Cartaz: Livros Recensões

15-12-2000
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Patañjali e o Yoga

Mircéa Eliade

Durante trinta anos professor do Departamento de História das Religiões da Universidade de Chicago, embora a sua formação fosse a de filósofo, Mircéa Eliade (1907-1986) não foi apenas um dos mais prestigiosos historiadores contemporâneos do vasto mundo das religiões e das gnoses, mas também um estudioso das «hierofanias» - manifestações ou revelações físicas do sagrado situadas num tempo não-histórico - sob a forma de experiências vivas, assim como dos seus respectivos símbolos, mitos e ritos. O percurso de Eliade em direcção à fenomenologia e à história do sagrado passou sobretudo pela sua tese de mestrado sobre os filósofos do Renascimento (de Marcílio Ficino a Giordano Bruno), pela viagem a Calcutá em 1928 (onde estudou sânscrito e filosofia indiana) e pelo regresso quatro anos depois a Bucareste, onde defende uma tese de doutoramento sobre a psicologia e a filosofia do Yoga, primeiro publicada em francês (Essai sur les Origines de la Mystique Indienne) e depois revista em inglês (Yoga, Immortality and Freedom). Hostilizado pelo regime comunista romeno, Eliade parte para Paris (foi professor na École des Hautes Études da Sorbonne pela mão de Georges Dumézil) e, em 1958, é convidado a leccionar em Chicago, cargo que ocupa até 1986, ano da sua morte. Ali, fundou duas publicações periódicas («History of Religions» e «The Journal of Religion») e foi editor-chefe da monumental Encyclopedia of Religion (ed. Macmillan). Quanto ao seu livro Patañjali e o Yoga, continua a ser um estudo de referência sobre as filosofias e as práticas (técnicas psicológicas e outras) subjacentes à mística e à espiritualidade indianas, que embora não configurem propriamente uma psicologia no sentido moderno do termo, fizeram desde há milhares de anos profundas e pertinentes incursões naquilo que hoje, no Ocidente, é saber quase exclusivo daquela. Contudo, nada indica que os filósofos e contemplativos que medraram e medram (embora mais discretamente, o que quer dizer que não fazem parte da horda de gurus que alimentam da pior maneira o imaginário e turismo religioso da Índia) em solo industânico tivessem qualquer interesse num corpo de conhecimentos idênticos ao da actual psicologia ocidental. Nem os seus mestres se consideraram alguma vez psicoterapeutas. Neste estudo sobre o universo do ioga, Eliade consegue situar não só um vasto leque de práticas, das mais elementares às mais elaboradas e espiritualmente significativas, mas sobretudo a finalidade a que se destinam: libertar o indivíduo dos condicionamentos psicológicos de fundo, disponibilizando-o para um incomparável processo de mutação subjectiva, alicerçado não em meros jogos de sombras de uma pseudoconsciência psicológica mas na eclosão de uma verdadeira consciência, à partida latente, e na livre fruição da natureza intrinsecamente sagrada da vida e do cosmos. (Relógio d'Água, 2000, trad. de Elsa Castro Neves, 216 págs., 2300$00, 11,47 euros) VÍTOR QUELHAS

