Um banco com 140 mil "patrões" e a crescer

22-01-2001
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Entrevista com Costa Leal, presidente da Caixa Económica Montepio Geral

Um Banco com 140 Mil "Patrões" e a Crescer

Segunda-feira, 22 de Janeiro de 2001

António Melo, Cristina Ferreira, Fernando Correia de Oliveira e Adriano Miranda (fotos)

O presidente do Montepio Geral pensa que o grande impulso que falta dar ao mutualismo em Portugal tem que partir do Estado. E para isso não necessita de apoios financeiros, mas apenas que o Governo conte com o Montepio nas políticas sociais que executa.

Tem uma vida recheada de política e acção cívica. Muito do século português passa por ele e pelas ideias que sempre defendeu: liberdade, fraternidade, igualdade. Costa Leal é presidente do sexto maior banco português, o Montepio Geral. Uma imagem muito conhecida, que se confunde com a mútua de 140 mil cidadãos, verdadeiros donos desta instituição de crédito muito especial, que quer crescer tornando mutualistas o milhão de clientes.

Aos 79 anos, como encara o facto de ter sido nomeado o gestor do ano, em 1999, batendo nomes como Jardim Gonçalves, Ricardo Salgado ou Santos Silva?

A apreciação foi feita com base nos rácios da actividade do Montepio. E eu, como presidente do Conselho de Administração do Montepio, apareço como primeiro gestor entre mil. Na realidade, embora o prémio me tenha sido concedido, é dado ao Montepio Geral.

O que distingue a Caixa Económica dos restantes bancos?

A Caixa Económica, que trabalha como se fosse um banco - e tem hoje as mesmas funções que um banco -, é uma entidade anexa ao Montepio Geral. Não somos uma sociedade, não temos sócios, não pagamos dividendos, nem estamos na bolsa. Temos um único dono, que é a associação mutualista, e o seu capital é da associação mutualista. "Montepio" é a designação que hoje damos às duas coisas, é uma marca, que até tem muita força. Daí o nosso banco ser Montepio Geral Associação Mutualista. Em 1844 foi criada a Caixa Económica, que funcionava aos domingos, emprestando pequenas quantidades de dinheiro, isto numa altura em que a exploração das classes baixas era mais que muita e estas necessitavam de penhorar o casaco para dispor de mais dinheiro. Daí a criação de uma mutualidade - na altura era uma associação de socorros mútuos - sem fins lucrativos.

Mas, insistindo, o que diferencia realmente a Caixa Económica da restante banca?

Primeiro, a Caixa Económica pertence à associação mutualista - o mutualismo não é bancário -, não tem acções, sócios ou capital em bolsa: o capital é institucional e pertence aos cerca de 140 mil associados. Depois não tem fins lucrativos, os resultados obtidos no final do ano revertem totalmente para a associação mutualista. E esta junta-o a outros rendimentos, que depois canaliza para os seus beneficiários, que são os associados. Mas não sob a forma de dinheiro, sob a forma de variação do capital que cá têm. Se um associado tiver um capital de reforma de cem contos, todos os anos receberá uma carta que lhe fala das melhorias, que são afinal o rateio do dinheiro que a associação teve a mais e que vai beneficiar os associados.

O campo de actuação da Caixa Económica tem vindo a sofrer modificações?

Sim. Ano após ano, os limites de actividade que tínhamos eram concedidos gota a gota pelo banco central. Há uns anos, não podíamos fazer operações com o estrangeiro, não podíamos sequer trabalhar em Badajoz. Isto só foi possível com António de Sousa [governador do Banco de Portugal anterior a Vítor Constâncio], pois antes, quando estava à frente do banco central Tavares Moreira, as respostas aos nossos requerimentos para podermos operar com o estrangeiro eram sempre não e não. Diziam-nos que, se queríamos fazer essas operações, tínhamos que nos transformar em banco, o que nós não queríamos - a nossa massa associativa matava-nos se o fizéssemos. Quando António de Sousa tomou posse, fui lá cumprimentá-lo e, naturalmente, toquei no assunto. Ele então sugeriu que talvez não tivéssemos o capital mínimo necessário, que era de 3,5 milhões de contos. Disse-lhe que tínhamos 20 milhões. Ele ficou perplexo e o processo começou a andar, ficando despachado em poucos dias. Hoje, temos todas as obrigações e todos os direitos de um outro banco qualquer. Somos o sexto banco da lista da Associação Portuguesa de Bancos.

Para além da estrutura do capital, nada mais vos diferencia da banca comercial?

