., a M.ma Juíza de Instrução impôs aos arguidos ora peticionantes, em

12/06/2001, e manteve, em 14/06/2001, a medida de coacção prisão preventiva, invocando a existência de acrescidos perigos de perturbação do decurso da instrução para a aquisição, conservação ou veracidade da prova e de continuação de actividade criminosa, sem indicação de quaisquer factos suporte dessa conclusão; procurando inferir dos interrogatórios que precederam a decisão de manutenção da prisão preventiva elementos indiciadores do agravamento dos referidos riscos que manifestamente não o justificavam; desrespeitando o contraditório legal antes da decisão de imposição da prisão preventiva; e recusando o acesso ao teor dos interrogatórios com a invocação de segredo de justiça, assim impedindo a oposição fundamentada dos arguidos.

4.

A M.ma Juíza de Instrução agiu assim por puro arbítrio, abuso de poder, com a finalidade de determinar a prisão a seu bel-prazer, com desvio dos fins dos poderes legalmente atribuídos para decidir sobre a imposição de medidas de coacção.

5.

Os arguidos já interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa dos supra mencionados despachos de 12 de Junho e de 14 de Junho, que determinaram e mantiveram as prisões preventivas.

6.

A prisão ilegal por abuso de poder é fundamento de Habeas corpus, nos termos dos arts. 31º da C.R.P. E 222º, nº 2, do C.P.P., mesmo no caso de o despacho que determinou a prisão arguida de ilegal ser susceptível de recurso ordinário ou estar pendente esse recurso, sendo inconstitucional o entendimento contrário, inconstitucionalidade que deve ser considerada arguida pelos peticionantes da presente providência de Habeas corpus.

7.

No caso concreto, é evidente o abuso de poder porque é manifesto - como qualquer observador comum pode verificar, mesmo numa apreciação superficial - que a Senhora Juíza decretou a prisão preventiva não para assegurar qualquer dos perigos a que alude o art. 204º do C.P.P., únicos que podem justificar essa prisão, mas apenas porque, atendendo aos indícios existentes relativamente aos crimes imputados, entendeu, segundo um juízo eminentemente subjectivo, sem base legal, que os arguidos deviam estar presos.

II.

Da informação a que se refere o art. 223º, nºs 1 e 2 do C.P.P., resulta fundamentalmente que a Ex.ma Juíza refuta a existência de qualquer acto discricionário, afirmando que todas as decisões tomadas foram ponderadas, analisadas e sustentadas, ao abrigo do C.P.P. em vigor, nomeadamente dos arts. 191º e seguintes, 202º, nº 1, al.a), 204º, 286º, 288º, 289º, 290º, 291º.

III.

Procedeu-se à audiência com observância do formalismo legal, cumprindo agora apreciar e decidir.

IV.

Resultou provado:

a) Os peticionantes foram constituídos arguidos na fase de inquérito destes autos, tendo sido submetidos às seguintes medidas de coacção:

- Cada um dos arguidos João Braga Gonçalves e José Vitoriano à caução no montante de 1.000.000$00;

- O arguido José Braga Gonçalves às medidas de proibição de se ausentar para o estrangeiro sem autorização prévia do tribunal e de frequentar o espaço referente à Dinensino/UM;

- O arguido Esmeraldo de Azevedo a termo de identidade e residência.

b) O processo encontra-se na fase de instrução, declarada aberta por despacho de 26/03/01, a requerimento da assistente e dos arguidos Júlio Gonçalves, José Vitoriano, Esmeraldo Azevedo, José António Reis Gonçalves, António Sousa Lara, Manuel Vaz, Pedro Rosado e Carlos Fernandes.

c) No despacho de abertura de instrução foi designado o dia 12/06/01 para interrogatórios dos arguidos António Sousa Lara, Esmeraldo Azevedo e Manuel Vaz e referido que oportunamente seria considerada, de acordo com o disposto nos arts. 286ø e 291ø do C.P.P., a necessidade de realizar outros actos instrutórios.

d) No dia 12/06/01, após interrogatório dos três arguidos referidos em c), a Ex.ma Juíza impôs a prisão preventiva aos quatro arguidos ora peticionantes da providência de Habeas corpus, pelo despacho acima referido, certificado a fls. 39 a 40.

e) Nesse mesmo dia, foram passados mandados de captura desses quatro arguidos, que foram cumpridos pela P. J. entre as 20h e 40m e as 23h e 45m.

f) No dia 14/06/01, a Ex.ma Juíza, invocando o disposto no art. 254ø, nø 2, do C.P.P., ordenou o interrogatório dos referidos quatro arguidos e a ele procedeu nesse mesmo dia, na presença dos Ex.mos Magistrado do Ministério Público e Advogados desses arguidos, conforme auto certificado de fls. 46 a 62 deste processo de petição de Habeas corpus, aqui dado como reproduzido.

g) Após os interrogatórios, o Ex.mo Magistrado do Ministério Público proferiu promoção no sentido da manutenção da prisão preventiva dos arguidos agora peticionantes, invocando essencialmente o agravamento dos

indícios de perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova e

de continuação da actividade criminosa.

h) Os Ex.mos Advogados dos quatro arguidos, a quem foi de seguida dada a palavra, para além de outras considerações constantes do respectivo auto, aqui considerado como reproduzido, contrariaram a promoção do Ex.mo Magistrado do Ministério Público, salientando a falta de factos -supervenientes ao anterior despacho que impôs as medidas de coacção não

privativas da liberdade - indiciadores dos requisitos ou condições exigidos

pela lei para que possa ser determinada a prisão preventiva e sustentando,

em conformidade, a ilegalidade da prisão já decretada.

i) Requereram ainda o acesso aos interrogatórios que a Ex.ma Juíza no seu despacho de 12 de Junho e o Digno Magistrado do Ministério Público na sua promoção referiram deles resultar o avolumar do perigo de perturbação da instrução nas vertentes da aquisição, conservação ou veracidade da prova, e ainda do perigo de continuidade de actividade criminosa, argumentando com a necessidade do seu conhecimento para poderem pronunciar-se sobre os mesmos e sobre a promoção do Ministério Público.

j) Tal requerimento foi indeferido por despacho da Ex.ma Juíza, invocando o disposto no art. 86º, nº 1, conjugado com o que dispõe o art. 287ø, nø 1, al. b), ambos do C.P.P.;

l) Seguidamente, na mesma data de 14/06/01, a Ex.ma Juíza proferiu o despacho certificado a fls. 58 a 61, no qual, depois de uma súmula do processado a partir do despacho de 12/06, salientando a regularidade da actualização ordenada e cumprida, manteve a prisão preventiva anteriormente ordenada, invocando fundamentalmente o agravamento dos já acima referidos riscos previsto nas alíneas b) e c) do art. 204ø do C.P.P.

m) Os arguidos ora peticionantes recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa, impugnando quer o despacho de 12/06/01 que ordenou a prisão preventiva de todos eles, quer o de 14/06/01 que a manteve.

V.

Presente este circunstancialismo provado, apreciemos.

1. Mesmo nas sociedades democráticas e plurais, existe uma tensão complexa e instável nas relações entre o poder concreto e a liberdade individual.