Monumentos

Saiu o nº 12 da Revista Semestral de Edifícios e Monumentos, órgão da Direcção-Geral do mesmo nome (DGEMN). Graficamente cuidada como sempre, o dossier deste número é dedicado à Praça e Vila de Valença, o que corresponde a uma certa deslocação da atenção da DGEMN do edifício simples para conjuntos construídos mais amplos, e para contextos complexos. Esta perspectiva está expressa no artigo «A Gestão de Projecto em Áreas Urbanas Antigas: Caminhar e Medir» (onde se dispensavam as «bicadas» ao IPPAR, prolongando uma rivalidade sem sentido) e, com mais elegância, já fora do dossier, no texto de Maria Fernandes sobre a Ucanha, sublinhando a importância do envolvimento da autarquia e das populações para uma gestão integrada, e com sucesso, do património. Do dossier propriamente dito, é de sublinhar o artigo de Francisco Sousa Lobo, «Um Olhar Militar sobre Valença» que, apesar do título rebarbativo, não só é de leitura acessível a paisanos como é fundamental para entender o espaço, recomendando-se que se leia em primeiro lugar, antes dos dois artigos sobre o espaço urbano posterior ao século XVI, um de Margarida Valla e outro de Margarida Tavares da Conceição, e de «A Fortificação Moderna», de Miguel Soromenho. Amélia Aguiar Andrade, que em tempos nos deliciou com uma bela monografia de Ponte de Lima medieval, apresenta-nos a vila medieval de Valença (antes chamada Contrasta) com a clareza e a atenção a que o seu trabalho nos tem habituado. O texto dedicado por Eugénio Freitas à Colegiada de Santo Estêvão, pelo contrário, é tudo o que um texto não devia ser, em lado nenhum, seca cronologia sem ideias nem património. Uma menção ao artigo de Ana Tostões sobre a Pousada e o seu arquitecto João Andresen, inserindo o projecto na história da Arquitectura e, nomeadamente, na reivindicação do movimento moderno pela geração do autor. Evidentemente, a ficha do Inventário do Património Arquitectónico sobre Valença é o ponto de referência do dossier. Artigos sobre a nova Biblioteca Central do Ministério das Finanças, sobre intervenções nos edifícios do Palácio de Justiça de Coimbra e dos Governos Civis de Vila Real e Braga completam este número, que termina com uma reflexão de fundo de Fernando Henriques sobre «A Conservação em Portugal», questionando o refúgio em questões técnicas quando as opções são sempre de ordem cultural. (Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Março de 2000, 118 págs., 2000$00, 9,98 euros) RUI ROCHA

Gepolis

Revista do Gabinete de Estudos em Filosofia e Cidadania da Universidade Católica, «Gepolis» é paradigmática da qualidade da investigação desenvolvida nos confins da nossa comunidade científica. Mais do que isso, abre as portas a jovens investigadores e preenche um item essencial a qualquer publicação universitária: divulgar o «produto» da sua formação. Esta revista, que a partir do nº 4 passou a ser semestral, tem sido um lugar de reflexão nas áreas da Ética, da Política, da Religião e da Cidadania, e consubstancia-se num «corpus» que integra, normalmente, o ensaio e a recensão. Composto de dez artigos de intenso teor científico, o primeiro capítulo abre com uma homenagem a Francisco da Gama Caeiro - cujo zénite se revê na expressão de Maria de Lurdes Sirgado Ganho: «há seres que atravessam a existência e deixam de si um rasto luminoso e profundo» - e encerra com um texto de Américo Pereira, que visa esclarecer a relação entre o «acto» e o «ser» em De l'Acte, de Louis Lavelle. À cogitação política António Amaral dedica um estudo sobre teoria da revolução em Aristóteles, Nicolau Marques uma análise da concepção de Michael Oaskeshott e Elísio Gala fala-nos de Álvaro Ribeiro. A completar a lista, e penetrando noutros domínios, somos confrontados com uma exposição sobre a influência da Scienza Nuova, de Vico, nos filósofos dos séculos XIX e XX, por Rodrigo S. Cunha; uma crítica ao modo como o sistema educativo português administra a formação estética, de Ana Cristina Castel-Branco; um texto de Isabel Silva que ilustra a necessidade de acentuar a formação moral e cívica; a exposição por S. N. Eisenstadt das múltiplas compreensões da modernidade e da civilização moderna na era da globalização; e um artigo de Dimíter Ánguelov sobre os «paradoxos» da liberdade moral em Schopenhauer. O segundo capítulo é dedicado à publicação da ordem de trabalhos e de intervenções no congresso «A Lusofonia na Era da Informação», organizado pela Sociedade de Geografia de Lisboa (Junho de 1998) para lembrar a tarefa comum aos sete países lusófonos, tendo reunido personalidades das áreas da literatura, desporto, televisão, multimédia e economia. Com intuito distinto, o terceiro capítulo confina-se a recensões das obras Acreditar em Acreditar, de Gianni Vattimo, On Nationality, de David Miller, After Virtue, de Alasdair MacIntyre, e The Rebirth of Classical Political Rationalism, de Leo Strauss. (Universidade Católica Portuguesa, nº 6, 1999, 198 págs., 1250$00, 6,23 euros) MARIA JOÃO CABRITA

