O poder de xadrez...

08-03-2001
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Boavista ocupa os principais cargos de grande responsabilidade ligados ao futebol

O Poder de Xadrez...

Por MANUEL MENDES

Segunda-feira, 15 de Janeiro de 2001

Ter como adeptos o ministro responsável pela pasta do Desporto, os presidentes da Liga de Clubes, do Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e da Associação de Futebol do Porto, para além de outros em cargos menores, contribui para o bom rendimento desportivo do Boavista, actual líder da I Liga? De forma mais ou menos clara, foi isso que os presidentes do Guimarães e do Sporting afirmaram no passado recente. Mas, mais importante do que responder a essa acusação, que os seus actuais e antigos responsáveis refutam completamente, é compreender como é que um clube que até há pouco se assumia como de bairro e que não tem mais do que uma dezena de milhar de sócios consegue colocar tantos adeptos em posições de destaque. Política não sectária e desalinhada do clube, uma escola no Bessa de bem saber dirigir e a qualidade, seriedade e empenho dos seus dirigentes foram as respostas praticamente unânimes obtidas pelo PÚBLICO.

O Boavista, líder da I Liga e campeão de Inverno, é um clube com vários dos seus ex-dirigentes nos mais diversos órgãos de poder do desporto nacional. O último a ser chamado para desempenhar funções foi José Lello, ex-presidente do Conselho Fiscal do clube, que, em Dezembro, passou a ocupar o cargo de ministro da Juventude e do Desporto. A este nome juntam-se, entre outros, o de Valentim Loureiro (presidente da Liga de Clubes), Pinto de Sousa (presidente do Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol), Ângelo Brou (vice-presidente da FPF), Pedro Paes do Amaral (vogal da Comissão Disciplinar da FPF) e Adriano Pinto (presidente da Associação de Futebol do Porto). Tantos cargos já levaram o presidente do Guimarães, Pimenta Machado, e o responsável máximo do Sporting, Dias da Cunha - que, posteriormente, corrigiu as suas afirmações -, a acusarem o clube do Bessa de beneficiar, em termos de resultados desportivos, do facto de ter pessoas bem colocadas no sistema (ver texto nesta página).

Insinuações que, contudo, parecem não preocupar demasiado o presidente do Boavista. "Só falta dizer-se que o engenheiro António Guterres está feito com o Boavista", ironiza João Loureiro. "Ele escolheu o engenheiro José Lello, porque lhe reconheu competência", diz, antes de apontar que existem inúmeros ministros que são adeptos dos três "grandes". "Alguém se preocupa com isso? Por que é que faz tanta confusão o facto de um ministro ser do Boavista? Por essa ordem de ideias, poderíamos concluir que o Sporting irá beneficiar, no âmbito do Euro 2004, do facto de ter como adepto o ministro das Obras Públicas [Jorge Coelho]. Isso é um absurdo. Qualquer pessoa, quando ocupa um cargo, procura cumpri-lo da melhor forma, ser o mais isento possível". Contactado pelo PÚBLICO, José Lello, através do seu assessor de imprensa, começou por pedir que as perguntas lhe fossem colocadas por escrito, mas acabaria, mais tarde, por responder "ser inoportuno tecer qualquer consideração" sobre o assunto.

"Competência e política não sectária"

Mas como é que o Boavista, um clube com uma modesta massa associativa (tem apenas 13.900 sócios), consegue colocar tantas dos seus ex-dirigentes em lugares fundamentais? "Em primeiro lugar, porque lhes é reconhecida competência e, depois, porque o Boavista sempre teve uma política de bom relacionamento com todos os clubes, uma política não sectária. Isto leva a que, de uma forma global, os diversos agentes desportivos acreditem na seriedade das pessoas deste clube", responde João Loureiro.

Uma opinião partilhada pelo seu pai, Valentim Loureiro, que aponta mesmo como exemplo desta política de boas relações o facto de, na década de 70, o Boavista emprestar o seu autocarro ao Benfica quando este se deslocava ao Norte de comboio, verificando-se o inverso quando os boavisteiros se deslocavam a Lisboa. "Essa filosofia herdei-a do antigo presidente António Silva Reis, e ainda hoje se mantém", explica o actual presidente da Liga de Clubes.

O clube, no seu entender, conquistou, de resto, simpatias porque funcionou como um denominador comum para os três "grandes", que não se apoiam entre si, e acabam por aceitar como boas as escolhas de figuras de clubes do Bessa. Um pouco, diz, à semelhança do que acontecia antigamente com o Belenenses. "Depois, tem a ver também com o facto de ser reconhecida a estes dirigentes uma grande dedicação ao desporto, respeito e competência". João Loureiro, por outro lado, fala mesmo no trabalho que o seu clube desenvolve no sentido de ajudar a resolver os problemas que abalam o futebol nacional, participando activamente em todas as assembleias gerais da Liga. O presidente do Boavista aponta, a título de exemplo, a sua proposta para colocar um ponto final naquilo que foi designado por "rescisões selvagens". "Foi uma proposta apresentada por nós e aprovada na Assembleia Geral da Liga que resolveu um problema que nem tinha afectado o Boavista. Quem beneficiou até foi o Guimarães. Mas nós estamos preocupados em encontrar soluções para o futebol, trabalhamos nesse sentido", explica.