Essa tensão impõe, como desenvolvimento cultural e de sedimentação de valores próprios dessas sociedades, institutos que possam, frenando o exercício ilegítimo do poder, fazer cessar rapidamente as limitações ilegítimas do direito fundamental à liberdade.

Trata-se de institutos ou providências que funcionem como forma célere e eficaz de defesa da liberdade e dignidade do homem concreta e comunitariamente inserido, uma das fontes essenciais da legitimidade da intervenção societária punitiva.

E que, para além de honrar e salvaguardar o direito fundamental da 1iberdade, actuem igualmente como meio de prosseguir a justiça.

Entre esses institutos, sobressai, também pela sua bem conhecida raiz cultural e histórica, a providência de Habeas corpus.1

Esta providência tem entre nós compreensível dignidade constitucional ao nível dos "Direitos, liberdades e garantias pessoais". Constitui um verdadeiro "direito garantia"2, visando reagir "contra o abuso do poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal" - art. 31ø, nø 1, da C.R.P.3

Trata-se de uma garantia privilegiada do direito à liberdade, reconhecido nos termos dos arts. 27ø e 28ø da C.R.P.4. Constitui urna providência a decretar apenas nos casos de atentado ilegítimo à liberdade individual - grave e em princípio grosseiro e rapidamente verificável - que integrem as hipóteses de causas de ilegalidade da detenção ou da prisão taxativamente indicadas nas disposições legais que desenvolvem o preceito constitucional.

No que respeita à prisão, a providência só poderá ser decretada, conforme estatui o art. 222ø, nø 2, als. a), b) e c), do C.P.P.5, no caso de se verificar a sua ilegalidade proveniente de:

a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.

Providência que deverá ser requerida ao S.T.J. e por este decidida nos oito dias subsequentes (art. 223ø), podendo ser peticionada pelo próprio ou por qualquer cidadão (art. 31º, nº 2, da C.R.P.). O que revela o eminente interesse público ínsito ao instituto e a sua intrínseca ligação aos aspectos da cidadania global comunitariamente integrada6 como instrumento de efectivação dos direitos fundamentais.

Toda esta concepção e regulamentação do instituto de Habeas corpus - como providência expedita para fazer cessar a violação, grave e com sinais de evidência, do direito fundamental à liberdade, nas hipóteses taxativamente previstas nas referidas alíneas do art. 222ø, nø 2 - revela que não é a providência adequada a reagir e a pôr termo à ilegalidade da prisão por violação dos requisitos e condições impostos pela lei para que possa ser decretada a prisão preventiva, nomeadamente os prescritos no art. 204º e na 1ª parte da al. a) do nº 1 do art. 202º (existência de fortes indícios).

Mas nem por isso deixa de estar acautelado o direito fundamental da liberdade proventura posto em crise por violação dos requisitos e condições impostos pela lei para que a prisão preventiva possa ser decretada.

Para além da providência de Habeas corpus, prevê a lei expressamente, no art. 219º, outro modo de impugnação - a possibilidade de recurso ordinário de todas as decisões que apliquem ou mantenham medidas de coacção (portanto também a de prisão preventiva), a julgar no prazo máximo de 30 dias.

Mas, afigura-se-nos, a lei não exclui a possibilidade da providência de Habeas corpus se os factos, ou parte deles, que constituem fundamento da interposição de recurso ordinário, integrarem as hipóteses das als. a), b) e c) do nº 2 do art. 222º.

Isto é, a admissibilidade de recurso ordinário da decisão judicial que determinou a prisão não impossibilita a petição e o decretamento da providência de Habeas corpus.

Afigura-se-nos efectivamente, salvo o muito respeito devido pela jurisprudência prevalente, em sentido contrário, do S.T.J., resultar dos princípios e normas relativos ao instituto do Habeas corpus, às medidas de coacção, em especial da prisão preventiva, e aos recursos das decisões que aplicarem ou mantiverem essas medidas, que não é impeditivo da providência de Habeas corpus a admissibilidade de recurso da decisão que determinou a prisão. Assim:

A letra da lei, conjugada com o elemento histórico de interpretação, não exclui esse entendimento e antes de alguma forma o sugere, na medida em que:

- o art. 219ø dispõe expressamente que a possibilidade de recurso da decisão que mantiver ou aplicar medidas de coacção (incluindo portanto a

prisão preventiva) é prevista sem prejuízo da providência de Habeas corpus, regulada nos artigos seguintes;

- a legislação actual não faz expressamente depender de insusceptibilidade de recurso a admissibilidade da providência de Habeas corpus relativamente a prisão ordenada e mantida por ordem de autoridade judicial, ao contrário do que sucedia com a lei anterior7 e constava ainda do Anteprojecto do C.P.P. de 1987.

Particularmente significativo no sentido que defendemos é o resultado da consideração do elemento teleológico ou racional de interpretação:

A natureza da providência de Habeas corpus - tal como resulta das leis constitucional e ordinária - caracteriza-a como modo de impugnação de carácter extraordinário no sentido de se destinar a reagir, de forma muito urgente, expedita, a situações de excepcional gravidade8, por clamorosamente ilegais. Não faria, por isso, sentido fazer depender a sua apreciação e decisão da insusceptibilidade ou da não interposição de recurso da decisão que impusera a prisão preventiva, a decidir em tempo relativamente breve mas muito superior ao previsto para decisão da providência de Habeas corpus. Esse condicionamento comprometeria o elemento fundamental da urgência da decisão, ínsita a este instituto, e conduziria ao esvaziamento da sua específica função de garantia excepcional, que não de aplicação residual.

É este o entendimento da doutrina dominante.9

A jurisprudência do S. T.J .tem-se orientado prevalentemente, como se disse, no sentido contrário de que não pode haver lugar à providência de Habeas corpus se a decisão que tiver determinado ou mantido a prisão que o peticionante pretende ser ilegal for susceptível de recurso ordinário10.

Afigura-se-nos, salvo o devido respeito, igualmente não impeditivo da providência de Habeas corpus a pendência de recurso ordinário da decisão que tiver ordenado ou mantido a prisão preventiva.

Trata-se de modos distintos de impugnação, até de natureza diversa, configurando a providência de Habeas corpus não um recurso mas um remédio excepcional, extraordinário, autónomo, fora e acima do sistema de

recursos, da competência exclusiva do Supremo Tribunal de Justiça, para proteger a liberdade individual contra o abuso de poder, pondo imediatamente termo a situações de prisões ilegais provenientes de alguma da situações previstas no citado nø 2 do art. 222ø. De modo que não é configurável situação de litispendência no caso da simultaneidade do procedimento de Habeas corpus e de recurso, mesmo no caso de coincidência essencial de fundamentos.

2.

Apreciemos agora, à luz das anteriores considerações e tendo em conta o factualismo acima referido como apurado, a providência de Habeas corpus peticionada nos autos pelos quatro arguidos.

2.1

Em harmonia com o entendimento que perfilhamos, acima exposto, é admissível a petição de Habeas corpus, apesar da interposição do recurso dos despachos de 12/06/01, que ordenou a prisão, e de 14/06/01, que a manteve.