Malasartes - Cadernos de Literatura para a Infância e a Juventude

A leitura, ou a falta dela, é um dos dramas silenciosos da nossa sociedade e das famílias. Questão com contornos complexos que aqui não se vão equacionar, componente vital do desenvolvimento, tem aspectos específicos consoante as idades, sendo um dos problemas clássicos nas sociedades alfabetizadas a perda do hábito de leitura dos jovens adultos quando entram no mundo do trabalho. Mas hoje os problemas vão muito mais atrás e mais fundo. Com a redução acelerada dos que não têm acesso à instrução, a questão, entre nós, já não está na diminuição do gosto pela leitura, mas na divulgadíssima (e até graus escolares elevados) incapacidade de soletrar, de ler efectivamente, de compreender e interpretar qualquer texto, mesmo de áreas não literárias, mesmo meramente funcional. Antes do gosto pela leitura, e condição «sine qua non», é essencial o domínio da leitura na idade própria, chegando ao «ciclo» a ler como quem respira. Para isso, a par da aquisição institucional dessa competência (além do alargamento da pré-primária, e apesar de muita gente dedicada, a chave da gravíssima situação do ensino passa crucialmente pela primária), é imprescindível o acesso ao mundo dos livros através da família e das bibliotecas escolares e públicas, até à progressiva autonomização. A existência de um espaço de análise, reflexão, crítica, informação, orientação sobre a literatura infantil e juvenil, e mais amplamente o universo do livro para as primeiras idades, torna-se imprescindível e potencia o desenvolvimento e aperfeiçoamento do convívio com o mundo dos livros, do texto, da imagem, das histórias, da efabulação, do imaginário, da descoberta do mundo, essenciais ao património genético-cultural, e, afinal, à felicidade. A ausência de um espaço destes é sintoma do pouco interesse de uma sociedade por essa componente radical da formação. Um grupo de especialistas em literatura infantil-juvenil, liderado por José António Gomes (bem conhecido dos leitores do EXPRESSO), a que não é estranha a dinâmica da Associação Portuguesa para a Promoção do Livro Infantil e Juvenil, e com o apoio inicial do IPLB, acaba de preencher esse vazio com a revista «Malasartes», nome obviamente baseado numa divertida figura dos contos populares tradicionais. A destacar, neste nº 1, a conversa entre duas ilustradoras, com a originalidade de ser a artista mais consagrada, Manuela Bacelar, a entrevistar outra mais nova, e também excelente, Ângela Melo. Há ainda outra entrevista, com Sérgio Godinho, sobre a sua relação com a literatura infantil. O primeiro dossier é dedicado à poesia na sua relação com a infância e a pedagogia. É também feita uma primeira e oportuna abordagem à biblioteca escolar, componente essencial de toda esta dinâmica, e bem assim, o que é menos lembrado, ao livro no jardim de infância. As recensões e notas de leitura, cuidadas e criteriosas, são outra componente essencial e extremamente importante do projecto editorial da revista, dando uma primeira panorâmica rica e actualizada. E não falta a análise do primeiro título da série Harry Potter, agora na moda. Não muito volumoso (de pequenino se torce o pepino), este nº1, graficamente muito agradável, tem sólidos motivos de interesse, aponta algumas linhas-mestras do que se pretende e abre legítimas expectativas, sendo evidente a sua importância para todos os que se interessam pelas crianças e jovens e pela criação artística a eles destinada. (Campo das Letras, 1999, 600$00, 2,99 euros; assinatura de quatro números, 2000$00, 9,98 euros) JOÃO P. BOLÉO

