FIM DO MILÉNIO

02-03-2001
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JANEIRO. Ministério envia 500 professores portugueses para Timor. Manifestação dos professores contratados. FEVEREIRO. Sai o relatório final de avaliação das universidades privadas. Ministro reconhece que 90% das instituições particulares não cumprem os requisitos mínimos. É oficializada a revisão curricular do secundário. MARÇO. Presidente da República inicia uma Presidência Temática sobre o Ensino Superior. ABRIL. Alunos do ensino superior e secundário contestam política de educação. MAIO. É aprovada na AR a nova Lei-Quadro do superior. 150 mil alunos do 4.º ano realizam provas de aferição de Língua Portuguesa e de Matemática. JUNHO. Segundo um relatório da União Europeia, Portugal tem a maior taxa de desistência depois do 9.º ano e o mais baixo índice de conclusão do 12.º, num estudo que comparou 26 países. JULHO. Sindicância à faculdade de Arquitectura de Lisboa revela acumulações ilegais dos professores em outras instituições e irregularidades na contratação dos mesmos. 250 alunos colocam atestados médicos, em duas escolas de Guimarães, na altura das provas globais. AGOSTO. Provedor de Justiça não aceita reclamação de pais dos alunos de Guimarães, que são obrigados a repetir as provas. As médias das classificações dos exames do 12.º ano mantém-se negativas em Matemática, Física e Química. SETEMBRO. Ministério comunica a nove instituições universitárias privadas que devem passar a politécnicas. 80% dos candidatos ao ensino superior conseguem entrar nas universidades estatais. OUTUBRO. O novo ministro, Santos Silva, diz que há universidades públicas que não estão a gerir bem os meios financeiros. Professores contratados protestam novamente nas ruas. NOVEMBRO. Manifestação dos alunos do secundário no Porto contra a revisão quase se transforma em batalha campal, com intervenção da polícia. DEZEMBRO. Estudantes do secundário saem à rua para exigir a suspensão da revisão curricular. Os resultados das provas de aferição de Língua Portuguesa e Matemática demonstram que a ortografia, pontuação, problemas matemáticos e geometria são as principais dificuldades dos alunos do 4.º ano.

O protesto das «cobaias» do ensino secundário MARIA JOSÉ MARGARIDO

Se a última década foi dominada pelas manifestações dos estudantes universitários, 2000 surge como o ano de todas as contestações no ensino secundário. Protestaram alunos, criticou o Conselho Nacional de Educação, indignou-se o ministério com a falta de compreensão de todos. Afinal, as aulas de 90 minutos e a separação entre as vias tecnológica e a de ensino foram a face mais visível de uma Reorganização Curricular que a tutela sempre apresentou como uma «branda transição», mas que todos entenderam como «mais um reforma» em que os alunos vão ser as principais cobaias. Entre a teoria e a prática, que só chegará no fim de 2004 ao 12.º ano, apenas se poderão interpor as intenções de um novo Governo.

E, mesmo assim, muito dificilmente.

Arquivo DN - José Carlos Carvalho A reorganização do secundário (e também do básico) é uma herança dos tempos de Marçal Grilo que muito deve à persistência de Ana Benavente, a única secretária de Estado que se mantém em funções no Ministério da Educação desde essa altura. Em traços muito gerais, o novo desenho curricular vai acabar com as provas globais no 10.º ano. As aulas passam a ter 90 minutos e o ano lectivo ganha uma nova organização por semestres, com apenas dois momentos de avaliação (actualmente são trÖs). A separaração entre as duas vias (tecnológica e de ensino) é suavizada com a possibilidade de transição entre os cursos no 10.º, 11.º ou 12.º anos.

Apresentadas as traves-mestras, as críticas feitas pelo Conselho Nacional de Educação a este projecto não surtiram qualquer efeito. É o caso das dúvidas quanto à generalização das aulas de 90 minutos e à aplicação dos 17 novos cursos tecnológicos, que o CNE entende serem de «banda demasiado estreita», só para dar dois exemplos. Aqui, o ministério perdeu em falta de diálogo e em promessas de que as sugestões iriam ser tomadas em linha de conta, quando não foram.

Se a contestação dos alunos, nas ruas e nas escolas, foi mais visível, nem por isso ganhou em credibilidade – quando inquiridos acerca dos motivos dos protestos, os estudantes apenas referiam a necessidade de generalização da educação sexual e as «malditas» aulas de 90 minutos. Aqui, a tutela ganhou em credibilidade, quando relembrou que não é através de aulas puramente expositivas, de 45 minutos, que se cativam os alunos para a matéria.

O que resta agora apurar – e não é pouco - é se prática vai demonstrar ser tão eficaz como soa a teoria. Será que os professores vão utilizar mesmo as aulas de 90 minutos não só para debitar a matéria mas também para a discutir com os alunos em seguida? Será que vão ajudar 20 ou mais alunos a resolver problemas matemáticos ou a tirar dúvidas históricas? Não serão os cursos tecnológicos uma via sem saída, tendo em conta a sua excessiva especialização e a perda de tempo que significa voltar atrás? E estarão as escolas preparadas para a revolução necessária – a das mentalidades?