2.2

É manifesto que não se verificam as hipóteses das als. a) e c) do nø 2 do art. 222ø, aliás não invocadas.

Importa apreciar da verificação da alegada alínea b), integrável por ilegalidade da prisão proveniente de ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite.

Revela-se nestes autos que os arguidos encontram-se acusados da prática de crimes de associação criminosa, administração danosa, apropriação ilícita e corrupção activa, p. e p. pelos arts. 299ø, nºs 1 e 3,235ø (com referência ao Código Cooperativo), 234ø e 205ø, nº 4, al. b), e 374ø, todos do C.P.

Todos estes crimes são dolosos e puníveis com pena de prisão de máximo superior a três anos, pelo que permitem a imposição de prisão preventiva [art. 202ø, nø 1, al. a)], razão por que, considerando esse aspecto, não está preenchida a referida hipótese da al. b) do nø 2 do art. 222ø.

Subjacente à argumentação dos peticionantes está o entendimento de que o "facto" referido em tal hipótese legal não compreende somente o aspecto do preenchimento de tipo legal de crime, mas também [para além dos fortes indícios da pratica do crime a que se alude na 1ª parte da al. a) do nø 1 do art. 202ø] os elementos relativos à concretização de algum ou alguns dos requisitos gerais da aplicação das medidas de coacção exigidos no art. 204ø, no caso concretamente o da alínea b) - Perigo de perturbação do decurso... .da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova - e o da alínea c) - Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, ... de continuação da actividade criminosa.

E pretendem sustentar, com base nos argumentos acima transcritos, que essas componentes do "facto" não se verificam efectivamente e que a afirmação da sua existência - nos referidos despachos que determinaram ou mantiveram a sua prisão preventiva como fundamentos dessas decisões - resulta de abuso de poder, de arbitrariedade, de desvio dos fins para que são

por lei outorgados os poderes judiciais para decisão sobre as medidas de coacção, por parte da Ex.ma Juíza que os proferiu no exercício das suas funções de Juiz de Instrução.

Comecemos por apreciar se os elementos relativos à concretização dos referidos requisitos gerais da aplicação das medidas de coacção exigidos no art. 204ø integram o "facto" considerado na hipótese do fundamento de Habeas corpus constante da al. b) do nø 2 do art. 222ø.

Em harmonia com as considerações que a propósito expusemos em abstracto, afigura-se-nos, salvo o devido respeito, que a já caracterizada especificidade da natureza do instituto do Habeas corpus faz pender fortemente para uma solução negativa, que por isso perfilhamos.

Efectivamente, as questões relativas à verificação desses requisitos, bem como à de fortes indícios da prática de crime [art. 202ø, nø 1, al. a)], tal como igualmente à da necessidade e proporcionalidade da medida (arts. 191ø e 193ø), não se quadram com a especificidade da providência de Habeas corpus, caracterizada pela evidência da ilegalidade, a justificar o seu consequente carácter expedito, em consonância com a gravidade e carácter grosseiro do erro fonte da violação a que pretende pôr termo. Exigem antes uma comprovação normalmente incompatível com as referidas características de evidência da ilegalidade e da urgência na sua apreciação, o que não é contrariado pelo disposto o art. 223ø, nø 4, al. d), que deve ser interpretado em harmonia com essa característica de resposta urgente a situações de grave e evidente violação da liberdade individual. Entendimento diferente poderia desvirtuar essas características da providência, comprometendo a realização dos seus fins muito específicos e relevantes.

A apreciação sobre tais requisitos tem a sua sede própria no recurso a que alude o art. 219ø11.

Há que ter porém em atenção que, no caso dos autos, os peticionantes não discutem a interpretação de factos considerados em decisão judicial como reveladores dos referidos perigos que, nos termos do art. 204ø, als. b) e c), constituem requisitos gerais imprescindíveis de aplicação de medidas de coacção.

Invocam a ausência total de factos com esse significado e imputam a imposição da prisão preventiva, apesar de tal ausência, a um acto puramente arbitrário, de abuso de poder por parte da Ex.ma Juíza, que teria ordenado a prisão por qualquer razão subjectiva alheia aos fins legais inerentes ao disposto no art. 204º, assim se verificando desvio e adulteração dos fins próprios dos poderes que a lei lhe confere para decidir sobre a prisão preventiva.

Ora tal importa a invocação de violação do direito fundamental à liberdade com significado e gravidade tais que não pode deixar de se considerar como cognoscível em providência de Habeas corpus, por tocar a sua essência de reacção ao abuso de poder, traduzido na determinação de prisão preventiva por "facto" que a lei não permite [art. 222ø, al. b )] .

Na verdade, atentos os termos da invocação, não poderia considerar-se existente "facto" que permitisse a prisão, na medida em que esse "facto" assume uma complexidade que, além do preenchimento de crime doloso punível com pena de prisão superior a três anos, integra, para além dos fortes indícios exigidos no art. 202º, nº 1 al. a), o preenchimento dos requisitos gerais previstos no art. 204º, estes totalmente inexistentes na tese dos peticionantes.

Os autos não permitem, porém, decidir pela efectiva existência do invocado abuso de poder, arbítrio ou desvio de fins.

Os despachos em questão invocam reiteradamente a existência dos aludidos perigos, o segundo em consonância com a posição do Ex.mo Magistrado do Ministério Público, não sendo possível concluir no sentido de que a Ex-ma Juíza agiu, ao impor a prisão preventiva, por arbítrio, abuso de poder ou adulteração dos fins.

Ausência de factos suficientemente reveladores dos aludidos riscos, erros de apreciação, deficiências de fundamentação ou preterição de suficiente contraditório que porventura tenham existido, não podem, na falta de elementos minimanente concludentes, levar a considerar verificado a invocada actuação por arbítrio, abuso de poder ou adulteração dos fins que tornassem a imposição da prisão preventiva manifestamente ilegal - passível portanto de lhe ser posto termo pela providência de Habeas corpus - e não porventura somente injustificada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto (art. 225ø, nø 2).

Em conformidade, conclui-se que não pode considerar-se verificado o invocado fundamento das providências de Habeas corpus peticionadas.

Por isso se indeferem.

Custas pelos peticionantes, fixando-se a taxa de justiça devida por cada um deles.

1 - Em todo este sentido, cf. José de Faria Costa, Habeas Corpus: Ou a análise de um longo e ininterrupto "diálogo" entre o poder e a liberdade, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. LXXV, 1999, pp. 357 e ss., que seguimos de perto.

2 - Cf. Vieira de Andrade, Os Direitos .fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, pp. 171 e 172, e Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, pp. 110 a 112.

3 - Recebido pela primeira vez no nosso direito na Constituição de 1911 (art. 3ø, nø 31). Reconhecido também pela Constituição de 1933, o instituto do Habeas corpus só veio a ser regulado pelo Dec.-Lei nø 35.043, de 20/10/45, sob a marcada influência do ensinamento e da intervenção de Cavaleiro de Ferreira.

4 - Cf., v.g., Gomes Canotilho/Vital Moreira, lugar citado, p. 199.

