EXPRESSO: País

16-06-2001
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Voo picado no INAC

A ex-administração denuncia a venda de testes a pilotos e falsificações para dar licenças a aviões

DOIS ex-membros do conselho de administração do Instituto Nacional de Aviação Civil (INAC) afirmaram ao EXPRESSO terem conhecimento de que

Exonerados pelo secretário de Estado dos Transportes, Rui Cunha, o presidente, Luís Lopes, e o vogal Costa Neves revelaram que «a administração soube desde o início que ali se trocam muitos favores». De acordo com Luís Lopes, aquelas situações eram comentadas ainda no tempo da Direcção-Geral de Aviação Civil (DGAC), que antecedeu o INAC, criado em 1998. Contudo, «nunca o conseguimos provar», diz.

A exonerada administração instaurou 11 processos disciplinares, três deles reportando a situações ocorridas no quadro da DGAC, que já era formada por alguns elementos do conselho de administração agora afastado.

Foi o caso das suspeitas de venda de testes a pilotos. De acordo com testemunhos de Costa Neves, o processo disciplinar foi levantado na sequência do desaparecimento de alguns exames. «O responsável pelo licenciamento estava desconfiado e resolveu mudar a fechadura do armário onde se guardava os testes. Por ocasião de um exame, verificou-se que faltavam provas. Os enunciados foram encontrados em cima de um armário». Assim, foi possível investigar algo que, «segundo diziam os pilotos, era um negócio às claras», acrescenta o vogal.

À semelhança deste pretexto, outros houve que permitiram averiguar irregularidades nas provas a funcionários do INAC e falsificação de documentos para a obtenção de licenças de aviões. «Exames práticos a técnicos de manutenção foram dados como feitos, quando isso não aconteceu, e processos de certificação de aeronaves atrasados propositadamente, como nos foi denunciado, por exemplo, pela Portugália», esclarece Costa Neves, militar de Abril e ex-conselheiro da Revolução.

Às acusações dos ex-responsáveis do INAC não escapa ileso o departamento de medicina aeronáutica. Luís Lopes diz que transferiu para um «laboratório independente» a «recolha de sangue e urina para análises, porque os técnicos não estavam habilitados para o fazer». Luís Lopes e Costa Neves afirmam que tinham consciência de que estas situações eram de extrema gravidade, mas, justificam, «estas coisas não se corrigem num dia. Aliás, todos os processos foram desenvolvidos por inspectores com muitos anos de serviço na antiga DGAC, para não sermos acusados de manipular as investigações».

De acordo com Costa Neves, funcionários cujos processos disciplinares estão encerrados não foram punidos como pedido pelos inspectores. Houve situações em que foi solicitado o afastamento da Função Pública, mas tal não aconteceu. «Foram suspensos sem vencimento, mas acabaram por beneficiar das amnistias».

Perante este cenário, Luís Lopes reconhece que «a administração causou demasiados incómodos», uma das razões que apresentam para justificar a sua exoneração. «Fomos vítimas de um verdadeiro terrorismo de Estado e de um bando de malfeitores», acusa Costa Neves.

Auditoria ditou afastamento

A saída do conselho de administração do INAC surgiu na sequência de uma auditoria ao instituto, realizada, entre Dezembro e finais de Fevereiro de 2000, pela Direcção-Geral do Orçamento. Fonte do Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Sul e Açores assegura que «aquela investigação foi pedida à tutela por 40 funcionários do INAC».

Luís Lopes esclarece que, após concluída a auditoria, o então conselho de administração foi ouvido, mas foi através da comunicação social que tiveram conhecimento de algumas conclusões. «Fomos informados por uma notícia do jornal ''Público''. Perante as acusações, pedi ao secretário de Estado Rui Cunha para receber o conselho de administração», conta.

De acordo com testemunhos do ex-presidente, «Rui Cunha recusou e só me recebeu a mim». No encontro, dia 4, foi dito a Luís Lopes que a tutela «tinha perdido a confiança política no conselho de administração do INAC», recorda. Um dia depois, Lopes entregou ao secretário de Estado dos Transportes cartas de três membros da administração: um pediu a demissão, os outros colocaram o lugar à disposição. Perante a recusa em adoptarem o mesmo procedimento, Luís Lopes e Costa Neves foram exonerados, conforme resolução do Conselho de Ministros de dia 8.

Ao EXPRESSO, Jorge Barnabé, assessor do secretário de Estado dos Transportes, afirmou ontem que Rui Cunha - ausente do país - «limitou-se a agir politicamente enquanto secretário de Estado que tutela o INAC».