E não acha esse ponto fundamental?

A Caixa Económica-Montepio não se move por preocupações sociais? É que esta é uma das razões de ser das caixas bancárias espanholas e alemãs, que têm um poder imenso...

Esse é um bom paralelo. Em Espanha a vertente social é muito forte. Nós também a temos, mas por nossa recriação. Porque não nos é imposto. O Montepio apoia escolas, hospitais...

Só que as caixas espanholas e alemãs fazem-no por estratégia, estão muito ligadas ao desenvolvimento das autonomias regionais. A Caixa Económica Montepio recebe apoios do Estado, como acontece lá fora?

Não pagamos impostos. Somos devedores à sociedade civil da nossa existência e da nossa fonte de receitas. Mas o remanescente do resultado obtido no final do ano é distribuído pelos associados.

Qual é afinal a vossa razão social?

O objectivo da Caixa Económica é a obtenção de fundos para a sua acção mutualista. Um associado que faz um seguro de invalidez, de reforma, um seguro para os filhos e para os netos, fá-lo sem nenhuma quota de lucro. O que a mutualidade pretende é beneficiar os associados, embora a Caixa Económica sirva quem a procure sem ser associado. As caixas espanholas estão muito ligadas ao desenvolvimento de regiões, é verdade. Não temos essa vertente, e o que temos feito por nossa alta recriação é ter uma política nas áreas social, cultural, recreativa, desportiva, apoiamos o Belenenses, o Boavista e uma boa dezena de clubes de catraios.

Uma das razões do sucesso do mutualismo ao nível bancário em certos países europeus deve-se, em parte, ao facto de este sector prosseguir uma estratégia clara ao nível regional e social. Em Espanha, na Alemanha e até em França, o mutualismo tem crescido em relação ao sector privado, ou mantido as suas quotas de mercado bancárias. Em Portugal acontece o inverso...

Sabe porquê? Falta-nos apoio do Estado. Se forem a França e tiverem dores de garganta, podem dirigir-se a uma mutualidade de saúde, que vos trata da mesma maneira como se fossem a outro local qualquer. O nosso Governo tem posto o mutualismo como a ovelha ranhosa e, nesta área, os interesses das seguradoras são muito fortes. O ministro Ferro Rodrigues já se preocupa mais com a nossa actividade.

Acha então que o grande impulso que falta dar ao mutualismo em Portugal tem que partir do executivo português?

Claro!

O que era preciso que o Estado fizesse para dar o impulso que falta ao sector?

Fundamentalmente, contar com o Montepio nas políticas sociais que executa.

E apoios financeiros?

Não eram necessários, pois os que temos são suficientes.

Mas considera que, no sector bancário, o Governo dá mais apoios aos privados e à CGD do que ao Montepio-Caixa Económica?

Disse uma verdade.

O que têm feito para sensibilizar o Governo para as vantagens do mutualismo?

Muita coisa: requerimentos, pedidos de entrevistas. E já houve no Governo pessoas que podiam mexer mais nisso. A Maria de Belém trabalhou muito connosco, foi nossa representante na AM, a associação internacional.

Andamos há imenso tempo para criar as farmácias sociais, mas não se consegue meter o dedo no sector das farmácias. É um "lobby" fortíssimo. A razão está numa luta de interesses, e as mutualidades não satisfazem os interesses das classes possuidoras, das classes mandantes.

O que pensa da possibilidade de se avançar para a desmutualização do Montepio?

Sou completamente contra. A mutualidade, assim como a Caixa Económica, fazem parte da economia social, esta é que deve ser desenvolvida. Se forem à Suécia, à Dinamarca, à Holanda e à própria Suíça, encontram aí organismos fortes da economia social, da economia do consumo.

Por essa Europa fora, a mutualidade bancária está presente na economia real, na mercado global, contribuindo para o apoio às pequenas e médias empresas locais. Em Portugal essa tarefa encontra-se nas mãos da CGD.

Isso é verdade, porque a CGD tomou posição em tudo. Vou dar um exemplo: os correios querem há muitos anos fazer uma caixa económica como deve ser. Nós estávamos nesse projecto com a CGD. Mas, com a mudança sucessiva das administrações, fomos completamente esquecidos e há cerca de dois anos que a CGD arrasta os estudos. Agora diz que vai fazer qualquer coisa, mas fica com 51 por cento. O projecto não tem nada de mutualismo, é o Estado a funcionar para arrecadar receitas.