5 - Inserem-se no Código de Processo Penal de 1987 as disposições legais que a partir de agora se citarem sem indicação do diploma legal em que se integram.

6 - Cf. Faria Costa, lugar citado, pp. 549.

7 - Cf. o aI1. 315ø do C.P.P. de 1929, na redacção introduzida pelo Dec.-Lei nø 185/72, de 31/05, não alterado nesse ponto pelo Dec.-Lei nø 320/76, de 04/05. Cf, no mesmo sentido, o art. 7ø do Dec.-Lei nø 35.043, de 20/10/45.

8 - Cf., v.g., Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, Lisboa, 1986, p. 273.

9 - Cf., v.g., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 1999, pp. 301 e 302; Rodrigues Maximiano, Habeas corpus, em virtude de prisão ilegal - art. 222ø do C.P.P., 1987- Da Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça. Reflexões e subsídios para a Comissão Revisora do Código de Processo Penal, in Direito e Justiça, Vol. XI, Tomo I, 1997, pp. 194 a 200; Cláudia Cruz Santos, Prisão Preventiva - Habeas Corpus - Recurso Ordinário, em anotação ao Ac. do S.T.J. de 20/02/97, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 10, Fasc. 2ø, Abril-Junho 2000, pp. 303 e ss.; Gil Moreira dos Santos, O recurso extraordinário de Habeas Corpus, ACS STJ, Ano II, Tomo II, pp. 11 e 12.

10 - Cf., v.g., Acs. do S.T.J. de 28/06/89, AJ, nº 0, p. 52, de 03/07/97, proc. nº 948/97, de 18/09/97, proc. nº 1066/97, de 09/10/97, proc. nº 1263/97, de 14/10/99, proc. nº 1084/99; em sentido de certo modo discordante, cf. Ac. do S.T.J. de 21/04/2001, proc. nº 1604/01-5ª.

11 - Neste sentido, cf, v.g., Cláudia Cruz Santos, lugar citado, p. 310, Rodrigues Maximiano, lugar citado, p. 199, e Ac. do S. T.J. de 26/04/01, proc. nø 1604/01-3ª.

VII - CONCLUSÕES DO RECURSO DE JOSÉ BRAGA GONÇALVES RELATIVAMENTE AOS DESPACHOS DE 12 E 14 DE JUNHO

Em conclusão:

1) Quanto ao despacho de 12 de Junho de 2001 que ordenou a prisão preventiva do recorrente

a) Por despacho judicial de 13 de Abril de 2000 foram impostas ao arguido as medidas de coacção de proibição de se ausentar para o estrangeiro sem autorização prévia do Tribunal e de proibição de frequentar o espaço referente à Dinensino/UM, com fundamento nos arts. 191º a 193º, 200º/1/b e d, e 204º/a e c, todos do CPC;

b) O despacho recorrido, de 12 de Junho de 2001, veio agora determinar "a prisão preventiva do arguido", nos termos dos arts. 191º/1, 192º, 193º, 202º/1/a e 204º/b e c, do CPP, por ter considerado que as medidas de coacção que antes lhe haviam sido impostas pelo referido despacho judicial de fls. 7166 e 7167 "são manifestamente insuficientes para acautelar os perigos, a que aludem as alíneas b) e c) do art. 204º do CPP";

c) Tal despacho é nulo por ter sido proferido sem prévia audição do Ministério Público e do próprio arguido, por violação do disposto nos arts. 194º/1, 61º/1/b e 194º/2, do CPP, omissões que constituem nulidades processuais insanáveis, nos termos dos arts. 118º e 119º/b e c, do CPP, com a consequência da invalidade quer do despacho recorrido quer dos actos posteriores afectados por este e dele directamente dependentes, nos termos do art. 122º/1 do CPP, particularmente do despacho de 14 de Junho de 2001, que confirmou a prisão preventiva;

d) Esgotando-se os fundamentos do despacho recorrido nas afirmações de que "no decurso do Inquérito, os indícios dos factos constantes do aludido despacho consolidaram-se e reforçaram-se na acusação deduzida" e o apuro da medida de prisão preventiva "resultou evidenciado nos interrogatórios dos arguidos que prestaram declarações neste Tribunal" em 12 de Junho de 2001, aquele é completamente conclusivo, não indicando ou individualizando os factos concretos, localizados no tempo e no espaço e referenciando o grau de participação que neles teve o agente, constantes daquela peça processual ou afirmados nos referidos interrogatórios que possam fundamentar a alteração das medidas de coacção anteriormente determinadas e/ou a imposição da ordenada medida de prisão preventiva;

e) Assim, é nulo por falta de fundamentação, violando o disposto nos arts. 205º/1 da CRP e 97º/4 do CPP;

f) E, porque também impede o arguido sequer de conhecer, quanto mais de contraditar, os fundamentos da sua prisão, é ilegal, por violação dos arts. 61º/1/b, 141º/4 e 5, 191º, 202º e 204º/b e c, do CPP, e dos art. 32º/1 e 5 da CRP, alcançando objectivamente as fronteiras do puro arbítrio por corresponder à mera antecipação de uma verdadeira pena;

g) É também ilegal porque não faz uma ponderação concreta entre as diversas medidas de coacção legalmente previstas, justificando que as restantes medidas de coacção se mostravam concretamente inadequadas ou insuficientes para o caso em apreço, assim violando o disposto nos arts. 202º do CPP e nos arts. 27º/3 e 28º/2 da CRP, que conferem à medida de coacção da prisão preventiva uma natureza excepcional e subsidiária;

h) Deste modo, o despacho recorrido violou o disposto nos arts. 27º/3, 28º/2, 32º/1 e 5, e 205º/1 da CRP e nos arts. 61º/1/b, 97º/4, 191º, 202º e 204º do CPP, o que deve determinar a sua revogação e nova aplicação das medidas de coacção antes aplicadas ao recorrente, nos termos do art. 202º/1 e 2 do CPP;

i) Acresce que os receios invocados pelo despacho recorrido para determinar a prisão preventiva do arguido tinham já sido apreciados pelo despacho judicial de fls. 7166 e 7167, que julgou não existir então perigo e perturbação da prova e, no demais, decidiu serem suficientes as medidas de coacção mencionadas no ponto a) destas conclusões;

j) Assim, não tendo havido, como não houve, violação das anteriores medidas de coacção, nem uma alteração fundamental ou significativa dos pressupostos que a as determinaram, não podiam estas ser substituídas por outra mais grave;

k) Os autos não indiciam minimamente o receio de perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova ou de continuidade de idêntica actividade criminosa, nem o Ministério Público promoveu antes de 12 de Junho de 2001 a prisão preventiva do recorrente, antes se tendo limitado, em Fevereiro de 2001, a promover o reforço das cauções prestadas, nem a decisão recorrida se funda em algo de concreto que o justifique;

l) Por conseguinte, a decisão que ordenou a prisão preventiva deve ser revogada e o arguido restituído imediatamente à liberdade, na situação de sujeição a termo de identidade e residência e às demais medidas de coacção que antes lhe tinham sido impostas;

