Os 80 anos de uns tais dez por cento

06-03-2001
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Os 80 Anos de Uns Tais Dez por Cento

Terça-feira, 6 de Março de 2001

O PCP não nasceu de uma cisão dos socialistas, nem nunca entrou em nenhuma frente com os socialistas. Comunistas e socialistas nunca chegaram a ser primos desavindos, antes foram inimigos irreconciliáveis. É também por isso que, dez anos depois da queda do Muro de Berlim, os comunistas ainda continuam tão longe dos socialistas. Análise de José Manuel Fernandes

Quando o PCP nasceu, há 80 anos, o movimento operário era dominado pelos anarquistas. Os socialistas, raros e distantes, não tinham influência significativa e vegetavam nas margens das diferentes forças republicanas. Não surpreende por isso que os militantes que criaram o PCP tenham saído das fileiras do sindicalismo e do anarquismo, o que conferiu ao partido características únicas e bem diversas das dos outros partidos comunistas europeus.

Enquanto na maior parte dos países da Europa a criação de partidos comunistas segue o padrão soviético - a cisão entre os "bolcheviques" e os "mencheviques" -, em Portugal não havia um partido socialista com força suficiente, e implantação operária, que permitisse a formação, no seu seio, de uma corrente radical que aderisse ao princípios da revolução russa. De resto, as notícias que chegam de São Petersburgo criam mais emoção entre os militantes operários em luta com um governo republicano tido por "racha-sindicalistas".

Esta ausência de uma corrente socialista forte que, depois, disputasse com os comunistas a hegemonia no seio do movimento operário, acabará por marcar não só os anos iniciais do PCP como toda a sua história. Até meados dos anos 30, o debate é com os anarco-sindicalistas, sendo das suas fileiras que vão continuar a sair os principais dirigentes e militantes do novo partido. Na verdade, até à emergência de Bento Gonçalves, nunca o PCP deixa de ser um partido que oscila entre o republicanismo de esquerda e o anarquismo fascinado pela República dos Sovietes. Só com a adopção dos métodos leninistas que o segundo secretário-geral consegue impor no início dos anos 30 é que o partido muda de carácter, se bem que na acção concreta - como na greve insurreccional de 18 de Janeiro de 1933 - as práticas comunistas e anarquistas ainda se confundissem.

Entretanto, a repressão salazarista já tinha feito desaparecer os socialistas enquanto força organizada, encontrando-se as suas figuras mais importantes exiladas e muito distantes da realidade portuguesa. E assim continuaram até ao final dos anos 60.

Quer isto dizer que a partir de meados dos anos 30 e quase até ao fim da década de 60 os comunistas estiveram praticamente sozinhos como força activa da oposição. Os anarquistas tinham desaparecido politicamente, socialistas e republicanos só emergiam a espaços para um acto eleitoral ou uma tentativa de golpe. Enquanto noutros países os comunistas tinham criado o seu espaço em luta com os socialistas e, noutros períodos, tinham encontrado nos socialistas os seus parceiros "frentistas", em Portugal essa cultura de luta/colaboração nunca se formou.

Estes são também dominados, dentro do PCP, por Álvaro Cunhal. Ou melhor, correspondem aos anos em que Cunhal acaba por emergir como líder principal, sendo consagrado como secretário-geral após a sua fuga de Peniche em 1961. Esta ascensão de Cunhal é feita contra o seu único verdadeiro rival, Júlio Fogaça, um dirigente comunista que, nas discussões internas, se coloca sempre à sua direita e protagoniza todos as tentativas de aproximação a outras forças políticas, esbatendo as bandeiras comunistas. De certa forma, Fogaça foi o renovador que surgiu cedo de mais e que acabaria irremediavelmente batido no início dos anos 60.

É por isso um partido reorganizado à imagem de Cunhal, de acordo com a mais pura ortodoxia leninista, que é confrontado, pouco antes do 25 de Abril, com a reemergência dos socialistas. Depois, sabe-se o que se passou. Nos anos críticos de 1974 e 1975 e, depois, ao longo de uma década de consolidação democrática, comunistas e socialistas situaram-se em campos opostos. Lutaram ombro a ombro não pela hegemonia do movimento operário, mas pelo domínio do país. Estiveram em lados opostos da barricada e aconteceu o que nunca antes tinha sucedido: os "mencheviques" derrotaram os "bolcheviques", Mário Soares não foi o Kerensky português.

Até à segunda volta das Presidenciais de 1986, quando o PCP realizou um congresso extraordinário para apelar ao voto em Mário Soares, nunca os dois partidos se aproximaram. E desde então, apesar de entretanto ter caído o Muro de Berlim, a coligação autárquica em Lisboa é a excepção que confirma a regra do divórcio.

Este tão longo divórcio, que - na linguagem do primeiro-ministro - coloca dez por cento do eleitorado fora da área da governabilidade, tem pois profundas raízes históricas, raízes que vêm desde o mítico dia 6 de Março de 1921. As barreiras existentes entre os dois partidos - as psicológicas e as que têm verdadeiras razões políticas - continuam a ser tão profundas que ainda hoje é mais fácil ao socialistas negociarem com um força supostamente ainda mais à esquerda - o Bloco de Esquerda - do que com os "primos inimigos" do PCP.