Como é que se consegue fazer com que um governo de esquerda, que deveria, em princípio, preocupar-se em desenvolver o mutualismo, abandone a sua propensão fortemente privada e a ideia de que os estrangeiros devem dominar as instituições portuguesas?

Mas este Governo é de esquerda? Acha que eu concordo com todas as privatizações que foram feitas? Claro que não. O que não significa que concorde com a avalancha das nacionalizações feitas em 1974/75. Agora quere-se impor o liberalismo como ideologia, o salve-se quem puder...

O que é para si um governo de esquerda?

Eu não concordo com a reforma agrária, mas acha bem que o Alentejo seja deixado à desertificação, destinado à construção de campos de golfe?

Quais as empresas que não deviam ter sido privatizadas?

Acham bem que, nesta altura, todo o sistema bancário, à excepção da CGD e da Caixa Económica [Montepio] seja privado? Que o BCP domine o mercado?

Em França, o Governo reforçou o mutualismo com posições estatais detidas na área financeira... Por que razão o Montepio não entrou também nas privatização da banca e dos seguros?

E nós temos dinheiro? O Governo vende tudo o que dá dinheiro... Agora é a Brisa...

Como encara o futuro do mutualismo em Portugal?

É difícil.

Como dirigente mutualista, como encara a economia social num mundo de consumo, de endividamento das famílias, essa ética do gastar sem parar?

Acho mal. Mas as famílias estão hoje todas nesse caminho. A pessoa é levada pela força da propaganda, pela insistência do colega, a comprar o melhor frigorífico, o melhor carro, a melhor casa...

O Montepio não está isento de culpas...

Não está! Mas o que está mal é o facto de as pessoas se endividarem acima das suas possibilidades...

Toda a banca tem responsabilidades. A Caixa Económica alinha na propaganda do crédito fácil?

Não... mas podemos entrar... Tudo depende de outras condições.

Para se manterem competitivos?

Sim. Na Dinamarca obtém-se um crédito em dois dias e é um só funcionário a tratar do assunto.

Mas na Dinamarca o endividamento das famílias não é mais baixo?

Não, é como cá. Só que lá as declarações de IRS são correctas, em Portugal quem é que diz a verdade? A apreciação das associações mutualistas deve ser feita no contexto geral de interesses que coordenam a evolução da economia e do país.

Entrevista com Costa Leal, presidente da Caixa Económica Montepio Geral

Um Banco com 140 Mil "Patrões" e a Crescer

Segunda-feira, 22 de Janeiro de 2001

António Melo, Cristina Ferreira, Fernando Correia de Oliveira e Adriano Miranda (fotos)

O presidente do Montepio Geral pensa que o grande impulso que falta dar ao mutualismo em Portugal tem que partir do Estado. E para isso não necessita de apoios financeiros, mas apenas que o Governo conte com o Montepio nas políticas sociais que executa.

Tem uma vida recheada de política e acção cívica. Muito do século português passa por ele e pelas ideias que sempre defendeu: liberdade, fraternidade, igualdade. Costa Leal é presidente do sexto maior banco português, o Montepio Geral. Uma imagem muito conhecida, que se confunde com a mútua de 140 mil cidadãos, verdadeiros donos desta instituição de crédito muito especial, que quer crescer tornando mutualistas o milhão de clientes.

Aos 79 anos, como encara o facto de ter sido nomeado o gestor do ano, em 1999, batendo nomes como Jardim Gonçalves, Ricardo Salgado ou Santos Silva?

A apreciação foi feita com base nos rácios da actividade do Montepio. E eu, como presidente do Conselho de Administração do Montepio, apareço como primeiro gestor entre mil. Na realidade, embora o prémio me tenha sido concedido, é dado ao Montepio Geral.

O que distingue a Caixa Económica dos restantes bancos?

A Caixa Económica, que trabalha como se fosse um banco - e tem hoje as mesmas funções que um banco -, é uma entidade anexa ao Montepio Geral. Não somos uma sociedade, não temos sócios, não pagamos dividendos, nem estamos na bolsa. Temos um único dono, que é a associação mutualista, e o seu capital é da associação mutualista. "Montepio" é a designação que hoje damos às duas coisas, é uma marca, que até tem muita força. Daí o nosso banco ser Montepio Geral Associação Mutualista. Em 1844 foi criada a Caixa Económica, que funcionava aos domingos, emprestando pequenas quantidades de dinheiro, isto numa altura em que a exploração das classes baixas era mais que muita e estas necessitavam de penhorar o casaco para dispor de mais dinheiro. Daí a criação de uma mutualidade - na altura era uma associação de socorros mútuos - sem fins lucrativos.