Conclusões na imprensa

De acordo com notícias entretanto divulgadas, o relatório acusou a administração do INAC de pagamento de vencimentos completos a militares já na reserva ou na reforma, irregularidades nos descontos à Segurança Social e excesso de militares em funções, entre outros.

Contudo, Luís Lopes e Costa Neves afirmam ter provas em contrário. Segundo dizem, os estatutos do INAC estipulam que as contratações estão sujeitas ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, permitem a contratação de militares e impõem a igualdade nos vencimentos entre profissionais da mesma categoria.

Luís Lopes diz que «nenhum dos reformados e reservistas estão em efectividade de serviço pelo que a lei não os penaliza». Em sua defesa mostra um parecer elaborado pelo advogado Alberto Costa, o deputado do PS que já foi ministro da Administração Interna. «Sempre que se verifique desempenho efectivo das mesmas funções, no âmbito institucional do INAC vigora (...) a regra da igualdade de retribuição. Esta regra (...) contempla trabalhadores e gestores, tenham ou não vínculo à Função Pública, sejam agentes civis ou militares, beneficiem ou não de pensões ou outras prestações decorrentes de tempo de serviço prestado noutros lugares e a outras entidades empregadoras».

Documentos de prova

Costa Neves e Luís Lopes negam que não tenham sido efectuados descontos à Segurança Social e mostraram ao EXPRESSO cópia das declarações, actualizadas, com os vencimentos, e respectivos descontos, dos funcionários do INAC.

Costa Neves é reservista da Força Aérea (FA) e afirma descontar para a Caixa Geral de Aposentações; e Luís Lopes, reformado daquele ramo, aguarda que a Segurança Social defina o valor da sua contribuição.

Aliás, o vogal adianta que, quando esteve no INAC, a FA reduziu para um terço a sua remuneração de reserva, conforme carta de Junho de 1997. Quanto às irregularidades processuais, ambos remetem para dúvidas na interpretação da Lei que criou o instituto, responsabilidade do Governo, que os nomeou e define os seus salários. Indignados com a forma como foi conduzido o processo, Costa Neves e Luís Lopes afirmam: «Pedimos que nos facultassem o documento e não o fizeram. Fomos acusados na praça pública e não nos podemos defender».

Para Costa Neves, «só uma tutela inconsciente exonera uma administração sem outra assegurada. Ainda estamos no INAC, se não os aviões paravam». Afinal, «não foi para isto que eu fiz o 25 de Abril. Isto nem durante o PREC acontecia», desabafa.

Voo picado no INAC

A ex-administração denuncia a venda de testes a pilotos e falsificações para dar licenças a aviões

DOIS ex-membros do conselho de administração do Instituto Nacional de Aviação Civil (INAC) afirmaram ao EXPRESSO terem conhecimento de que

Exonerados pelo secretário de Estado dos Transportes, Rui Cunha, o presidente, Luís Lopes, e o vogal Costa Neves revelaram que «a administração soube desde o início que ali se trocam muitos favores». De acordo com Luís Lopes, aquelas situações eram comentadas ainda no tempo da Direcção-Geral de Aviação Civil (DGAC), que antecedeu o INAC, criado em 1998. Contudo, «nunca o conseguimos provar», diz.

A exonerada administração instaurou 11 processos disciplinares, três deles reportando a situações ocorridas no quadro da DGAC, que já era formada por alguns elementos do conselho de administração agora afastado.

Foi o caso das suspeitas de venda de testes a pilotos. De acordo com testemunhos de Costa Neves, o processo disciplinar foi levantado na sequência do desaparecimento de alguns exames. «O responsável pelo licenciamento estava desconfiado e resolveu mudar a fechadura do armário onde se guardava os testes. Por ocasião de um exame, verificou-se que faltavam provas. Os enunciados foram encontrados em cima de um armário». Assim, foi possível investigar algo que, «segundo diziam os pilotos, era um negócio às claras», acrescenta o vogal.

À semelhança deste pretexto, outros houve que permitiram averiguar irregularidades nas provas a funcionários do INAC e falsificação de documentos para a obtenção de licenças de aviões. «Exames práticos a técnicos de manutenção foram dados como feitos, quando isso não aconteceu, e processos de certificação de aeronaves atrasados propositadamente, como nos foi denunciado, por exemplo, pela Portugália», esclarece Costa Neves, militar de Abril e ex-conselheiro da Revolução.

Às acusações dos ex-responsáveis do INAC não escapa ileso o departamento de medicina aeronáutica. Luís Lopes diz que transferiu para um «laboratório independente» a «recolha de sangue e urina para análises, porque os técnicos não estavam habilitados para o fazer». Luís Lopes e Costa Neves afirmam que tinham consciência de que estas situações eram de extrema gravidade, mas, justificam, «estas coisas não se corrigem num dia. Aliás, todos os processos foram desenvolvidos por inspectores com muitos anos de serviço na antiga DGAC, para não sermos acusados de manipular as investigações».