COMENTÁRIO Onde está o projecto educativo? M. J. M.

A Educação estagnou em 2000. Com dois ministros diferentes e um projecto indefinido, os corredores da 5 de Outubro revelaram-se intermináveis para concretizar as tarefas herdadas do reinado de Marçal Grilo e mesmo as poucas iniciativas que Guilherme d’Oliveira Martins, o primeiro detentor da pasta, apresentou como prioridades absolutas. Foi assim com a interminável novela da avaliação das universidades privadas (um processo pouco transparente), com a nova Lei-Quadro do Ensino Superior (que ameaça ser totalmente inócua), com a urgente revisão do sistema de colocação de professores (adiada em nome da prudência até ao atraso final).

Pouco tempo após a tomada de posse do segundo ministro, Augusto Santos Silva, continuam a faltar regras para evitar a acumulação de instituições pelos professores, o financiamento das universidades mantém-se inalterado e injusto, os empréstimos aos estudantes do ensino superior foram adiados para as calendas, já ninguém se lembra das prometidas alterações aos cursos de formação de professores nem percebe para que serviram os contratos de desenvolvimento, que injectaram verbas adicionais nas grandes instituições públicas. Falta ao ministério concretizar aquilo que acusa muitas escolas de não possuir: um sólido projecto educativo.

A avaliação do ensino superior privado pelo Grupo de Missão nomeado para o efeito (com pompa e muita publicidade) é sintomática do estranho método de governação que se apoderou dos responsáveis pela educação. As conclusões são discutíveis devido ao método (os peritos apenas enviaram questionários às escolas) e ao timing (os dados eram de 1997 e foram conhecidos três anos depois).

Além disso, o ministério resolveu tomar medidas de força (que mesmo assim ainda não passaram do papel) apenas contra algumas instituições (as nove escolas universitárias que foram aconselhadas a passar a politécnicas). Pior: há relatórios que, inexplicavelmente e ultrapassando todos os prazos concebíveis, ainda não foram divulgados. Três exemplos elucidativos: o das universidades Autónoma, Moderna e Lusófona. Resultados práticos: gastaram-se alguns milhares a tratar de forma desigual o que deveria ter sido tratado da mesma forma, correu muita tinta sobre o assunto e nada mudou. Uma fórmula que se pode aplicar a quase todos os aspectos da Educação em 2000.

JANEIRO. Ministério envia 500 professores portugueses para Timor. Manifestação dos professores contratados. FEVEREIRO. Sai o relatório final de avaliação das universidades privadas. Ministro reconhece que 90% das instituições particulares não cumprem os requisitos mínimos. É oficializada a revisão curricular do secundário. MARÇO. Presidente da República inicia uma Presidência Temática sobre o Ensino Superior. ABRIL. Alunos do ensino superior e secundário contestam política de educação. MAIO. É aprovada na AR a nova Lei-Quadro do superior. 150 mil alunos do 4.º ano realizam provas de aferição de Língua Portuguesa e de Matemática. JUNHO. Segundo um relatório da União Europeia, Portugal tem a maior taxa de desistência depois do 9.º ano e o mais baixo índice de conclusão do 12.º, num estudo que comparou 26 países. JULHO. Sindicância à faculdade de Arquitectura de Lisboa revela acumulações ilegais dos professores em outras instituições e irregularidades na contratação dos mesmos. 250 alunos colocam atestados médicos, em duas escolas de Guimarães, na altura das provas globais. AGOSTO. Provedor de Justiça não aceita reclamação de pais dos alunos de Guimarães, que são obrigados a repetir as provas. As médias das classificações dos exames do 12.º ano mantém-se negativas em Matemática, Física e Química. SETEMBRO. Ministério comunica a nove instituições universitárias privadas que devem passar a politécnicas. 80% dos candidatos ao ensino superior conseguem entrar nas universidades estatais. OUTUBRO. O novo ministro, Santos Silva, diz que há universidades públicas que não estão a gerir bem os meios financeiros. Professores contratados protestam novamente nas ruas. NOVEMBRO. Manifestação dos alunos do secundário no Porto contra a revisão quase se transforma em batalha campal, com intervenção da polícia. DEZEMBRO. Estudantes do secundário saem à rua para exigir a suspensão da revisão curricular. Os resultados das provas de aferição de Língua Portuguesa e Matemática demonstram que a ortografia, pontuação, problemas matemáticos e geometria são as principais dificuldades dos alunos do 4.º ano.