Patañjali e o Yoga

Mircéa Eliade

Durante trinta anos professor do Departamento de História das Religiões da Universidade de Chicago, embora a sua formação fosse a de filósofo, Mircéa Eliade (1907-1986) não foi apenas um dos mais prestigiosos historiadores contemporâneos do vasto mundo das religiões e das gnoses, mas também um estudioso das «hierofanias» - manifestações ou revelações físicas do sagrado situadas num tempo não-histórico - sob a forma de experiências vivas, assim como dos seus respectivos símbolos, mitos e ritos. O percurso de Eliade em direcção à fenomenologia e à história do sagrado passou sobretudo pela sua tese de mestrado sobre os filósofos do Renascimento (de Marcílio Ficino a Giordano Bruno), pela viagem a Calcutá em 1928 (onde estudou sânscrito e filosofia indiana) e pelo regresso quatro anos depois a Bucareste, onde defende uma tese de doutoramento sobre a psicologia e a filosofia do Yoga, primeiro publicada em francês (Essai sur les Origines de la Mystique Indienne) e depois revista em inglês (Yoga, Immortality and Freedom). Hostilizado pelo regime comunista romeno, Eliade parte para Paris (foi professor na École des Hautes Études da Sorbonne pela mão de Georges Dumézil) e, em 1958, é convidado a leccionar em Chicago, cargo que ocupa até 1986, ano da sua morte. Ali, fundou duas publicações periódicas («History of Religions» e «The Journal of Religion») e foi editor-chefe da monumental Encyclopedia of Religion (ed. Macmillan). Quanto ao seu livro Patañjali e o Yoga, continua a ser um estudo de referência sobre as filosofias e as práticas (técnicas psicológicas e outras) subjacentes à mística e à espiritualidade indianas, que embora não configurem propriamente uma psicologia no sentido moderno do termo, fizeram desde há milhares de anos profundas e pertinentes incursões naquilo que hoje, no Ocidente, é saber quase exclusivo daquela. Contudo, nada indica que os filósofos e contemplativos que medraram e medram (embora mais discretamente, o que quer dizer que não fazem parte da horda de gurus que alimentam da pior maneira o imaginário e turismo religioso da Índia) em solo industânico tivessem qualquer interesse num corpo de conhecimentos idênticos ao da actual psicologia ocidental. Nem os seus mestres se consideraram alguma vez psicoterapeutas. Neste estudo sobre o universo do ioga, Eliade consegue situar não só um vasto leque de práticas, das mais elementares às mais elaboradas e espiritualmente significativas, mas sobretudo a finalidade a que se destinam: libertar o indivíduo dos condicionamentos psicológicos de fundo, disponibilizando-o para um incomparável processo de mutação subjectiva, alicerçado não em meros jogos de sombras de uma pseudoconsciência psicológica mas na eclosão de uma verdadeira consciência, à partida latente, e na livre fruição da natureza intrinsecamente sagrada da vida e do cosmos. (Relógio d'Água, 2000, trad. de Elsa Castro Neves, 216 págs., 2300$00, 11,47 euros) VÍTOR QUELHAS