Os 80 Anos de Uns Tais Dez por Cento

Terça-feira, 6 de Março de 2001

O PCP não nasceu de uma cisão dos socialistas, nem nunca entrou em nenhuma frente com os socialistas. Comunistas e socialistas nunca chegaram a ser primos desavindos, antes foram inimigos irreconciliáveis. É também por isso que, dez anos depois da queda do Muro de Berlim, os comunistas ainda continuam tão longe dos socialistas. Análise de José Manuel Fernandes

Quando o PCP nasceu, há 80 anos, o movimento operário era dominado pelos anarquistas. Os socialistas, raros e distantes, não tinham influência significativa e vegetavam nas margens das diferentes forças republicanas. Não surpreende por isso que os militantes que criaram o PCP tenham saído das fileiras do sindicalismo e do anarquismo, o que conferiu ao partido características únicas e bem diversas das dos outros partidos comunistas europeus.

Enquanto na maior parte dos países da Europa a criação de partidos comunistas segue o padrão soviético - a cisão entre os "bolcheviques" e os "mencheviques" -, em Portugal não havia um partido socialista com força suficiente, e implantação operária, que permitisse a formação, no seu seio, de uma corrente radical que aderisse ao princípios da revolução russa. De resto, as notícias que chegam de São Petersburgo criam mais emoção entre os militantes operários em luta com um governo republicano tido por "racha-sindicalistas".

Esta ausência de uma corrente socialista forte que, depois, disputasse com os comunistas a hegemonia no seio do movimento operário, acabará por marcar não só os anos iniciais do PCP como toda a sua história. Até meados dos anos 30, o debate é com os anarco-sindicalistas, sendo das suas fileiras que vão continuar a sair os principais dirigentes e militantes do novo partido. Na verdade, até à emergência de Bento Gonçalves, nunca o PCP deixa de ser um partido que oscila entre o republicanismo de esquerda e o anarquismo fascinado pela República dos Sovietes. Só com a adopção dos métodos leninistas que o segundo secretário-geral consegue impor no início dos anos 30 é que o partido muda de carácter, se bem que na acção concreta - como na greve insurreccional de 18 de Janeiro de 1933 - as práticas comunistas e anarquistas ainda se confundissem.

Entretanto, a repressão salazarista já tinha feito desaparecer os socialistas enquanto força organizada, encontrando-se as suas figuras mais importantes exiladas e muito distantes da realidade portuguesa. E assim continuaram até ao final dos anos 60.

Quer isto dizer que a partir de meados dos anos 30 e quase até ao fim da década de 60 os comunistas estiveram praticamente sozinhos como força activa da oposição. Os anarquistas tinham desaparecido politicamente, socialistas e republicanos só emergiam a espaços para um acto eleitoral ou uma tentativa de golpe. Enquanto noutros países os comunistas tinham criado o seu espaço em luta com os socialistas e, noutros períodos, tinham encontrado nos socialistas os seus parceiros "frentistas", em Portugal essa cultura de luta/colaboração nunca se formou.

Estes são também dominados, dentro do PCP, por Álvaro Cunhal. Ou melhor, correspondem aos anos em que Cunhal acaba por emergir como líder principal, sendo consagrado como secretário-geral após a sua fuga de Peniche em 1961. Esta ascensão de Cunhal é feita contra o seu único verdadeiro rival, Júlio Fogaça, um dirigente comunista que, nas discussões internas, se coloca sempre à sua direita e protagoniza todos as tentativas de aproximação a outras forças políticas, esbatendo as bandeiras comunistas. De certa forma, Fogaça foi o renovador que surgiu cedo de mais e que acabaria irremediavelmente batido no início dos anos 60.

É por isso um partido reorganizado à imagem de Cunhal, de acordo com a mais pura ortodoxia leninista, que é confrontado, pouco antes do 25 de Abril, com a reemergência dos socialistas. Depois, sabe-se o que se passou. Nos anos críticos de 1974 e 1975 e, depois, ao longo de uma década de consolidação democrática, comunistas e socialistas situaram-se em campos opostos. Lutaram ombro a ombro não pela hegemonia do movimento operário, mas pelo domínio do país. Estiveram em lados opostos da barricada e aconteceu o que nunca antes tinha sucedido: os "mencheviques" derrotaram os "bolcheviques", Mário Soares não foi o Kerensky português.

Até à segunda volta das Presidenciais de 1986, quando o PCP realizou um congresso extraordinário para apelar ao voto em Mário Soares, nunca os dois partidos se aproximaram. E desde então, apesar de entretanto ter caído o Muro de Berlim, a coligação autárquica em Lisboa é a excepção que confirma a regra do divórcio.

Este tão longo divórcio, que - na linguagem do primeiro-ministro - coloca dez por cento do eleitorado fora da área da governabilidade, tem pois profundas raízes históricas, raízes que vêm desde o mítico dia 6 de Março de 1921. As barreiras existentes entre os dois partidos - as psicológicas e as que têm verdadeiras razões políticas - continuam a ser tão profundas que ainda hoje é mais fácil ao socialistas negociarem com um força supostamente ainda mais à esquerda - o Bloco de Esquerda - do que com os "primos inimigos" do PCP.

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