Mas, insistindo, o que diferencia realmente a Caixa Económica da restante banca?

Primeiro, a Caixa Económica pertence à associação mutualista - o mutualismo não é bancário -, não tem acções, sócios ou capital em bolsa: o capital é institucional e pertence aos cerca de 140 mil associados. Depois não tem fins lucrativos, os resultados obtidos no final do ano revertem totalmente para a associação mutualista. E esta junta-o a outros rendimentos, que depois canaliza para os seus beneficiários, que são os associados. Mas não sob a forma de dinheiro, sob a forma de variação do capital que cá têm. Se um associado tiver um capital de reforma de cem contos, todos os anos receberá uma carta que lhe fala das melhorias, que são afinal o rateio do dinheiro que a associação teve a mais e que vai beneficiar os associados.

O campo de actuação da Caixa Económica tem vindo a sofrer modificações?

Sim. Ano após ano, os limites de actividade que tínhamos eram concedidos gota a gota pelo banco central. Há uns anos, não podíamos fazer operações com o estrangeiro, não podíamos sequer trabalhar em Badajoz. Isto só foi possível com António de Sousa [governador do Banco de Portugal anterior a Vítor Constâncio], pois antes, quando estava à frente do banco central Tavares Moreira, as respostas aos nossos requerimentos para podermos operar com o estrangeiro eram sempre não e não. Diziam-nos que, se queríamos fazer essas operações, tínhamos que nos transformar em banco, o que nós não queríamos - a nossa massa associativa matava-nos se o fizéssemos. Quando António de Sousa tomou posse, fui lá cumprimentá-lo e, naturalmente, toquei no assunto. Ele então sugeriu que talvez não tivéssemos o capital mínimo necessário, que era de 3,5 milhões de contos. Disse-lhe que tínhamos 20 milhões. Ele ficou perplexo e o processo começou a andar, ficando despachado em poucos dias. Hoje, temos todas as obrigações e todos os direitos de um outro banco qualquer. Somos o sexto banco da lista da Associação Portuguesa de Bancos.

Para além da estrutura do capital, nada mais vos diferencia da banca comercial?

E não acha esse ponto fundamental?

A Caixa Económica-Montepio não se move por preocupações sociais? É que esta é uma das razões de ser das caixas bancárias espanholas e alemãs, que têm um poder imenso...

Esse é um bom paralelo. Em Espanha a vertente social é muito forte. Nós também a temos, mas por nossa recriação. Porque não nos é imposto. O Montepio apoia escolas, hospitais...

Só que as caixas espanholas e alemãs fazem-no por estratégia, estão muito ligadas ao desenvolvimento das autonomias regionais. A Caixa Económica Montepio recebe apoios do Estado, como acontece lá fora?

Não pagamos impostos. Somos devedores à sociedade civil da nossa existência e da nossa fonte de receitas. Mas o remanescente do resultado obtido no final do ano é distribuído pelos associados.

Qual é afinal a vossa razão social?

O objectivo da Caixa Económica é a obtenção de fundos para a sua acção mutualista. Um associado que faz um seguro de invalidez, de reforma, um seguro para os filhos e para os netos, fá-lo sem nenhuma quota de lucro. O que a mutualidade pretende é beneficiar os associados, embora a Caixa Económica sirva quem a procure sem ser associado. As caixas espanholas estão muito ligadas ao desenvolvimento de regiões, é verdade. Não temos essa vertente, e o que temos feito por nossa alta recriação é ter uma política nas áreas social, cultural, recreativa, desportiva, apoiamos o Belenenses, o Boavista e uma boa dezena de clubes de catraios.

Uma das razões do sucesso do mutualismo ao nível bancário em certos países europeus deve-se, em parte, ao facto de este sector prosseguir uma estratégia clara ao nível regional e social. Em Espanha, na Alemanha e até em França, o mutualismo tem crescido em relação ao sector privado, ou mantido as suas quotas de mercado bancárias. Em Portugal acontece o inverso...

Sabe porquê? Falta-nos apoio do Estado. Se forem a França e tiverem dores de garganta, podem dirigir-se a uma mutualidade de saúde, que vos trata da mesma maneira como se fossem a outro local qualquer. O nosso Governo tem posto o mutualismo como a ovelha ranhosa e, nesta área, os interesses das seguradoras são muito fortes. O ministro Ferro Rodrigues já se preocupa mais com a nossa actividade.