O protesto das «cobaias» do ensino secundário MARIA JOSÉ MARGARIDO

Se a última década foi dominada pelas manifestações dos estudantes universitários, 2000 surge como o ano de todas as contestações no ensino secundário. Protestaram alunos, criticou o Conselho Nacional de Educação, indignou-se o ministério com a falta de compreensão de todos. Afinal, as aulas de 90 minutos e a separação entre as vias tecnológica e a de ensino foram a face mais visível de uma Reorganização Curricular que a tutela sempre apresentou como uma «branda transição», mas que todos entenderam como «mais um reforma» em que os alunos vão ser as principais cobaias. Entre a teoria e a prática, que só chegará no fim de 2004 ao 12.º ano, apenas se poderão interpor as intenções de um novo Governo.

E, mesmo assim, muito dificilmente.

Arquivo DN - José Carlos Carvalho A reorganização do secundário (e também do básico) é uma herança dos tempos de Marçal Grilo que muito deve à persistência de Ana Benavente, a única secretária de Estado que se mantém em funções no Ministério da Educação desde essa altura. Em traços muito gerais, o novo desenho curricular vai acabar com as provas globais no 10.º ano. As aulas passam a ter 90 minutos e o ano lectivo ganha uma nova organização por semestres, com apenas dois momentos de avaliação (actualmente são trÖs). A separaração entre as duas vias (tecnológica e de ensino) é suavizada com a possibilidade de transição entre os cursos no 10.º, 11.º ou 12.º anos.

Apresentadas as traves-mestras, as críticas feitas pelo Conselho Nacional de Educação a este projecto não surtiram qualquer efeito. É o caso das dúvidas quanto à generalização das aulas de 90 minutos e à aplicação dos 17 novos cursos tecnológicos, que o CNE entende serem de «banda demasiado estreita», só para dar dois exemplos. Aqui, o ministério perdeu em falta de diálogo e em promessas de que as sugestões iriam ser tomadas em linha de conta, quando não foram.

Se a contestação dos alunos, nas ruas e nas escolas, foi mais visível, nem por isso ganhou em credibilidade – quando inquiridos acerca dos motivos dos protestos, os estudantes apenas referiam a necessidade de generalização da educação sexual e as «malditas» aulas de 90 minutos. Aqui, a tutela ganhou em credibilidade, quando relembrou que não é através de aulas puramente expositivas, de 45 minutos, que se cativam os alunos para a matéria.

O que resta agora apurar – e não é pouco - é se prática vai demonstrar ser tão eficaz como soa a teoria. Será que os professores vão utilizar mesmo as aulas de 90 minutos não só para debitar a matéria mas também para a discutir com os alunos em seguida? Será que vão ajudar 20 ou mais alunos a resolver problemas matemáticos ou a tirar dúvidas históricas? Não serão os cursos tecnológicos uma via sem saída, tendo em conta a sua excessiva especialização e a perda de tempo que significa voltar atrás? E estarão as escolas preparadas para a revolução necessária – a das mentalidades?

COMENTÁRIO Onde está o projecto educativo? M. J. M.

A Educação estagnou em 2000. Com dois ministros diferentes e um projecto indefinido, os corredores da 5 de Outubro revelaram-se intermináveis para concretizar as tarefas herdadas do reinado de Marçal Grilo e mesmo as poucas iniciativas que Guilherme d’Oliveira Martins, o primeiro detentor da pasta, apresentou como prioridades absolutas. Foi assim com a interminável novela da avaliação das universidades privadas (um processo pouco transparente), com a nova Lei-Quadro do Ensino Superior (que ameaça ser totalmente inócua), com a urgente revisão do sistema de colocação de professores (adiada em nome da prudência até ao atraso final).

Pouco tempo após a tomada de posse do segundo ministro, Augusto Santos Silva, continuam a faltar regras para evitar a acumulação de instituições pelos professores, o financiamento das universidades mantém-se inalterado e injusto, os empréstimos aos estudantes do ensino superior foram adiados para as calendas, já ninguém se lembra das prometidas alterações aos cursos de formação de professores nem percebe para que serviram os contratos de desenvolvimento, que injectaram verbas adicionais nas grandes instituições públicas. Falta ao ministério concretizar aquilo que acusa muitas escolas de não possuir: um sólido projecto educativo.

A avaliação do ensino superior privado pelo Grupo de Missão nomeado para o efeito (com pompa e muita publicidade) é sintomática do estranho método de governação que se apoderou dos responsáveis pela educação. As conclusões são discutíveis devido ao método (os peritos apenas enviaram questionários às escolas) e ao timing (os dados eram de 1997 e foram conhecidos três anos depois).

Além disso, o ministério resolveu tomar medidas de força (que mesmo assim ainda não passaram do papel) apenas contra algumas instituições (as nove escolas universitárias que foram aconselhadas a passar a politécnicas). Pior: há relatórios que, inexplicavelmente e ultrapassando todos os prazos concebíveis, ainda não foram divulgados. Três exemplos elucidativos: o das universidades Autónoma, Moderna e Lusófona. Resultados práticos: gastaram-se alguns milhares a tratar de forma desigual o que deveria ter sido tratado da mesma forma, correu muita tinta sobre o assunto e nada mudou. Uma fórmula que se pode aplicar a quase todos os aspectos da Educação em 2000.

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