De acordo com Costa Neves, funcionários cujos processos disciplinares estão encerrados não foram punidos como pedido pelos inspectores. Houve situações em que foi solicitado o afastamento da Função Pública, mas tal não aconteceu. «Foram suspensos sem vencimento, mas acabaram por beneficiar das amnistias».

Perante este cenário, Luís Lopes reconhece que «a administração causou demasiados incómodos», uma das razões que apresentam para justificar a sua exoneração. «Fomos vítimas de um verdadeiro terrorismo de Estado e de um bando de malfeitores», acusa Costa Neves.

Auditoria ditou afastamento

A saída do conselho de administração do INAC surgiu na sequência de uma auditoria ao instituto, realizada, entre Dezembro e finais de Fevereiro de 2000, pela Direcção-Geral do Orçamento. Fonte do Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Sul e Açores assegura que «aquela investigação foi pedida à tutela por 40 funcionários do INAC».

Luís Lopes esclarece que, após concluída a auditoria, o então conselho de administração foi ouvido, mas foi através da comunicação social que tiveram conhecimento de algumas conclusões. «Fomos informados por uma notícia do jornal ''Público''. Perante as acusações, pedi ao secretário de Estado Rui Cunha para receber o conselho de administração», conta.

De acordo com testemunhos do ex-presidente, «Rui Cunha recusou e só me recebeu a mim». No encontro, dia 4, foi dito a Luís Lopes que a tutela «tinha perdido a confiança política no conselho de administração do INAC», recorda. Um dia depois, Lopes entregou ao secretário de Estado dos Transportes cartas de três membros da administração: um pediu a demissão, os outros colocaram o lugar à disposição. Perante a recusa em adoptarem o mesmo procedimento, Luís Lopes e Costa Neves foram exonerados, conforme resolução do Conselho de Ministros de dia 8.

Ao EXPRESSO, Jorge Barnabé, assessor do secretário de Estado dos Transportes, afirmou ontem que Rui Cunha - ausente do país - «limitou-se a agir politicamente enquanto secretário de Estado que tutela o INAC».

Conclusões na imprensa

De acordo com notícias entretanto divulgadas, o relatório acusou a administração do INAC de pagamento de vencimentos completos a militares já na reserva ou na reforma, irregularidades nos descontos à Segurança Social e excesso de militares em funções, entre outros.

Contudo, Luís Lopes e Costa Neves afirmam ter provas em contrário. Segundo dizem, os estatutos do INAC estipulam que as contratações estão sujeitas ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, permitem a contratação de militares e impõem a igualdade nos vencimentos entre profissionais da mesma categoria.

Luís Lopes diz que «nenhum dos reformados e reservistas estão em efectividade de serviço pelo que a lei não os penaliza». Em sua defesa mostra um parecer elaborado pelo advogado Alberto Costa, o deputado do PS que já foi ministro da Administração Interna. «Sempre que se verifique desempenho efectivo das mesmas funções, no âmbito institucional do INAC vigora (...) a regra da igualdade de retribuição. Esta regra (...) contempla trabalhadores e gestores, tenham ou não vínculo à Função Pública, sejam agentes civis ou militares, beneficiem ou não de pensões ou outras prestações decorrentes de tempo de serviço prestado noutros lugares e a outras entidades empregadoras».

Documentos de prova

Costa Neves e Luís Lopes negam que não tenham sido efectuados descontos à Segurança Social e mostraram ao EXPRESSO cópia das declarações, actualizadas, com os vencimentos, e respectivos descontos, dos funcionários do INAC.

Costa Neves é reservista da Força Aérea (FA) e afirma descontar para a Caixa Geral de Aposentações; e Luís Lopes, reformado daquele ramo, aguarda que a Segurança Social defina o valor da sua contribuição.

Aliás, o vogal adianta que, quando esteve no INAC, a FA reduziu para um terço a sua remuneração de reserva, conforme carta de Junho de 1997. Quanto às irregularidades processuais, ambos remetem para dúvidas na interpretação da Lei que criou o instituto, responsabilidade do Governo, que os nomeou e define os seus salários. Indignados com a forma como foi conduzido o processo, Costa Neves e Luís Lopes afirmam: «Pedimos que nos facultassem o documento e não o fizeram. Fomos acusados na praça pública e não nos podemos defender».

Para Costa Neves, «só uma tutela inconsciente exonera uma administração sem outra assegurada. Ainda estamos no INAC, se não os aviões paravam». Afinal, «não foi para isto que eu fiz o 25 de Abril. Isto nem durante o PREC acontecia», desabafa.

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