Acha então que o grande impulso que falta dar ao mutualismo em Portugal tem que partir do executivo português?

Claro!

O que era preciso que o Estado fizesse para dar o impulso que falta ao sector?

Fundamentalmente, contar com o Montepio nas políticas sociais que executa.

E apoios financeiros?

Não eram necessários, pois os que temos são suficientes.

Mas considera que, no sector bancário, o Governo dá mais apoios aos privados e à CGD do que ao Montepio-Caixa Económica?

Disse uma verdade.

O que têm feito para sensibilizar o Governo para as vantagens do mutualismo?

Muita coisa: requerimentos, pedidos de entrevistas. E já houve no Governo pessoas que podiam mexer mais nisso. A Maria de Belém trabalhou muito connosco, foi nossa representante na AM, a associação internacional.

Andamos há imenso tempo para criar as farmácias sociais, mas não se consegue meter o dedo no sector das farmácias. É um "lobby" fortíssimo. A razão está numa luta de interesses, e as mutualidades não satisfazem os interesses das classes possuidoras, das classes mandantes.

O que pensa da possibilidade de se avançar para a desmutualização do Montepio?

Sou completamente contra. A mutualidade, assim como a Caixa Económica, fazem parte da economia social, esta é que deve ser desenvolvida. Se forem à Suécia, à Dinamarca, à Holanda e à própria Suíça, encontram aí organismos fortes da economia social, da economia do consumo.

Por essa Europa fora, a mutualidade bancária está presente na economia real, na mercado global, contribuindo para o apoio às pequenas e médias empresas locais. Em Portugal essa tarefa encontra-se nas mãos da CGD.

Isso é verdade, porque a CGD tomou posição em tudo. Vou dar um exemplo: os correios querem há muitos anos fazer uma caixa económica como deve ser. Nós estávamos nesse projecto com a CGD. Mas, com a mudança sucessiva das administrações, fomos completamente esquecidos e há cerca de dois anos que a CGD arrasta os estudos. Agora diz que vai fazer qualquer coisa, mas fica com 51 por cento. O projecto não tem nada de mutualismo, é o Estado a funcionar para arrecadar receitas.

Como é que se consegue fazer com que um governo de esquerda, que deveria, em princípio, preocupar-se em desenvolver o mutualismo, abandone a sua propensão fortemente privada e a ideia de que os estrangeiros devem dominar as instituições portuguesas?

Mas este Governo é de esquerda? Acha que eu concordo com todas as privatizações que foram feitas? Claro que não. O que não significa que concorde com a avalancha das nacionalizações feitas em 1974/75. Agora quere-se impor o liberalismo como ideologia, o salve-se quem puder...

O que é para si um governo de esquerda?

Eu não concordo com a reforma agrária, mas acha bem que o Alentejo seja deixado à desertificação, destinado à construção de campos de golfe?

Quais as empresas que não deviam ter sido privatizadas?

Acham bem que, nesta altura, todo o sistema bancário, à excepção da CGD e da Caixa Económica [Montepio] seja privado? Que o BCP domine o mercado?

Em França, o Governo reforçou o mutualismo com posições estatais detidas na área financeira... Por que razão o Montepio não entrou também nas privatização da banca e dos seguros?

E nós temos dinheiro? O Governo vende tudo o que dá dinheiro... Agora é a Brisa...

Como encara o futuro do mutualismo em Portugal?

É difícil.

Como dirigente mutualista, como encara a economia social num mundo de consumo, de endividamento das famílias, essa ética do gastar sem parar?

Acho mal. Mas as famílias estão hoje todas nesse caminho. A pessoa é levada pela força da propaganda, pela insistência do colega, a comprar o melhor frigorífico, o melhor carro, a melhor casa...

O Montepio não está isento de culpas...

Não está! Mas o que está mal é o facto de as pessoas se endividarem acima das suas possibilidades...

Toda a banca tem responsabilidades. A Caixa Económica alinha na propaganda do crédito fácil?

Não... mas podemos entrar... Tudo depende de outras condições.

Para se manterem competitivos?

Sim. Na Dinamarca obtém-se um crédito em dois dias e é um só funcionário a tratar do assunto.

Mas na Dinamarca o endividamento das famílias não é mais baixo?

Não, é como cá. Só que lá as declarações de IRS são correctas, em Portugal quem é que diz a verdade? A apreciação das associações mutualistas deve ser feita no contexto geral de interesses que coordenam a evolução da economia e do país.

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