2) Quanto ao despacho de 14 de Junho de 2001 que manteve a prisão preventiva do recorrente

m) Em 14 de Junho de 2001, a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo procedeu à inquirição dos arguidos presos, nomeadamente do recorrente, com base nos arts. 254º/2, 141º e 144º do CPP, e proferiu depois o despacho de fls. 10791 a 10795 que manteve a prisão preventiva;

n) Tal interrogatório visa garantir o contraditório, ou seja, destina-se a ouvir o arguido sobre as razões que determinaram a prisão preventiva de modo a habilitar o Tribunal a, sendo caso disso, reponderar a medida privativa da liberdade antes determinada;

o) Não tendo sido consentido que o recorrente tivesse durante aquele acto acesso aos interrogatórios dos arguidos ocorridos em 12 de Junho de 2001 a que se refere e para os quais remete a decisão que ordenou a sua prisão preventiva, e tendo posteriormente impedido o acesso dos respectivos mandatários aos autos para prepararem o presente recurso, e considerando ainda as circunstâncias de não ter sido confrontado, durante o seu interrogatório, com qualquer facto concreto que pudesse integrar os alegados receios, e de o despacho determinativo da prisão ser totalmente conclusivo, verifica-se que não foi assegurado o contraditório, em violação do disposto nos arts. 31º/1 e 5 da CRP e nos arts. 61º/1/b e 141º/4 e 5 do CPP, com a consequência da revogação de tal despacho e nova aplicação das medidas de coacção antes aplicadas ao recorrente, nos termos do art. 202º/1 e 2 do CPP;

p) O despacho ora impugnado é também ilegal por ser inteiramente conclusivo, não indicando os factos concretos e determinados, localizados no tempo e no espaço e referenciando o grau de participação que neles teve o agente, assim impedindo o arguido sequer de conhecer, quanto mais de contraditar, os fundamentos da sua prisão, violando o disposto nos arts. 32º/1 e 2 e 204º do CPP;

q) O despacho recorrido violou também o disposto nos arts. 27º/3 e 28º/2 da CRP e nos arts. 191º e 202º do CPP, por não fazer uma ponderação concreta entre as diversas medidas de coacção legalmente previstas e que, em concretização dos princípios constitucionais da excepcionalidade e da necessidade da prisão preventiva conferem a esta medida de coacção um carácter excepcional e subsidiário, também com a consequência da sua revogação e nova aplicação das medidas de coacção antes aplicadas ao recorrente, nos termos do art. 202º/1 e 2 do CPP;

r) A decisão recorrida procura validar a prisão do recorrente afirmando que "as suas condições psicológicas que o Tribunal desconhece, não lhe permitiram qualquer elucidação, que neste acto poderia ter ocorrido";

s) Deste modo a decisão recorrida penaliza o arguido por este exercer um direito ao silêncio, justificado pelo elementos já alegados e que lhe é conferido pela lei, assim, violando o disposto no art. 61º/1/c do CPP;

t) A decisão que manteve a prisão preventiva é, pois, igualmente ilegal, devendo por isso ser revogada e o arguido restituído imediatamente à liberdade, na situação de sujeição a termo de identidade e residência e às demais medidas que lhe foram impostas e que sempre cumpriu escrupulosamente, nos termos do art. 212º/1/a e 2 do CPP;

u) Por todo o exposto, a prisão ilegal ora em causa consubstancia ainda uma violação dos princípios atinentes ao direito à liberdade e à segurança e à obrigatoriedade da prisão se conformar com um procedimento legal, tal como constam do art. 5º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

VIII - EXTRACTO DO DESPACHO INTERLOCUTÓRIO DE 3 DE AGOSTO DA SENHORA JUÍZA DESEMBARGADORA DE TURNO (ISABEL PAIS MARTINS) PROFERIDO NO RECURSO DE JOSÉ VITORIANO (EM TUDO IDÊNTICO AO DE JOSÉ BRAGA GONÇALVES)

O recurso aos meios de coacção em processo penal respeita os princípios da legalidade, necessidade, adequação e proporcionalidade como emanação do princípio constitucional da presunção da inocência do arguido, contido no artigo 32º, nº 2, da Constituição.

O artigo 191º, nº 1, do CPP, ao mesmo tempo que consagra o princípio da legalidade ou da tipicidade das medidas, afirma o princípio da sua necessidade ao estatuir que "a liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar".

Os princípios constitucionais da excepcionalidade e da necessidade da prisão preventiva (artigos 27º, nº 3 e 28º, nº 2) conferem à mais gravosa das medidas de coacção uma natureza excepcional, não obrigatória e subsidiária, consagrada no nº 2 do artigo 193º do CPP.

Esta natureza significa que a aplicabilidade da prisão preventiva se restringe aos casos em que, verificados qualquer dos requisitos gerais do artigo 204º e o requisito especial do artigo 202º, ambos do CPP, as restantes medidas de coacção se mostram inadequadas ou insuficientes.

O juiz, face ao caso concreto, tem de decidir, em prudente critério, sobre a necessidade da prisão preventiva, impondo-se a "necessidade da injustiça de uma prisão antes do julgamento quando se mostrem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção, quando não baste a imposição ao arguido de outro tipo de restrições à sua liberdade ou à sua esfera jurídica".1

Se os autos de recurso contêm os elementos necessários à decisão da questão da invocada nulidade do despacho recorrido, o mesmo não se verifica quanto à questão fulcral da pretendida revogação da medida de prisão preventiva aplicada ao recorrente.

Com efeito, para a decisão desta última questão importa averiguar, em primeiro lugar, se existem indícios da prática pelo recorrente de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a três anos, depois, se se verifica em concreto algum, ou alguns, dos requisitos gerais de aplicação de medidas de coacção, à excepção da que se contém no artigo 196º do CPP, por fim, se apenas a prisão preventiva se revela adequada e suficiente, no caso.

Se se pode considerar fortemente indiciado o requisito especial de aplicação da medida, os autos não revelam, de forma suficiente, a verificação dos requisitos gerais nem que as restantes medidas de coacção se mostram inadequadas e insuficientes.

Neste aspecto, não pode deixar de salientar-se que o despacho recorrido se mostra pouco esclarecedor na medida em que não observou a exigência de fundamentação, com a enunciação dos motivos de facto da decisão, que, se em geral já resultava do disposto no artigo 97º, nº 4, do CPP, foi reafirmada na actual redacção do nº 3 do artigo 194º, do mesmo diploma, para o despacho de aplicação de medidas de coacção.

Porém, não se pode afirmar, desde já, que não se verificam, em concreto, os requisitos gerais de aplicação de medidas de coacção, nem que outras medidas de coacção que não a prisão preventiva são suficientes e adequadas no caso, na medida em que os autos de recurso não se mostram instruídos com certidão de todas as peças processuais que se mostram necessárias à boa decisão da causa, como antes foi sendo destacado à medida em que se analisavam os elementos que acompanharam o recurso.