Monumentos

Saiu o nº 12 da Revista Semestral de Edifícios e Monumentos, órgão da Direcção-Geral do mesmo nome (DGEMN). Graficamente cuidada como sempre, o dossier deste número é dedicado à Praça e Vila de Valença, o que corresponde a uma certa deslocação da atenção da DGEMN do edifício simples para conjuntos construídos mais amplos, e para contextos complexos. Esta perspectiva está expressa no artigo «A Gestão de Projecto em Áreas Urbanas Antigas: Caminhar e Medir» (onde se dispensavam as «bicadas» ao IPPAR, prolongando uma rivalidade sem sentido) e, com mais elegância, já fora do dossier, no texto de Maria Fernandes sobre a Ucanha, sublinhando a importância do envolvimento da autarquia e das populações para uma gestão integrada, e com sucesso, do património. Do dossier propriamente dito, é de sublinhar o artigo de Francisco Sousa Lobo, «Um Olhar Militar sobre Valença» que, apesar do título rebarbativo, não só é de leitura acessível a paisanos como é fundamental para entender o espaço, recomendando-se que se leia em primeiro lugar, antes dos dois artigos sobre o espaço urbano posterior ao século XVI, um de Margarida Valla e outro de Margarida Tavares da Conceição, e de «A Fortificação Moderna», de Miguel Soromenho. Amélia Aguiar Andrade, que em tempos nos deliciou com uma bela monografia de Ponte de Lima medieval, apresenta-nos a vila medieval de Valença (antes chamada Contrasta) com a clareza e a atenção a que o seu trabalho nos tem habituado. O texto dedicado por Eugénio Freitas à Colegiada de Santo Estêvão, pelo contrário, é tudo o que um texto não devia ser, em lado nenhum, seca cronologia sem ideias nem património. Uma menção ao artigo de Ana Tostões sobre a Pousada e o seu arquitecto João Andresen, inserindo o projecto na história da Arquitectura e, nomeadamente, na reivindicação do movimento moderno pela geração do autor. Evidentemente, a ficha do Inventário do Património Arquitectónico sobre Valença é o ponto de referência do dossier. Artigos sobre a nova Biblioteca Central do Ministério das Finanças, sobre intervenções nos edifícios do Palácio de Justiça de Coimbra e dos Governos Civis de Vila Real e Braga completam este número, que termina com uma reflexão de fundo de Fernando Henriques sobre «A Conservação em Portugal», questionando o refúgio em questões técnicas quando as opções são sempre de ordem cultural. (Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Março de 2000, 118 págs., 2000$00, 9,98 euros) RUI ROCHA

Gepolis

Revista do Gabinete de Estudos em Filosofia e Cidadania da Universidade Católica, «Gepolis» é paradigmática da qualidade da investigação desenvolvida nos confins da nossa comunidade científica. Mais do que isso, abre as portas a jovens investigadores e preenche um item essencial a qualquer publicação universitária: divulgar o «produto» da sua formação. Esta revista, que a partir do nº 4 passou a ser semestral, tem sido um lugar de reflexão nas áreas da Ética, da Política, da Religião e da Cidadania, e consubstancia-se num «corpus» que integra, normalmente, o ensaio e a recensão. Composto de dez artigos de intenso teor científico, o primeiro capítulo abre com uma homenagem a Francisco da Gama Caeiro - cujo zénite se revê na expressão de Maria de Lurdes Sirgado Ganho: «há seres que atravessam a existência e deixam de si um rasto luminoso e profundo» - e encerra com um texto de Américo Pereira, que visa esclarecer a relação entre o «acto» e o «ser» em De l'Acte, de Louis Lavelle. À cogitação política António Amaral dedica um estudo sobre teoria da revolução em Aristóteles, Nicolau Marques uma análise da concepção de Michael Oaskeshott e Elísio Gala fala-nos de Álvaro Ribeiro. A completar a lista, e penetrando noutros domínios, somos confrontados com uma exposição sobre a influência da Scienza Nuova, de Vico, nos filósofos dos séculos XIX e XX, por Rodrigo S. Cunha; uma crítica ao modo como o sistema educativo português administra a formação estética, de Ana Cristina Castel-Branco; um texto de Isabel Silva que ilustra a necessidade de acentuar a formação moral e cívica; a exposição por S. N. Eisenstadt das múltiplas compreensões da modernidade e da civilização moderna na era da globalização; e um artigo de Dimíter Ánguelov sobre os «paradoxos» da liberdade moral em Schopenhauer. O segundo capítulo é dedicado à publicação da ordem de trabalhos e de intervenções no congresso «A Lusofonia na Era da Informação», organizado pela Sociedade de Geografia de Lisboa (Junho de 1998) para lembrar a tarefa comum aos sete países lusófonos, tendo reunido personalidades das áreas da literatura, desporto, televisão, multimédia e economia. Com intuito distinto, o terceiro capítulo confina-se a recensões das obras Acreditar em Acreditar, de Gianni Vattimo, On Nationality, de David Miller, After Virtue, de Alasdair MacIntyre, e The Rebirth of Classical Political Rationalism, de Leo Strauss. (Universidade Católica Portuguesa, nº 6, 1999, 198 págs., 1250$00, 6,23 euros) MARIA JOÃO CABRITA