Escola de dirigentes

Terá sido toda esta política que levou, ao longo dos anos, o Boavista a ter vários responsáveis em sectores decisivos. Mesmo nos tempos em que disputava os escalões secundários, tinha dirigentes na FPF, como foi o caso de Orlando de Sousa. Depois, contou sempre com vários vice-presidentes, como Paes do Amaral, e ocupou, durante muito tempo, a gestão do sector da arbitragem, através de nomes como Laureano Gonçalves, Fernando Marques e Pinto de Sousa. "A partir da época de 1971/72, houve uma grande evolução no Boavista e criou-se uma espécie de escola de dirigentes, homens que se interessaram pelo desporto e depois acabaram por ser recrutados para cargos a nível nacional", explica Pinto de Sousa, actual presidente do Conselho de Arbitragem da FPF. O Boavista, em sua opinião, só beneficia deste facto pelo prestígio que angaria. "Uma pessoa, quando ocupa um cargo destes, deixa o clube em casa", diz. Lembra ainda que as vagas são preenchidas por eleição e não por escolha e que um clube como o Boavista, por si só, não teria capacidade para impor ninguém.

O ex-dirigente do Boavista e vice-presidente da FPF Paes do Amaral, que foi o responsável pelas selecções quando Portugal conquistou o título de Campeão do Mundo em sub 20, na Arábia Saudita, fala mesmo "numa cultura de trabalho" muito própria do clube que agrada aos vários sectores do desporto português. "É uma forma de estar que é transmitida aos dirigentes mais novos e que se mantém até hoje. Foi isso que nos permitiu angariar simpatias em vários pólos do desporto. Essa tem sido uma vantagem do Boavista", diz.

Mas o poder dos ex-dirigentes do Boavista não se limita ao futebol. O clube conta com presidentes e vários dirigentes noutras federações. O actual presidente da Federação Portuguesa de Ténis, Silva Santos, já foi dirigente boavisteiro, e o presidente da Federação Portuguesa de Golfe, Manuel Agrellos, também mantém ligações ao Bessa. Assim como José Vilela, presidente da Associação de Voleibol do Porto.

Boavista ocupa os principais cargos de grande responsabilidade ligados ao futebol

O Poder de Xadrez...

Por MANUEL MENDES

Segunda-feira, 15 de Janeiro de 2001

Ter como adeptos o ministro responsável pela pasta do Desporto, os presidentes da Liga de Clubes, do Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e da Associação de Futebol do Porto, para além de outros em cargos menores, contribui para o bom rendimento desportivo do Boavista, actual líder da I Liga? De forma mais ou menos clara, foi isso que os presidentes do Guimarães e do Sporting afirmaram no passado recente. Mas, mais importante do que responder a essa acusação, que os seus actuais e antigos responsáveis refutam completamente, é compreender como é que um clube que até há pouco se assumia como de bairro e que não tem mais do que uma dezena de milhar de sócios consegue colocar tantos adeptos em posições de destaque. Política não sectária e desalinhada do clube, uma escola no Bessa de bem saber dirigir e a qualidade, seriedade e empenho dos seus dirigentes foram as respostas praticamente unânimes obtidas pelo PÚBLICO.

O Boavista, líder da I Liga e campeão de Inverno, é um clube com vários dos seus ex-dirigentes nos mais diversos órgãos de poder do desporto nacional. O último a ser chamado para desempenhar funções foi José Lello, ex-presidente do Conselho Fiscal do clube, que, em Dezembro, passou a ocupar o cargo de ministro da Juventude e do Desporto. A este nome juntam-se, entre outros, o de Valentim Loureiro (presidente da Liga de Clubes), Pinto de Sousa (presidente do Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol), Ângelo Brou (vice-presidente da FPF), Pedro Paes do Amaral (vogal da Comissão Disciplinar da FPF) e Adriano Pinto (presidente da Associação de Futebol do Porto). Tantos cargos já levaram o presidente do Guimarães, Pimenta Machado, e o responsável máximo do Sporting, Dias da Cunha - que, posteriormente, corrigiu as suas afirmações -, a acusarem o clube do Bessa de beneficiar, em termos de resultados desportivos, do facto de ter pessoas bem colocadas no sistema (ver texto nesta página).