Entende-se necessário à decisão da causa o conhecimento das seguintes peças:

- despacho de 13 de Abril de 2000, versão integral;

- interrogatório do recorrente de 14 de junho de 2001 e eventuais elementos, designadamente documentais, que confirmem ou infirmem as declarações prestadas;

- interrogatórios dos arguidos referidos no despacho recorrido de 12 de Junho de 2001 - a identificar pela Exma. Juiz, enquanto evidenciadores dos requisitos gerais de aplicação de medidas de coacção, como ali se invoca

Entende-se, ainda, necessário à boa decisão saber se os factos alegados no requerimento da assistente de 23 de Janeiro de 2001 foram de qualquer modo corrobados ou infirmados pela realização de diligências posteriores, na sua sequência.

Entende-se também que poderá assumir relevância o conhecimento:

- do documento que foi junto pelo recorrente com a motivação de recurso,

- do requerimento apresentado pelo recorrente em 15 de Junho de 2001 e do despacho judicial que o indeferiu,

- do documento mencionado pelo recorrente na sua motivação, de pagamento de 8 000 000$00 à Dinensino, que refere encontrar-se a fls. 10772.

- do requerimento do recorrente de fls. 10633, referido pelo Ministério Público na sua promoção de 12 de Fevereiro de 2001.

Nos termos expostos, com cópia deste despacho, solicite à 1ª instância, a fim de instruir o apenso de recurso, certidão donde constem as peças processuais antes mencionadas - legíveis e devidamente identificadas -, e onde seja certificado narrativamente a que interrogatórios se refere o despacho de 12 de Junho de 2001 e se foram realizadas quaisquer diligências ou obtidos quaisquer outros elementos na sequência do requerimento da assistente de 23 de Janeiro de 2001 sobre os factos nele aduzidos e, em caso, afirmativo, cópia deles.

Solicite, ainda, a maior brevidade no cumprimento.

Notifique

1 - JOÃO CASTRO E SOUSA, "Os meios de coacção no novo Código de Processo Penal", Jornadas de Direito Processual Penal, Livraria Almedina, Coimbra, 1986, p. 152.

IX - ACÓRDÃO DE 7 DE AGOSTO DE 2001 PROFERIDO NO RECURSO DE JOSÉ BRAGA GONÇALVES (OS OUTROS TRÊS RECURSOS DE JOÃO BRAGA GONÇALVES, ESMERALDO AZEVEDO E JOSÉ VITORIANO MERECERAM ACÓRDÃOS IDÊNTICOS) - RELATORA: JUÍZA DESEMBARGADORA MARGARIDA VIEIRA DE ALMEIDA

1. José António Braga dos Reis Gonçalves veio interpor recurso dos despachos de 12.06.01 e de 14.06.2001 nos quais foi decidido aplicar ao arguido a medida de coacção de prisão preventiva.

Em síntese, conclui que

...o despacho de 12.06.2001 ... bem como o de 14.06.2001 não evidenciam quaisquer factos que possam fundamentar a alteração das medidas de coacção...

...da instrução não resultaram factos que consubstanciassem a alteração dos que já eram imputados na acusação...

...os despachos recorridos são ilegais por falta de fundamentação...

...não indicam quaisquer circunstâncias concretas em razão dos factos e da personalidade do arguido, não permitem pelos seus termos que o interessado conheça as razões determinantes que a decisão encerra...

...não refere um só facto que fundamente o perigo de perturbação do inquérito ou da continuação da actividade criminosa...

Devem, pois, ser revogados...

1. O MºPº conclui em sentido contrário.

2. Vejamos:

A questão objecto do presente recurso é, em síntese, a de saber se os despachos recorridos são nulos por falta de fundamentação ou se, ao invés, estão fundamentados e os factos são suficientes para representar uma alteração de circunstâncias com consequente alteração da medida de coacção imposta.

O arguido José António Braga dos Reis Gonçalves está acusado pelo MºPº da prática de um crime de associação criminosa p.p. pelo artº 299ø, nº 1 e 3 do Código Penal, de um crime de administração danosa p.p. pelo artº 235ø do C. Penal, com referência aos artºs 3ø e 63ø do C. Cooperativo, aprovado pelo DL 454/80, de 9.10., e de 65 crimes de apropriação ilicita, com referência ao abuso de confiança, p.p. pelo artº 234ø e artº 205ø no 1 b) todos do C.Penal, 5 crimes de falsificação de documento p.p. pelos artºs 256ø, nº 1 al. a) e b) do C.Penal, 2 crimes de burla qualificada p.p. pelos artºs 217ø, nº 1 e 218ø, nº 2 a) e c) do Código Penal e de um crime de corrupção activa p.p. pelo artº 374ø do C.Penal.

Vejamos:

No despacho de 12 de Junho de 2001 que o recorrido veio pôr em causa, entendeu a Mma Juiz que ..."o despacho judicial de fls. 7166 e 7167 considerou adequadas medidas de coacção não privativas da liberdade após a realização de interrogatórios judiciais.

No decurso do inquérito, os indícios dos factos constantes do aludido despacho consolidaram-se e reforçaram-se na acusação deduzida (sublinhado nosso), considerando-se, após a abertura de instrução... que as medidas impostas são manifestamente insuficientes para acautelar os perigos a que aludem as alíneas b) e c) do artº 204ø do C.P.P.

Com efeito, existe perigo para a aquisição, conservação ou veracidade (idem) da prova. Mais existe perigo de continuação da actividade criminosa, o que resultou evidenciado nos interrogatórios dos arguidos..."

Foram estes os fundamentos da decisão de 12 de Junho de 2001, depois reforçada pela decisão de dia 14 de Junho, dia em que o arguido foi ouvido.

E, ressalta, desde logo, que essa decisão não considerou consolidados e reforçados os indícios "tout cour" como vem alegado no recurso. Antes remeteu para factos concretos, ainda que não discriminados no despacho por comodidade, dado o volume dos autos e o tamanho da acusação, mas bem conhecidos do recorrente pois constavam da acusação que já lhe havia sido notificada e relativamente à qual (aos factos nelas descritos, bem entendido) viera requerer, em tempo, a abertura de instrução.

Ora, se os factos eram já conhecidos do arguido e ora recorrente, desnecessário se tornava enumerá-los exaustivamente e a fundamentação expendida era (é!) suficiente para que o recorrente pudesse entender (ainda que não concordando) os motivos aduzidos pela Mma Juíza para ordenar a sua prisão preventiva .

Concluído que está que o despacho de 12 de Junho de 2001 não padece de falta de fundamentação, cumpre agora analisar se se verificaram circunstâncias posteriores que justifiquem a alteração da medida de coacção imposta.

A enumeração das despesas efectuadas pelos arguidos e indevidamente pagas pela Dinensino abrangia ainda os gastos feitos com a Amostra e ainda com as participações na Média Capital, (205 000 000$00) Prodiário, grupo Euronotícias, etc.

De todos estes factos, fácil se torna retirar a ideia de que a Mma Juiz ao analisar o requerimento de abertura de instrução apresentado se apercebeu da insuficiência das medidas impostas designadamente no que concerne à garantia da conservação e veracidade da prova recolhida.

Daí o despacho proferido em 12.06.2001, que refere expressamente que os factos que determinam a alteração das medidas impostas são os constantes da acusação, portanto já conhecidos dos arguidos, préviamente notificados da mesma.