Malasartes - Cadernos de Literatura para a Infância e a Juventude

A leitura, ou a falta dela, é um dos dramas silenciosos da nossa sociedade e das famílias. Questão com contornos complexos que aqui não se vão equacionar, componente vital do desenvolvimento, tem aspectos específicos consoante as idades, sendo um dos problemas clássicos nas sociedades alfabetizadas a perda do hábito de leitura dos jovens adultos quando entram no mundo do trabalho. Mas hoje os problemas vão muito mais atrás e mais fundo. Com a redução acelerada dos que não têm acesso à instrução, a questão, entre nós, já não está na diminuição do gosto pela leitura, mas na divulgadíssima (e até graus escolares elevados) incapacidade de soletrar, de ler efectivamente, de compreender e interpretar qualquer texto, mesmo de áreas não literárias, mesmo meramente funcional. Antes do gosto pela leitura, e condição «sine qua non», é essencial o domínio da leitura na idade própria, chegando ao «ciclo» a ler como quem respira. Para isso, a par da aquisição institucional dessa competência (além do alargamento da pré-primária, e apesar de muita gente dedicada, a chave da gravíssima situação do ensino passa crucialmente pela primária), é imprescindível o acesso ao mundo dos livros através da família e das bibliotecas escolares e públicas, até à progressiva autonomização. A existência de um espaço de análise, reflexão, crítica, informação, orientação sobre a literatura infantil e juvenil, e mais amplamente o universo do livro para as primeiras idades, torna-se imprescindível e potencia o desenvolvimento e aperfeiçoamento do convívio com o mundo dos livros, do texto, da imagem, das histórias, da efabulação, do imaginário, da descoberta do mundo, essenciais ao património genético-cultural, e, afinal, à felicidade. A ausência de um espaço destes é sintoma do pouco interesse de uma sociedade por essa componente radical da formação. Um grupo de especialistas em literatura infantil-juvenil, liderado por José António Gomes (bem conhecido dos leitores do EXPRESSO), a que não é estranha a dinâmica da Associação Portuguesa para a Promoção do Livro Infantil e Juvenil, e com o apoio inicial do IPLB, acaba de preencher esse vazio com a revista «Malasartes», nome obviamente baseado numa divertida figura dos contos populares tradicionais. A destacar, neste nº 1, a conversa entre duas ilustradoras, com a originalidade de ser a artista mais consagrada, Manuela Bacelar, a entrevistar outra mais nova, e também excelente, Ângela Melo. Há ainda outra entrevista, com Sérgio Godinho, sobre a sua relação com a literatura infantil. O primeiro dossier é dedicado à poesia na sua relação com a infância e a pedagogia. É também feita uma primeira e oportuna abordagem à biblioteca escolar, componente essencial de toda esta dinâmica, e bem assim, o que é menos lembrado, ao livro no jardim de infância. As recensões e notas de leitura, cuidadas e criteriosas, são outra componente essencial e extremamente importante do projecto editorial da revista, dando uma primeira panorâmica rica e actualizada. E não falta a análise do primeiro título da série Harry Potter, agora na moda. Não muito volumoso (de pequenino se torce o pepino), este nº1, graficamente muito agradável, tem sólidos motivos de interesse, aponta algumas linhas-mestras do que se pretende e abre legítimas expectativas, sendo evidente a sua importância para todos os que se interessam pelas crianças e jovens e pela criação artística a eles destinada. (Campo das Letras, 1999, 600$00, 2,99 euros; assinatura de quatro números, 2000$00, 9,98 euros) JOÃO P. BOLÉO

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