Insinuações que, contudo, parecem não preocupar demasiado o presidente do Boavista. "Só falta dizer-se que o engenheiro António Guterres está feito com o Boavista", ironiza João Loureiro. "Ele escolheu o engenheiro José Lello, porque lhe reconheu competência", diz, antes de apontar que existem inúmeros ministros que são adeptos dos três "grandes". "Alguém se preocupa com isso? Por que é que faz tanta confusão o facto de um ministro ser do Boavista? Por essa ordem de ideias, poderíamos concluir que o Sporting irá beneficiar, no âmbito do Euro 2004, do facto de ter como adepto o ministro das Obras Públicas [Jorge Coelho]. Isso é um absurdo. Qualquer pessoa, quando ocupa um cargo, procura cumpri-lo da melhor forma, ser o mais isento possível". Contactado pelo PÚBLICO, José Lello, através do seu assessor de imprensa, começou por pedir que as perguntas lhe fossem colocadas por escrito, mas acabaria, mais tarde, por responder "ser inoportuno tecer qualquer consideração" sobre o assunto.

"Competência e política não sectária"

Mas como é que o Boavista, um clube com uma modesta massa associativa (tem apenas 13.900 sócios), consegue colocar tantas dos seus ex-dirigentes em lugares fundamentais? "Em primeiro lugar, porque lhes é reconhecida competência e, depois, porque o Boavista sempre teve uma política de bom relacionamento com todos os clubes, uma política não sectária. Isto leva a que, de uma forma global, os diversos agentes desportivos acreditem na seriedade das pessoas deste clube", responde João Loureiro.

Uma opinião partilhada pelo seu pai, Valentim Loureiro, que aponta mesmo como exemplo desta política de boas relações o facto de, na década de 70, o Boavista emprestar o seu autocarro ao Benfica quando este se deslocava ao Norte de comboio, verificando-se o inverso quando os boavisteiros se deslocavam a Lisboa. "Essa filosofia herdei-a do antigo presidente António Silva Reis, e ainda hoje se mantém", explica o actual presidente da Liga de Clubes.

O clube, no seu entender, conquistou, de resto, simpatias porque funcionou como um denominador comum para os três "grandes", que não se apoiam entre si, e acabam por aceitar como boas as escolhas de figuras de clubes do Bessa. Um pouco, diz, à semelhança do que acontecia antigamente com o Belenenses. "Depois, tem a ver também com o facto de ser reconhecida a estes dirigentes uma grande dedicação ao desporto, respeito e competência". João Loureiro, por outro lado, fala mesmo no trabalho que o seu clube desenvolve no sentido de ajudar a resolver os problemas que abalam o futebol nacional, participando activamente em todas as assembleias gerais da Liga. O presidente do Boavista aponta, a título de exemplo, a sua proposta para colocar um ponto final naquilo que foi designado por "rescisões selvagens". "Foi uma proposta apresentada por nós e aprovada na Assembleia Geral da Liga que resolveu um problema que nem tinha afectado o Boavista. Quem beneficiou até foi o Guimarães. Mas nós estamos preocupados em encontrar soluções para o futebol, trabalhamos nesse sentido", explica.

Escola de dirigentes

Terá sido toda esta política que levou, ao longo dos anos, o Boavista a ter vários responsáveis em sectores decisivos. Mesmo nos tempos em que disputava os escalões secundários, tinha dirigentes na FPF, como foi o caso de Orlando de Sousa. Depois, contou sempre com vários vice-presidentes, como Paes do Amaral, e ocupou, durante muito tempo, a gestão do sector da arbitragem, através de nomes como Laureano Gonçalves, Fernando Marques e Pinto de Sousa. "A partir da época de 1971/72, houve uma grande evolução no Boavista e criou-se uma espécie de escola de dirigentes, homens que se interessaram pelo desporto e depois acabaram por ser recrutados para cargos a nível nacional", explica Pinto de Sousa, actual presidente do Conselho de Arbitragem da FPF. O Boavista, em sua opinião, só beneficia deste facto pelo prestígio que angaria. "Uma pessoa, quando ocupa um cargo destes, deixa o clube em casa", diz. Lembra ainda que as vagas são preenchidas por eleição e não por escolha e que um clube como o Boavista, por si só, não teria capacidade para impor ninguém.

O ex-dirigente do Boavista e vice-presidente da FPF Paes do Amaral, que foi o responsável pelas selecções quando Portugal conquistou o título de Campeão do Mundo em sub 20, na Arábia Saudita, fala mesmo "numa cultura de trabalho" muito própria do clube que agrada aos vários sectores do desporto português. "É uma forma de estar que é transmitida aos dirigentes mais novos e que se mantém até hoje. Foi isso que nos permitiu angariar simpatias em vários pólos do desporto. Essa tem sido uma vantagem do Boavista", diz.

Mas o poder dos ex-dirigentes do Boavista não se limita ao futebol. O clube conta com presidentes e vários dirigentes noutras federações. O actual presidente da Federação Portuguesa de Ténis, Silva Santos, já foi dirigente boavisteiro, e o presidente da Federação Portuguesa de Golfe, Manuel Agrellos, também mantém ligações ao Bessa. Assim como José Vilela, presidente da Associação de Voleibol do Porto.

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