Ainda assim, entendeu a Mma Juiz ouvir os arguidos em 14.06.2001, e, nessa ocasião, os arguidos pronunciaram-se sobre a medida imposta, bem sabendo então que os factos que justificavam tal alteração eram, segundo a Mma JIC, os constantes da acusação, ou seja, factos que já eram do seu conhecimento e em relação aos quais já haviam até pedido a abertura de instrução.

Não foi violado qualquer direito do contraditório, nem foi coartado qualquer direito de defesa aos arguidos, antes foram notificados da acusação e só após a apresentação do requerimento de instrução e ao analisar os fundamentos do mesmo, se decidiu que aqueles factos justificavam uma alteração da medida.

Ora, as medidas de coacção devem obedecer aos princípios da adequação e da proporcionalidade, ponderadas ainda a gravidade dos ilícitos e as sanções que previsivelmente podem vir a ser aplicadas.

A prisão preventiva só pode ser aplicada quando se revelarem inadequadas e insuficientes as outras medidas de coacção, o que é o caso dos autos.

Nesta apreciação, são tidos em conta não só os direitos dos arguidos mas ainda os direitos dos restantes elementos que integram a sociedade de que todos fazem parte e em relação à qual também, têm pelas Convenções Internacionais que invocam, deveres, que não só direitos.

Os ilícitos indiciados nos autos pelos elevados montantes que atingiram, pelo que significaram na vida de todos os jovens que apostaram na Universidade, pela repercussão social de que se revestem e pelo perigo que toda esta actuação parece revestir na conservação e veracidade da prova recolhida são de molde a justificar a alteração da medida imposta.

Por outro lado, os arguidos já haviam sido interrogados e foram-no novamente.

Os despachos recorridos são suficientemente esclarecedores, quando conjugados com a acusação, peça processual para a qual remetem, para justificar a alteração da medida.

E, repete-se, já eram do conhecimento dos arguidos que até requereram abertura de instrução.

Não estão, pois, eivados de nenhum dos vícios apontados e são de manter.

5. Nestes termos, acordam em conferência em negar provimento ao recurso interposto daqueles dois despachos que se mantêm na íntegra.

É devida taxa de justiça que se fixa em 10 Ucs.

Notifique.

X - SEGUNDO PEDIDO DE HABEAS CORPUS

Tribunal da Relação de Lisboa

9ª Secção - Proc. nº 9095/01

3ª Secção - Proc. nº 9097/01

3ª Secção - Proc. nº 9096/01

3ª Secção - Proc. nº 9098/01

Exmo. Senhor Presidente

do Supremo Tribunal de Justiça

JOSÉ ANTÓNIO BRAGA DOS REIS GONÇALVES, JOÃO MANUEL BRAGA DOS REIS GONÇALVES, JOSÉ MANUEL E MAFRA DE SOUSA VITORIANO e ESMERALDO ROSA MONTEIRO DE AZEVEDO, arguidos nos autos à margem indicados, vêm, ao abrigo do art. 31º da Constituição e do art. 222º do C.P.P., requerer que lhes seja concedida a providência de habeas corpus, nos termos e com os fundamentos seguintes:

SUMÁRIO

I - PRESSUPOSTO DE FACTO E FUNDAMENTO JURÍDICO

II - OS FACTOS

III - ADMISSIBILIDADE DA PROVIDÊNCIA

IV - ERRO GROSSEIRO NA APLICAÇÃO DO DIREITO

I - PRESSUPOSTO DE FACTO E FUNDAMENTO JURÍDICO

1- O pressuposto de facto deste habeas corpus é a prisão efectiva e actual dos 4 arguidos, como deve ser atestado pelo Tribunal da Relação, nos termos do art. 223º nº 1 do C.P.P., uma vez que ainda aí se encontram os autos de recurso à margem indicados, cujos respectivos acórdãos determinam o presente pedido.

2- O seu fundamento jurídico são os erros grosseiros na aplicação do direito praticados pelos acórdãos de 7 de Agosto proferidos nos autos de recurso à margem indicados, os quais negaram provimento aos recursos interpostos e mantiveram a prisão preventiva dos arguidos, que havia sido ordenada a 12 de Junho e confirmada a 14 de Junho, no âmbito do proc. nº 2971/99.9TDLSB do 1º Juízo A do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, o que se inscreve no âmbito do art. 31º nº 1 da Constituição e do art. 222º nº 1 e nº 2 al. b) do C.P.P.

II - OS FACTOS

3- Os Requerentes foram constituídos arguidos na fase do inquérito destes autos, tendo sido submetidos às seguintes medidas de coacção:

a) O 1º Requerente à proibição de se ausentar para o estrangeiro sem autorização prévia do tribunal e à proibição de frequentar o espaço referente à Dinensino/UM;

b) O 2º Requerente a caução no montante de 1.000.000$00;

c) O 3º Requerente a caução no montante de 1.000.000$00;

d) O 4º Requerente a termo de identidade e residência (cf. Doc. 1, que não abrange o 4º Requerente atenta a natureza da medida a que este estava submetido).

Os Requerentes cumpriram escrupulosamente as medidas a que foram sujeitos, não lhes tendo sido imputado pelo tribunal qualquer incumprimento das mesmas.

4- O processo encontra-se na fase de instrução.

No passado dia 12 de Junho de 2001, o Tribunal de Instrução Criminal ouviu Esmeraldo Azevedo, ora 4º Requerente, Manuel Ramos Vaz e António Sousa Lara, todos arguidos.

Até ao momento da interposição dos recursos a que se referem os acórdãos de 7 de Agosto, foi vedado aos arguidos e aos mandatários o direito a consultar tais declarações (a não ser as do 4º Requerente a que o próprio naturalmente teve acesso), sob a alegação que o processo estaria em segredo de justiça, como mais à frente se indica.

Contudo, posteriormente, os arguidos vieram a ter acesso a essas declarações, que ora se juntam como Doc. 2.

Como decorre do seu teor, os arguidos ouvidos limitaram-se a confirmar o já anteriormente declarado, acrescido de alguns esclarecimentos, não referindo nenhum facto que possa ter qualquer relação - mesmo que remota - com os requisitos gerais da prisão preventiva referidos no art. 204º do C.P.P.

5- Encerrada essa diligência, a Senhora Juíza lavrou o seguinte despacho:

Os arguidos José António Braga dos Reis Gonçalves, João Manuel Braga dos Reis Gonçalves, José Manuel e Mafra de Sousa Vitoriano e Esmeraldo Rosa Monteiro de Azevedo estão acusados da prática de crimes de associação criminosa, administração danosa e apropriação ilícita p. e p. pelos arts. 299º nº 1 e 3 do C. Penal; 234º e 205º nº 1 al. b; 374º e 235º do referido diploma (este último por referência ao Código Cooperativo).

O despacho judicial de fls. 7166 e 7167 considerou adequadas medidas de coacção não privativas da liberdade, após a realização de interrogatórios judiciais.

No decurso do Inquérito, os indícios dos factos constantes do aludido despacho consolidaram-se e reforçaram-se na acusação deduzida, considerando-se, após a abertura da Instrução, nos termos dos arts. 286º e seguintes do C.P.P., que as medidas impostas são manifestamente insuficientes para acautelar os perigos, a que aludem as alíneas b) e c) do art. 204º do C.P.P.

Com efeito existe perigo para a aquisição, conservação, ou veracidade da prova. Mais existe perigo de continuidade de idêntica actividade criminosa, o que resultou evidenciado nos interrogatórios dos arguidos1 que prestaram declarações neste tribunal.

Assim, ao abrigo do disposto nos arts. 191º nº 1, 192º, 193º, 202º nº 1 al. a) e referido 204º al. b) e c) todos do C.P.P. determino a prisão preventiva de:

a) José António Braga dos Reis Gonçalves

b) João Manuel Braga dos Reis Gonçalves

c) José Manuel de Sousa Vitoriano

d) Esmeraldo Rosa Monteiro de Azevedo

Passe mandados de captura e entregue ao MPº, para cumprimento (cf. Doc. 3).

6- A partir do final da manhã de 14 de Junho, dia feriado, os mandatários dos arguidos começaram a ser contactados por telefone e telemóvel a fim de estarem presentes numa diligência de inquirição dos arguidos presos, a realizar às 15,30h desse dia, que se efectuou.

Os arguidos prestaram as seguintes declarações, nada mais lhes tendo sido perguntado:

a) O arguido João Manuel Braga dos Reis Gonçalves:

Que confirma as suas declarações prestadas a fls. 7124, 7125, que neste momento lhe foram integralmente lidas, excepto no que diz respeito ao seu vencimento, pois houve uma alteração, auferindo agora 340 mil escudos mensais, uma vez que é empregado do restaurante e na altura foi admitido como relações públicas.

Não se dedica a qualquer outra actividade. Os seus referidos dois filhos tem quatro e cinco anos. O filho da sua esposa tem dezoito anos e vivem todos em economia comum.

Mais esclarece que os seus dois filhos frequentem um colégio perto de casa. O filho da sua esposa estuda direito na Universidade Moderna.

Questionado sobre a aquisição da casa na Quinta da Marinha, disse que tal ocorreu a insistências do seu irmão, que entendia que o declarante devia deixar de viver na casa onde vivia e que a realização do contracto relativo ao empréstimo, decorreu nas instalações da Dinensino.

Deixou de trabalhar para a Dinensino em Janeiro de 99, quando começaram a sair as primeiras notícias nos jornais. Durante o tempo que trabalhou para a Dinensino tinha um vencimento mensal de cerca de 600 mil escudos, estando-lhe também atribuídos os dois referidos cartões de crédito, para despesas correntes e de representação (cf. Doc. 4).

b) O arguido José Manuel e Mafra de Sousa Vitoriano:

Que confirma as declarações prestadas em 13.04.2000 que neste momento lhe foram integralmente lidas, esclarecendo que leccionava também na Universidade, nas disciplinas de História Económica e Social e Economia Política, dando aulas em Setúbal num turno à noite e também em Lisboa.

A atribuição de remuneração pelas aulas era de 6.740$00 por hora, do qual resultava uma média mensal de cerca de 170 contos, estando-lhe também atribuído um veículo automóvel da marca Mercedes e um telemóvel, devido às suas funções de Secretário Geral da Universidade.

Em Outubro de 2000 deixou de ser Secretário Geral da Universidade bem como ali deixou de exercer a docência estando presentemente, como aliás já tinha iniciado em 1999 um doutoramento em Espanha na Universidade da Estremadura, bem como estando na fase de finalização de uma tese de mestrado, no ISCSP, sito na Junqueira.

Vive com ajuda de familiares, nomeadamente as suas duas irmãs e seus pais, e a casa onde actualmente reside e que indicou é de uma das suas irmãs.

Na sequência da cessação do vínculo laboral com a Dinensino, em acção judicial ocorreu uma transacção pela qual lhe seria atribuída a verba de 12 mil contos, dos quais oito mil foram imediatamente retidos pela Dinensino, recebendo na altura cerca de 4 mil e estando em dívida com a mesma entidade na ordem dos sete mil contos (cf. Doc. 5).

c) O arguido José António Braga dos Reis Gonçalves:

Que não se encontrava em condições psicológicas para prestar declarações, porque tal como já tinha afirmado em 13.04.2000, e menos neste momento dado a situação em que se encontra de prisão (cf. Doc. 6).

d) O arguido Esmeraldo Rosa Monteiro de Azevedo:

Que nada mais tem a acrescentar ao que já declarou a fls. 10740 e 10741, acrescentando que não tem nada a haver com a Dinensino, ou com a Universidade Moderna (cf. Doc. 7).

8- Terminados tais interrogatórios, a Senhora Juíza deu a palavra ao Ministério Público e aos mandatários dos arguidos, tendo aquele - sem referir qualquer facto concreto em que fundasse o seu pedido - requerido que os arguidos ficassem sujeitos a prisão preventiva e tendo os advogados, entre outras considerações, sustentado a ilegalidade da prisão já decretada.

Como já atrás se referiu, foi vedada aos advogados presentes a possibilidade de consultar as declarações dos arguidos prestadas durante a instrução, para as quais remetia quer o despacho que ordenara a prisão, quer a promoção do Ministério Público acabada de proferir, tendo sido invocado que o processo estava em segredo de justiça.

O mandatário do primeiro Requerente formalizou esse pedido na acta, o qual foi indeferido:

Requerimento - "que pretendia ter acesso aos interrogatórios a que se refere o despacho que determinou a prisão preventiva do arguido, e a promoção do Ministério Público, uma vez que carece de ter acesso a esses documentos para se poder pronunciar sobre os mesmos e sobre a promoção no Ministério Público, o que requer que V. Exa lhe autorize".

Despacho - "ao abrigo do disposto no art. 86º nº 1 conjugado com o disposto no art. 287º nº 1 al. b) do C.P.Penal, indefiro o requerido" (cf. Doc. 8, fls. 10789 do proc. principal).

9- Em seguida, a Senhora Juíza, após fazer uma rápida súmula da tramitação processual ocorrida após 12/06/01, manteve a prisão preventiva dos arguidos, nos seguintes termos e fundamentos:

De acordo com o disposto no art. 286º do CPPenal conjugado com o disposto no art. 194º nº 1, entende-se que para aplicação de medidas de coacção na fase instrutória não há necessidade de se verificarem novos factos, mas que seja evidenciado após o 1º despacho judicial que fixou medidas de coacção que as condutas, que já se indiciavam e que vieram a ser investigadas no decurso do inquérito e que mais se evidenciaram no decurso da instrução, com todos os documentos posteriores juntos aos autos, que as condutas de cada um dos arguidos, são de tal modo graves que fazem mais do que, no início do inquérito, recear pela verificação dos perigos a que alude o disposto no art. 204º do CPPenal.

Essa constatação resultou tanto mais evidente, após o disparo mediático que ocorreu a partir de 12.06.01, considera-se que a partir daí começaram a ser usados os meios de informação, em manifesta pressão sobre decisões judiciais.

Concretamente relativamente a João Braga Gonçalves, o s

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